Hoje jogando a Série C pelo Botafogo-SP, Morais relembra convivência com Romário no Vasco
Terça-feira, 20/06/2017 - 14:43
Manoel Morais Amorim pode dizer que teve uma carreira privilegiada.

Afinal, o meia de 32 anos, atualmente no Botafogo-SP, vestiu camisas pesadas, como as de Vasco e Corinthians, foi convocado pela seleção brasileira e jogou ao lado de alguns dos maiores nomes da história do futebol brasileiro: Romário, Ronaldo "Fenômeno" e Ronaldinho Gaúcho.

Natural de Maceió-AL, ele começou no CRB, aos 13 anos, e se destacou pela equipe em um torneio infantil no Espírito Santo. Observado pelo Vasco, foi convidado para se mudar para o Rio de Janeiro, e morou cinco anos debaixo das arquibancadas de São Januário. Acabaria fazendo toda a base e virando profissional pelo Cruz-Maltino.

O armador foi promovido ao time adulto em 2001, e fez sua estreia em 2002. Após passar um período emprestado ao Atlético-PR, firmou-se com a camisa vascaína a partir de 2005, quando ajudou Romário a ser artilheiro do Brasileirão aos 39 anos.

"Eu e Romário começamos a jogar juntos em 2005, quando eu voltei do Atlético-PR. O 'Baixinho' me ajudou muito, porque transformava a maioria dos meus passes em gols. Era um cara que me dava muita moral. Ele mandava no time e me adorava. Isso facilitou muito a minha vida. O meu melhor momento no Vasco foi com ele no ataque e o Renato Gaúcho de treinador, pois eu me sentia muito à vontade", lembra Morais, ao ESPN.com.br.

Com uma infinidade de assistências, o meio-campista foi decisivo para ajudar Romário a ser o máximo anotador do campeonato, mesmo com o herói do Tetra correndo pouco.

"Romário é uma lenda. Nós jogávamos domingo, às 16h, e ele chegava para o almoço às 12h já cansado (risos). Só que ia para no jogo e fazia dois gols", recorda o camisa 10.

Os passes açucarados para o "Baixinho" também renderam uma boa grana a Morais.

"Naquela época, se o Romário fizesse mais de um gol por jogo, o elenco inteiro ganhava o 'bicho' da vitória dobrado. Meu salário era curto nessa época. Então, o que eu metia de bola para ele não estava no gibi (risos)! Eu já falava para os caras: 'É bola no 'Baixinho' para dobrar esse 'bicho' aí'. Muitos jogos que ele fez isso e faturamos dobrado", conta.

Outra coisa que impressiona Morais sobre a artilharia do quase quarentão Romário em 2005 é que o hoje senador ficava de fora da maioria das partidas longe do Rio de Janeiro.

"O cara ainda foi artilheiro do Brasileiro sem jogar quase fora de casa. Era raridade ele sair de São Januário. No máximo, ele fazia a ponte aérea para São Paulo", brinca o meia, que era sempre era chamado para as famosas festas do "Peixe" nas noites cariocas.

"Uma vez eu estava em casa quase dormindo e o Romário estava dando uma festa na casa dele. Ele me ligou: 'Cabeça, vem cá agora'. Eu pensei em falar 'não', mas ele emendou: ‘Não quer receber no final do mês?'. Eu tive que sair da cama, tomei banho e fui prestigiar a festa na cobertura dele na Barra", rememora o alagoano.

"Ainda bem que estava solteiro na época. Ia tranquilo, senão não dava para sair. O que ia falar para minha esposa? Se bem que, pela moral que o Romário tinha, eu ia ter que que falar: 'Amor, segura aí, que tenho que ir lá'. Tinha que garantir o nosso no final do mês, né? (risos)", gargalha Morais.

'Pode cair na noite, mas no jogo tem que resolver'

Durante o longo período em que atuou pelo Vasco, Morais teve grandes temporadas. Seus melhores anos foram de 2005 a 2007, sob o comando do técnico Renato Gaúcho.

Também nesta época, foi convocado e ficou na pré-lista da seleção brasileira para a disputa da Copa América de 2007, mas acabou cortado e não foi à Venezuela.

"Em três temporadas, fiz 40 gols e deu um monte de assistências. O Romário falava sempre que eu era o melhor jogador em atividade no futebol brasileiro. Fui convocado até para a seleção brasileira pelo Dunga nessa época", exalta.

"Ganhei duas camisas do Brasil e dei uma para o meu pai. Infelizmente, acabei cortado na pré-lista da Copa América. Uma pena, porque representar a seleção é o sonho de todo jogador", lamenta o meio-campista.

Sobre Renato, Morais se lembra bem dos "conselhos" do hoje comandante do Grêmio.

"O Renato tem o estilo dele e não muda, mesmo com o futebol se 'robotizando'. Ele era tranquilo demais, só queria que a gente corresse dentro de campo. Podia ir para noitada, podia se divertir, mas na quarta e no domingo tinha que dar conta do recado", recorda.

"Eu estava dando conta de tudo naquela época (risos). O Renato falava: 'Pode quebrar na noite, pode sair com a mulherada, mas tem que resolver dentro de campo'", lembra o armador, que vivia sendo "zoado" por "Renight" nos treinos do Vasco.

"Um dia ia ter treino só de tarde. Acordei na hora do almoço e fui para praia. Comi um peixe e de lá fui para o treino de chinelo mesmo. Afinal de contas, fazia calor e eu estava no Rio de Janeiro. Cheguei com o pé cheio de areia e o Renato caiu na risada: 'Pô, Morais, aí já é demais também! Passou o dia na praia e veio direto para o treino. Aí vai chegar cansado, meu querido (risos)'", sorri o meia.

"Mas ele estava só brincando, na resenha. Tirou onda com a minha cara por isso!"

'O Fenômeno tranquilizava a gente em campo'

Em 2008, Morais caiu de produção no Vasco e resolveu mudar de ares. Cansado das críticas da torcida vascaína, topou encarar a missão de jogar pelo Corinthians na Série B.

"Fiquei mais um tempo no Vasco e fui para o Corinthians em 2008, em plena Segundona. Eu era um pedido do Mano Menezes e do Zago, e fui muito bem recebido", conta.

"No Vasco, a pressão era muito grande. Quando ganhava, ganhava todo mundo. Mas, quando perdia, era sempre eu que não tinha jogado bem. Estava um pouco cansado dessa cobrança e saí. Fui muito criticado por ter saído de um time de Série A para um de Série B, mas deu tudo certo. Conquistei vários títulos no Timão e foi ótimo", celebra.

O meio-campista ficou três anos no Parque São Jorge e conquistou o Campeonato Brasileiro de 2011 e Copa do Brasil e o Paulistão em 2009, além da Série B em 2008.

Além disso, teve a chance de dividir o gramado com duas lendas da bola.

"Joguei com Ronaldo 'Fenômeno' e Roberto Carlos. Além da experiência, o Ronaldo levantou o Corinthians financeiramente. O respeito por ele era tão grande que sempre tinham três caras em cima dele por jogo. Nisso, sobrava espaços para a gente", lembra.

"O Ronaldo sempre nos tranquilizava. Nos jogos decisivos, ele juntava a galera e falava: 'Fiquem tranquilos que estamos indo só bater uma pelada' (risos). A gente relaxava com o 'Fenômeno', e por isso ganhamos Paulista e Copa do Brasil com ele", exalta.

Quis o destino, porém, que pouco após Morais conquistar seu título mais importante pelo Corinthians, problemas fora do campo quase o fizeram pendurar as chuteiras.

"No Brasileirão de 2011, eu joguei só quatro jogos de titular, porque chegou o Alex e fui para banco. Mesmo assim, entrava em quase todos os jogos. Foi um título importante demais", relembra.

"Faltando seis meses para o final do meu contrato, o Corinthians tinha contratado vários jogadores para a minha posição. Eu estava no final a fila e resolvi aceitar um empréstimo para o Bahia no começo de 2012. Só que, depois de jogar o Estadual, eu resolvi que ia parar de jogar futebol", relata.

'Fui cuidar do meu pai. Não tinha cabeça pra futebol'

O que fez Morais quase largou o futebol na flor da idade foram problemas de saúde de seu pai, que viveu situação delicada justamente quando ele acertou a ida para o Bahia.

"Meu pai teve muitos problemas de saúde, com diabetes e Mal de Parkinson. Ele não estava bem. Eu tinha saído de casa havia 16 anos e, quando saí, ele jogava bola comigo. Quando voltei, ele estava naquela situação. Foi muito triste", ressalta, emocionado.

"O Paulo Angioni, que é um grande amigo e era diretor no Bahia, me fez uma proposta muito boa para renovar por três anos e falou: 'Vai ficar com seu pai um tempo e depois você volta. A gente põe uma cláusula aqui no seu contrato'. Mas eu não aceitei. Não tinha cabeça para continuar no futebol", revela.

Nesse tempo, Morais chegou a recusar propostas de outros grandes times do país.

"Eu estava com 27 anos e fiquei uns oito meses em casa só cuidando do pai. No fim, ele melhorou e está com a gente até hoje, graças a Deus. O Cuca, que já havia pedido minha contratação no Botafogo e depois no Flamengo, me ligou", relata.

No início de 2013, já com seu pai em melhor momento, Morais decidiu que era hora de retornar aos gramados. E o chamado veio novamente de Cuca, então no Atlético-MG.

"Eu estava decidido a largar a bola, mas o 'Galo' me fez voltar. Eu acertei tudo com o Eduardo Maluf [então diretor de futebol] e voltei", rememora o veterano.

'Calma aí, Gaúcho, não consigo te acompanhar'

Em Belo Horizonte, Morais teve a chance de atuar com mais um craque na carreira: Ronaldinho Gaúcho, que chegava após passagem conturbada pelo Flamengo.

"O primeiro encontro com o cara foi assustador. Afinal, antes eu só o via pela televisão, né? Mas é um cara do bem. Todo final de semana ele me chamava para jogar futevôlei na casa dele. Eu brincava: 'Calma aí, Gaúcho. Não estou nem dando chute, não dá para te acompanhar' (risos). Tinha que dar uma segurada, porque precisava me cuidar para garantir meu espaço. Tem que saber a hora de ir no futevôlei do Gaúcho (risos)", brinca.

O armador se impressiona até hoje com o talento natural de Ronaldinho, que praticamente não se esforçava nos treinos, guardando toda sua "magia" para os jogos importantes do Atlético.

"O Gaúcho é boêmio desse jeitão dele até hoje. Craque de bola, treinava muito pouco. Tinha um treino chamado 'teste do pique'. Você ouve o barulho, bate no cone e sai correndo. Se o alarme estiver no cone duas vezes seguidas, você sai", conta.

"Tem que ficar sempre de acordo com som. Geralmente, vamos até o nível 14, mas começa no 8, porque é isso que te qualifica para jogar. Todo mundo quer ir bem nisso. Chegou a vez do Gaúcho, deu uns três alarmes e ele já saiu falando que não aguentava mais (risos). Só que aí quando chegava dentro de campo ele arrebentava. O talento bancava o cara e não deu outra: 'Galo' campeão mineiro e da Libertadores", recorda o armador.

O problema é que a grande fase do Gaúcho automaticamente tirava as chances de Morais jogar pelo Atlético, já que eles eram concorrentes de posição. Por isso, o meia decidiu sair do clube de Belo Horizonte e pensou mais uma vez em encerrar a carreira.

"Eu saí na semifinal da Libertadores, porque o Gaúcho estava voando e eu quase não jogava. Fui para o Criciúma e mantivemos o time na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Depois disso, cheguei a largar o futebol de novo", salienta Morais.

"Voltei e joguei um Alagoano pelo CRB, que era na minha cidade. Mas comecei a ficar cansado de toda hora ter que mudar de cidade. Meus filhos tinham estudado em sete escolas. Estava cansado. Até que fui chamado para jogar no São Bento, de Sorocaba-SP. No começo não queria... Só que a vontade de jogar bola acabou falando mais alto e topei".

'Antes de eu passar vergonha eu aposento'

Pelo São Bento, Morais fez um grande Paulistão em 2016, destacando-se especialmente no 2 a 2 com o Palmeiras, quando fez um dos gols do empate pela segunda rodada.

No lance em questão, ele aproveitou erro do zagueiro Leandro Almeida na área, deu uma caneta humilhante no defensor e tocou por cima de Fernando Prass para fazer um golaço.

"O time deu muito certo no Paulista do ano passado. No segundo jogo, eu estava há nove meses sem jogar, mas fiz aquele gol no Palmeiras. Foi muito importante. Fora o gol, joguei bem naquela partida. Até hoje meus filhos pedem para ver aquele gol no Palmeiras (risos). Tenho que por na TV e ficar vendo o replay", diverte-se.

Depois do Estadual, Morais deixou o São Bento e passou o segundo semestre em Maceió, pensando se pendurava as chuteiras de vez, aos 32 anos, ou se seguia jogando.

"No segundo semestre, fiquei parado de novo. Vieram umas propostas, mas achei melhor ficar em Maceió. Ano passado fiquei em casa e os primeiros meses fora muito bons. Mas ainda tenho muita energia para jogar bola e me cuido muito. Ficava passando vontade vendo futebol na televisão todo domingo (risos). Neste ano, fui chamado para o São Bento para o Paulista de novo. Só que depois, decidi jogar o ano todo. Acertei com o Botafogo-SP para a Série C e agora trouxe a família para Ribeirão Preto", conta, feliz da vida.

No Bota, Morais assumiu a camisa 10 e tem o objetivo de recolocar a equipe na Série B, já que no ano que vem os tricolores comemorarão seu centenário de fundação.

Até o momento, ele vem cumprindo bem sua missão, sendo um dos principais atletas da boa campanha botafoguense. No último domingo, fez o primeiro gol da vitória por 3 a 0 sobre o Macaé, que colocou o "Pantera" na liderança do grupo B da 3ª divisão nacional.

"Estou feliz demais por estar jogando em uma intensidade boa. Enquanto eu estiver competindo em alto nível, não vou parar. Quando eu pegar na bola e passarem por cima de mim, aí eu paro. Antes de passar vergonha, eu aposento", assegura Morais.

"Enquanto o coração tiver batendo forte, eu quero jogar", brada o camisa 10.

Afinal, quem foi o melhor com quem jogou?

E depois de tantos anos, é possível dizer quem foi o melhor com quem jogou?

"Só tenho que agradecer a Deus, porque só joguei com feras boa praça. O Gaúcho é de uma simplicidade enorme, e o 'Fenômeno', então, nem se fala. E o Romário, é daquele jeitão dele meio marrento, mas só me ajudou. Não tenho o que falar", comenta.

No fim das contas, porém, Morais elegeu Ronaldo como seu favorito de todos os tempos.

"Essa pergunta é difícil (risos). Romário dentro da área era um absurdo. Poder de definição com um ou dois toques na bola, Gaúcho era gênio, mas convivi com Ronaldo 'Fenômeno' e ele era muito completo", exalta.

"Jogava dentro da área e, se quisesse jogar de meia, seria um armador fera. Ronaldo era completo, finalizador e inteligente. Para mim, foi o maior de todos", finaliza.



Fonte: ESPN.com.br