Felipe fala sobre Clássico dos Milhões, Vasco x Real Madrid de 1998, futebol atual e Eurico

Quarta-feira, 15/04/2015 - 12:57
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Aos 37 anos, Felipe diz que está velho. Aponta dores no joelho direito que o impedem de jogar futevôlei no momento e o hábito de acordar bem cedo para explicar sua ‘velhice’. Mas nada a reclamar da aposentadoria, com independência financeira e qualidade de vida. A programação do ex-jogador é não se programar. Levar os dois filhos no colégio e na escolinha de futebol são algumas das obrigações. Assistir a futebol? Muito pouco. Mas o craque criado no Vasco, com passagem pelo Flamengo em 2004, Fluminense, Galatasaray, Palmeiras, Atlético-MG e Al-Sadd vai voltar a respirar futebol. A dúvida: como técnico – fará um curso no meio do ano – ou como agente de jogadores. E Felipe quase acertou para ser comentarista. Mas não entrou nas ondas do rádio.

Felipe, porém, não se furta de comentar sobre Vasco e Flamengo, que fazem o segundo e decisivo jogo da semifinal, domingo, às 16h, no Maracanã, quando o Rubro-Negro terá a vantagem do empate. O ex-jogador lembrou das passagens pelos dois clubes, analisou a primeira partida, clamou pela volta do espetáculo e acha “que o Vasco fica muito mais preocupado com o Flamengo do que o Flamengo com o Vasco”.

E ainda comentou sobre a polêmica discussão sobre vice que envolve os dois times.

- Tenho muitos amigos vascaínos, muitos flamenguistas. Essa briga sempre vai existir. Uns dizem que quem tem mais vice é o Flamengo, não é o Vasco. Enfim...Eu não sei. Mas isso acaba martelando, o jogador pode absorver. Aí, durante a partida, leva um gol e pode pensar: “pô, de novo não”.

Na bela manhã desta terça-feira de outono, Felipe chegou para a entrevista ao GloboEsporte.com numa moto estilo Vespa. Com físico bem mais forte do que na época de jogador, logo tirou tênis, camisa e, sentado à sombra, com o horizonte ao fundo, revelou a dúvida entre ser treinador ou empresário de jogadores.

Também comentou sobre as condições do mar. A seguir, os principais trechos da entrevista realizada no escritório de Felipe: a praia.

GloboEsporte.com: Como é a rotina do Felipe como jogador aposentado?

Felipe: Bastante tranquila. Acordo cedo, todo velho acorda cedo. Levo meus filhos na escola, depois vou para academia, dou uma malhada. É gostoso ir para academia pelo prazer, faço o que dá vontade. Não é obrigação, como antes. Às 9h30, já acabei minha academia. Têm dias que venho à praia, dou uma corridinha também prazerosa, caminho, jogo meu futevôlei com os amigos. Tenho alguns negócios fora do futebol que, agora, com mais tempo, participo mais.

E em relação ao futebol?

No meio do ano vou fazer o curso de treinador junto com o Pedrinho. A gente pretende fazer essa parceria também fora dos campos. É uma possibilidade, não é certo. É um caminho que gostaria de seguir. Alguns garotos me procuram para que eu possa tomar conta da carreira deles. Mas ainda não defini, ser empresário ou treinador. Deixo acontecer. Tenho mais vontade de ser treinador do que empresário. Mas, como técnico, volta à rotina de jogador, concentração, viagem, o desgaste é maior do que do atleta, pela responsabilidade que tem, precisar respirar futebol 24 horas por dia. Por outro lado, ser empresário tem mais qualidade de vida. Vou me preparar, fazer cursos. E já tive convite para participar como comentarista de programas de rádio. Não tenho pressa, não.

E quais os técnicos que servem de exemplo, os melhores com quem você trabalhou?

O mais importante para mim foi o Antônio Lopes, que me deu oportunidade e ensinou muita coisa no começo da carreira. Fui o Felipe, se tenho alguma história no futebol, agradeço a ele em primeiro lugar, que me deu a oportunidade lá atrás no Vasco quando ninguém me conhecia. Aprendi muito também com Abel. Luxemburgo é um cara que é diferenciado na leitura de uma substituição. Cristóvão tem uma inteligência acima da média, estudioso. Foi muitos anos auxiliar do Ricardo Gomes, isso ajudou. Esses quatro treinadores somaram bastante.

O que o Felipe técnico pensa sobre concentração?

Não ganha jogo, depende do elenco. Na minha época de jogador, já concentrei e joguei mal, não concentrei e joguei bem, isso é relativo. Vai da responsabilidade de cada jogador, da confiança que o plantel passa para você. Depende muito também da importância do jogo. Da situação financeira dos clubes. A concentração é um gasto muito grande. E dá para você saber quando o jogador saiu, não saiu, pelo rendimento que não será o mesmo. Mas, ainda assim, tinham jogadores que resolviam dentro de campo. Se não concentrar e resolver, não tem problema nenhum.

Quando se fala em Vasco, o que lembram de você?

Todo torcedor que eu encontro agradece muito pela minha história no Vasco. Mas realmente todos lamentam o único título que eu não tive (Mundial). Foi um jogo que ficou marcado negativamente para a torcida, mas a derrota teve seu lado positivo. Eu era muito jovem (21), joguei muito bem contra jogadores consagrados mundialmente como Raul, Seeedorf, outros. Mas engraçado, todos falam que a bola poderia ter entrado. Ficou marcado. Infelizmente, a bola não entrou. Muitas vezes o futebol é injusto. E uma das injustiças foi o Vasco ter perdido aquela final, pois foi muito superior ao Real Madrid. (Em 98, 0 Real Madrid venceu o Vasco por 2 a 1. Felipe teve bela atuação, e perdeu boa chance quando o jogo estava 1 a 1).

Em 2004, você vai para o Flamengo e é o principal jogador do time na temporada, camisa 10...

Vim do Galatassaray, da Turquia. Quando cheguei, a desconfiança era muito grande por eu ter sido criado no Vasco. Mas como profissional encarei de melhor maneira possível. Confiava no meu futebol, sabia que ia reverter dentro de campo, não tem resposta melhor. E pelo Flamengo ser grande, ter uma torcida apaixonante, por eu ter usado a 10 que era do Zico, joguei mais no ataque... Isso somou para a exposição muito grande. Vivenciei um momento maravilhoso no futebol, isso tudo ajudou. Ser comparado ao Garrincha, quem sou eu?! Mas me senti lisonjeado. O time era limitado. Tinha o Julio Cesar (goleiro), o Zinho, com sua experiência, eu, Fabiano Eller, Ibson começando. As atenções eram voltadas principalmente para mim, camisa 10, capitão, atacante. Claro que a rivalidade é muito maior do que isso tudo, mas ando na rua, encontro um flamenguista ou outro, eles falam, lembram aquela época, “apesar de ser vascaíno, jogou pra c... no Flamengo”. Onde passei fiz uma história, pequena que seja, conquistei títulos. Fiz uma história pequena no Flamengo em comparação ao Vasco. Mas o momento era tão bom em 2004, que até esqueceram um pouco que eu era do Vasco.

Você assiste a futebol?

Muito pouco.

Por que?

Ser jogador de futebol tira você da sua família, não tem fim de semana. Como bom carioca, quero fazer tudo que não fiz. Hoje, meus filhos estão com nove e cinco anos. Sou pai de atleta, os dois jogam ou tentam jogar.

Tentam?

Sou muito exigente, eu falar é complicado. Sou pai crítico, diferente de muitos outros. Procuro levar ele no treino, no fim de semana eles têm torneio. Já está complicando minha praia, o futebol de novo tirando meu fim de semana (risos). Mas é prazeroso. Estão por hobby, são novos para saberem se vão seguir o caminho. O que falo muito é que não é fácil. Eles dizem que querem ser jogadores, eu lembro que da minha época só eu e Pedrinho conseguimos chegar. Tem que ter dedicação. Eu deixava de brincar para treinar, meu filho já é o contrário. Quando tem muita criança brincando no condomínio, ele pergunta se pode faltar ao treino. Eu digo que não é o certo. Mas deixo bem à vontade. Sou mais crítico do que elogios.

Mas não assistiu nem ao primeiro jogo da semifinal entre Vasco e Flamengo?

Assisti. O nível técnico caiu bastante, futebol está muito competitivo, força física e esquecem um pouco da técnica. Falo da parte técnica no campeonato todo. Mas normalmente em final é assim. Pois quando é um jogo decisivo, você entra muito mais com a vontade e superação, e deixa de lado a técnica, mais aguerrido, até sair o primeiro gol. Vasco se impôs mais, teve as melhores oportunidades. Não foi um jogo muito bonito de se ver. As chances que ambas equipes tiveram foram mais num bate rebate, numa bola parada. Flamengo criou um pouco menos, por isso Paulo Victor acabou se sobressaindo na partida.

Dá para fazer uma projeção para a segunda e decisiva partida?

O Flamengo leva vantagem por ter um time muito veloz, principalmente a partir do segundo tempo. Se estiver 0 a 0, o Flamengo vai ser beneficiado, tem o Cirino, Everton, Paulinho, Gabriel...Pode ser um jogo perigoso para o Vasco, que precisa de inteligência para atacar, mas sem dar o contra-ataque, pois pode ser mortal. Se levar um gol, vai ter que se expor. No segundo tempo, se estiver 0 a 0, Vasco vai jogar contra o relógio.

Antes de 2015, na última vez que Vasco e Flamengo se encontraram numa semifinal do Carioca você foi decisivo. (Em 2012, Vasco venceu por 3 a 2, com dois gols de Felipe, e avançou à final).

Bem diferente de agora. O Vasco tinha um time entrosado, mais qualificado tecnicamente. Jogadores jovens e bons surgindo, como Alan, Rômulo, experientes como Diego Souza, Alecsandro, Eder Luis, zaga muito boa, com Dedé e Anderson Martins. Agora, o Vasco está em formação, contratou muitos jogadores, ainda adquirindo sua melhor forma. Em 2012, foi um jogo atípico, pois eu fazer dois gols num clássico é complicado (risos). Fiz poucos gols na minha carreira. Sempre tive mais prazer de dar passes para os meus companheiros do que fazer gol. E depois eles me agradecerem. Naquele ano, o Flamengo tinha o Ronaldinho Gaúcho, uma referência mundial. E saiu na frente no placar. É um clássico sempre gostoso de jogar. Espero, como torcedor, que domingo seja mais bonito. Mas vai ser difícil isso acontecer. A parte física sempre vai existir, mas futebol precisa de um espetáculo mais bonito, mais jogado. (No vídeo acima os gols de Vasco 3 x 2 Flamengo em 2012)

Uma pergunta que você respondeu algumas centenas de vezes depois de ter passado pelos dois clubes: Flamengo e Vasco, de fato, é diferente?

É um campeonato à parte, independentemente da situação do time, se está mal, bem. Joguei em ambas as equipes. Acho que o Vasco fica muito mais preocupado com o Flamengo do que o Flamengo com o Vasco. E também a força da imprensa, os formadores de opinião, o jogador absorve o que se fala em torno do clássico. De repente, nas últimas finais, o Flamengo foi vencedor...

A questão em torno do vice?

Tenho muitos amigos vascaínos, muitos flamenguistas. Essa briga sempre vai existir. Uns dizem que quem tem mais vice é o Flamengo, não é o Vasco. Enfim...Eu não sei. Mas isso acaba martelando, o jogador pode absorver. Aí durante a partida leva um gol e pode pensar: “pô, de novo não”. Tem que jogar e a torcida fazer a diferença durante os 90 minutos, apoiar, independentemente de levar gol ou não. Já joguei com jogadores que crescem se a torcida motivar, mas, se pegar no pé, se escondem no jogo. Se o jogador que errou ganhar apoio, pode render mais. Tem jogadores que ligam o foda-se, jogam apoiando ou não.

O que você pensa sobre o retorno do Eurico Miranda à presidência do Vasco?

Minha relação com Eurico sempre foi normal, de atleta para dirigente. Como era muito jovem, não tinha muito acesso a ele, que sempre foi Vasco. De repente, se você falar mal do Eurico, ele não vai ficar chateado, mas se falar mal do Vasco, sim. Ele foi um excelente dirigente. Vasco conquistou muitas coisas com ele. Como qualquer ser humano, ele tem erros e acertos. Não tenho como falar se acertou mais do que errou, mas que o Vasco foi vitorioso dentro de campo, foi, bastante. Ser presidente de um clube é complicado, pressão grande. O Vasco melhorou do que estava, contratou jogadores.

E apostou num técnico novo...

Tem que dar oportunidade a nova geração. O Luxemburgo hoje é o Luxemburgo pois teve oportunidade lá atrás. O Felipão, Abel, Lopes. Tem que começar um dia.

Em breve, o técnico Felipe...

Eu fui jogador e fiz história como jogador pois o Lopes me deu oportunidade. Isso é o ciclo da vida. Torcida fica preocupada com nome. Nome não ganha jogo. Então, vamos continuar jogando com o time de 97 que ganhou tudo, eu, Pedrinho. Não dá, ué?! Oportunidade tem que ser dada. Mas nossa cultura é muito imediatista. Contrata um e quer que amanhã ele resolva. Tem que dar tempo. Se perde, troca? Não.

Em 2004, ao marcar um gol pelo Flamengo na última partida do Brasileirão, contra o Cruzeiro, em Volta Redonda, você tirou a camisa e jogou. Mal comparando, Fabrício fez, de forma bem mais acintosa: retirou a camisa e jogou no gramado. Como você enxerga esses episódios?

A minha cada um interpreta da maneira que quer. As pessoas que gostavam de mim interpretaram assim: era o último jogo, já é difícil eu fazer gol, ainda mais um daqueles, com todo respeito, não é qualquer um que faz, são poucos. Se o Flamengo cai naquele ano os responsáveis seriam eu, Julio Cesar e o Zinho. Principalmente eu. Naquela época, se falasse de Flamengo era Felipe, se eu estiver errado pode discordar de mim. Foi um desabafo. O do Fabrício foi o estopim, ele já vinha sendo perseguido pela torcida, é bom jogador, mas qualquer deslize a culpa era dele. Vou dar um exemplo no Vasco: Felippe Bastos. Para seguir no Vasco, ele teria que fazer, no mínimo, um gol por jogo e o Vasco ganhar todas as partidas. Hoje ele é titular do Grêmio. Foi exagero do Fabrício? Foi. Mas imagina a pressão. De repente, eu mais novo, teria a mesma atitude dele. Isso mostra a pressão que o jogador sofre. Quando é tirado como Cristo para a torcida, não tem como. (No vídeo abaixo o lance de Felipe atirando a camisa do Fla no chão)

No começo da entrevista, você falou sobre um convite para ser comentarista. Ia cornetar muito?

Nunca fui contra cornetar, criticar, desde que critique assim: “fulano hoje não está bem, seria melhor ele sair”. Estou criticando, mas com respeito ao ser humano, homem, pai de família. Às vezes, atinge o pessoal.

Quando jogador, você, por exemplo, recebia o rótulo de chinelinho...

Aí é pessoal. Se buscar meu histórico de jogos e lesões, eu tive uma lesão de púbis, no Flamengo, em 2004, e fiz artroscopia depois de velho, em 2012, mas voltei a jogar em um mês. Atingia mais minha família, minha mãe, meu pai. Mas jornalistas são formadores de opinião. Cornetar é normal, mas desde que seja com educação e respeito.

Você sente saudade do tempo de jogador?

Vou te falar: não sinto saudade, não. Deu. Estou aqui contigo no quiosque. Ia correr, mas depois de velho começaram a aparecer os problemas, estou com o joelho meio baleado. Quilometragem já passou, mas está dando problema agora. Lógico que ficar à toa não existe, mas hoje eu quero ficar na praia, faço o que quero, a minha programação, isso não tem preço. Hoje quero almoçar com meus amigos, buscar meu filho na escola. Não tem rotina. Se ficar em casa martelando, pode até dar saudade. Mas fim de semana estou com a minha rapaziada, futevôlei, churrasco, aquele bate-papo, resenha. É bom demais. Ter qualidade de vida é bom pra cacete.

A foto do seu Whatsapp é você saindo do mar com uma prancha de Stand Up. Virou adepto?

Foto faz milagre (risos). Fico em vários pontos da praia. Tem um camarada que dá aula. Fiz umas cinco, seis vezes. Stand up não é difícil, ainda mais se o mar estiver flat (sem ondas).

Flat?! Vai virar surfista?

É a linguagem do pessoal do surfe. Mas para a foto o cara também estava segurando a prancha embaixo d’água (risos). Nunca tentei surf. Meu futevôlei e minha praia já estão bom demais.




Fonte: GloboEsporte.com