Alecsandro: 'Eu fico feliz de só fazer gol, porque é isso que o futebol pede'

Domingo, 05/08/2012 - 12:22

Quando entrar no gramado de São Januário para enfrentar o Corinthians, neste domingo, às 16h, Alecsandro vai completar sua 80ª partida pelo Vasco. São 37 gols marcados, 24 deles em 40 jogos na atual temporada, que registra média de 0,6. Os números e as estatísticas merecem atenção especial do artilheiro isolado do Campeonato Brasileiro, com oito gols. E, em última análise, para ele nada mais importa.

Alecsandro costuma dizer que foge da autopromoção e admite não protagonizar lances de efeito. Também garante estar pronto para as cobranças, desde que sejam por gols. O camisa 9 do Vasco resume a sua função dentro de campo como balançar a rede, mas sabe ser dono da maior das responsabilidades do futebol. E para não ser apenas mais um, leva consigo alguns dos ensinamentos do pai, o ex-atacante Lela, campeão brasileiro pelo Coritiba em 1985:

- O grande jogador tem que ser grande em grandes jogos. Isso ficou muito marcado para mim. Mas acho que a dica mais importante dele foi que dentro da área eu tinha que estar gelado. Tinha que estar calmo. São o zagueiro e o goleiro que devem estar nervosos, nunca o atacante. Essa é uma dica que, sempre que coloco em prática, dá certo.

Artilheiro de duas das quatro competições que disputou pelo Vasco (Copa do Brasil de 2011 e Campeonato Carioca de 2012), Alecsandro pretende marcar seu nome no clube construindo outros números significativos. Neste domingo, ele pode se isolar como o jogador em atividade no Campeonato Brasileiro com mais gols na competição. Atualmente, lidera a disputa ao lado de Deivid, reserva do Flamengo, com 79 gols. Porém, para escrever uma história em São Januário, o centroavante de 31 anos sabe que precisará alcançar um feito inédito na carreira: cumprir um contrato inteiro. Seu atual vínculo vai até dezembro de 2013, e sua perspectiva inicial é renová-lo.

Você mostra ser muito ligado em números. Tem o hábito de anotar estatísticas? Qual a importância desse aspecto para sua performance?

Não chego a anotar os números. Mas digo sempre que isso é coisa de profissionalismo. Os grandes empresários sobem de cargo para atingir uma meta, e eu tenho isso no futebol. Dentro da minha função, tenho que estabelecer metas e médias. E, para alcançar as metas, é preciso estar dentro de uma média. Eu procuro ficar dentro de uma média de bom para ótimo e, sendo assim, vou chegar às metas, que são títulos e artilharias.

Você tem ideia de quantos gols marcou desde as categorias de base e tem algum número com o qual pretende encerrar a carreira?

Não sei quantos gols marquei, mas gostaria de saber. Como jogador profissional, é mais fácil ter essa ideia. Mas, se encerrar a carreira com 500 gols como profissional, vou ficar muito feliz. Acho que é uma grande marca.

Apesar de mostrar eficiência, você não é um atacante muito badalado. Por quê?

Acho que por não ser aquele jogador marqueteiro, que só comemora gols com a torcida e beija o escudo a toda hora. Fazer isso sempre não é legal. A comemoração tem que ser espontânea. Gosto muito do Vasco, mas, na hora que eu achar que devo beijar o escudo, vou beijar. Quando achar que devo comemorar com a torcida, vou comemorar.

Como costuma reagir aos questionamentos e às cobranças?

Sempre que sou questionado, coloco a cabeça no travesseiro e vou refletir sobre o porquê. Não sou o dono da verdade, então procuro sempre analisar o que pode estar errado. Quando fico mais de cinco jogos sem fazer gol, penso no porquê de estar mal. Questionar é válido. O centroavante não precisa jogar bem, precisa fazer gol. Os grandes centroavantes foram sobretudo grandes finalizadores. Talvez o Ronaldo Fenômeno tenha sido um dos poucos que também faziam gols bonitos. Num dos estados onde joguei, um comentarista disse uma vez que o Alecsandro não fez nada no jogo, só o gol. Eu fico feliz de só fazer gol, porque é isso que o futebol pede.

Na atual temporada, você passou a ter um melhor aproveitamento a partir do momento em que passou a atuar fixo na área. O centroavante, quando sai para buscar o jogo, fica mais exposto às cobranças?

Com certeza. Na maioria das vezes, quando o centroavante sai da área, do seu posicionamento, é porque alguma coisa está errada. Ele acaba se expondo ao fazer alguma coisa que não é a sua. Sou um jogador de finalização, mas dificilmente vou conseguir finalizar de fora da área de primeira. Então, colocamos nosso futebol em questionamento quando saímos muito da área. Jogador tem que ter confiança do treinador, porque já aconteceu algumas vezes de ficar na área, não tocar na bola e ser substituído no intervalo. Então você pergunta: “Por que me tirou, se pediu para eu ficar na área, e a bola não chegou?”. E para completar o outro entra, faz gol, e a gente sabe como isso termina. Quando o treinador dá a tranquilidade de pedir para fazer o que está mandando e acredita na sua capacidade, é possível trabalhar bem.

No início do ano, o presidente Roberto Dinamite disse que gostaria de contratar um grande camisa 9. Como reagiu?

Na ocasião, eu rebati. Disse que não entendia como o Vasco queria um 9, mas não liberou o 9 do Vasco. Na época eu tinha propostas de três clubes do Brasil. O presidente é uma grande pessoa e talvez tenha se expressado mal naquele momento. Mas está tudo bem.

Qual foi a importância do seu pai, o ex-atacante Lela, na sua formação como atacante?

Meu pai foi uma pessoa muito importante para a minha chegada ao futebol. A primeira coisa que ele disse foi que futebol não é brincadeira. Futebol profissional tinha que ser levado a sério. E se realmente eu quisesse levar a sério, teria que ser um jogador de ponta, não ser mais um. E para não ser mais um, teria que treinar muito. É o que eu faço. O segundo toque que ele deu foi que o grande jogador tem que ser grande em grandes jogos. Isso ficou muito marcado para mim. Mas acho que a dica mais importante dele foi que dentro da área eu tinha que estar gelado. Tinha que estar calmo. O zagueiro e o goleiro são os que ficam nervosos, nunca o atacante. Essa é uma dica que, sempre que eu coloco em prática, dá certo.

No Vasco e em outros clubes, você se destacou por marcar gols decisivos...

Vou levar isso para sempre na minha vida. Meu filho vai ouvir falar disso. É muito importante ser considerado um jogador de decisão.

Você e Deivid, do Flamengo, são os jogadores em atividade no Campeonato Brasileiro que mais marcaram gols na competição, com 79. O representa essa marca?

Todos dizem que o Campeonato Brasileiro é o mais difícil do mundo. Então, fico feliz por ser o jogador em atividade na competição com mais gols. É algo marcante.

Agora, falando do Vasco: qual o motivo de a equipe viver uma estabilidade durante tanto tempo?

O segredo é que cada um reconhece seus limites, tem a humildade de ajudar o companheiro e saber que assim também estará se ajudando. Não somos uma equipe, somos um grupo. E um grupo forte se faz acreditando em todo mundo. Sai um jogador, entra outro, e a confiança é a mesma. É tudo isso que está fazendo a gente disputar títulos e ter conquistas.

Na atual temporada, o Vasco conseguiu mudar um panorama que incomodava o torcedor e venceu o Flamengo em jogos decisivos. Houve algum tipo de pacto para dar fim ao retrospecto negativo?

Chegaram grandes jogadores que foram campeões em outros clubes. Nós conversamos e dissemos: “O Vasco perdia para o Flamengo. O Vasco não ganhava as decisões. A nossa história começa agora”. Se o nosso time perdesse, seria mais um, mas, se vencesse, seria diferente. Fomos buscar o diferente. Respeitamos o Flamengo, mas sempre encaramos como mais uma grande equipe, como Corinthians e São Paulo. Nada além do normal. O Flamengo não poderia nos trazer medo e não nos traz medo.

O Flamengo traz boas lembranças, mas o Mazembe, não. Aquela partida pelo Mundial de Clubes de 2010, pelo Internacional, foi a experiência mais frustrante da sua carreira?

Sim. Foi algo que o mundo todo não esperava. Mas lógico que para os jogadores dói muito mais. Sempre lembramos daquela partida, mas são coisas do futebol. Faltou sorte. No começo do jogo, toquei a bola para o Rafael Sobis e ele finalizou bem, mas o goleiro pegou ninguém sabe como. Tivemos outras chances em que a bola não entrou. Os caras deram um chute e fizeram um gol, depois fizeram outro e a nossa ansiedade falou mais alto. O desespero da decepção dentro de campo nos atrapalhou. Depois do segundo gol sofrido, era nítido que dificilmente venceríamos o jogo.

Como foi disputar o terceiro lugar do Mundial, contra o Seongnam, da Coreia do Sul, sob a insatisfação da torcida do Inter?

Já estávamos tristes por não estar na final. Mas me ensinaram que é preciso ganhar sempre. E ficaria mais feio se a gente perdesse o terceiro lugar. Então, quando entramos em campo, o pensamento era de que o pior ainda poderia acontecer. Nós tivemos que engolir aquela derrota, mas fizemos bom jogo contra time da Coreia e trouxemos o terceiro lugar, que não é tão ruim assim.

E tudo aconteceu nos Emirados Árabes, país no qual você morou durante um ano para defender o Al Wahda (em 2008).

Espero voltar um dia, nem que seja para passear. Não sei se teria tempo para voltar a jogar lá, mas, se tivesse a oportunidade, não seria problema algum. É um país extremamente qualificado e tranquilo. O futebol não é tão pressionado como aqui, mas também tem um povo apaixonado pelo esporte. Não fui muito feliz porque tive uma lesão no tendão de Aquiles e fiquei muito tempo parado. Em um ano, joguei apenas sete jogos e mesmo assim fiz cinco gols, dois num clássico. Foi o do empate e da virada contra o Al Ain, onde jogava o Valdivia. Até que fiz meus golzinhos, mas, pela estrutura do país e do tipo de contrato que tinha, esperava ficar muito mais tempo.

Ganhou muitos presentes dos sheiks?

Ganhei um carro quando cheguei, o que é normal. Mas ganhei bicho dobrado quando fiz esses dois gols no clássico. O cara me chamou no canto depois do jogo e meu deu dois envelopes. Um com o bicho normal, mais o outro.

Depois de algumas andanças pelo Brasil e pelo mundo, chegou o momento da sua estabilidade no Vasco? Seu contrato vai até o fim de 2013.

Hoje, meu pensamento é ficar aqui. Minha família e eu vivemos muito bem no Rio, e estou feliz no Vasco. Mas não há como prever. Vou olhar com carinho qualquer proposta que aparecer. De qualquer maneira, até hoje nunca consegui cumprir um contrato nos clubes em que passei. Sempre quebrei no meio, na maioria das vezes ao optar por uma situação melhor. Então, a minha esperança é ficar, cumprir meu contrato no Vasco e depois fazer outro contrato de três a quatro anos de duração. Ficar no Vasco até o fim de 2013 seria histórico (risos). Representaria muito, e é o que vou procurar fazer. Quero ser novamente campeão aqui, jogar mais uma Libertadores pelo Vasco e buscar novos títulos.

Uma curiosidade da sua vida pessoal. Você é casado com Vanessa, irmã de Deco, do Fluminense. Como foi essa conquista em meio à relação com o meia do Fluminense?

Quando eu a conheci, há oito anos, ele já jogava no Barcelona. Nos conhecemos num restaurante em Salvador, e não sabia que ela era irmã do Deco. Soube uns dois ou três dias depois. E, depois quando olhei, vi que não tinha como não ser irmã dele (risos). Naquele momento fiquei meio preocupado, porque o Deco é jogador e talvez poderia querer me queimar de alguma forma. Mas foi tranquilo, já estava tudo sob controle. No começo, por ser mais velho, ele tentou dar aquele puxão de orelha, mas é válido. Não foi nada de mais. Hoje, Deco e eu temos uma relação muito boa. Ele talvez esteja entre os meus cinco melhores amigos. Nos falamos quase que diariamente, jantamos juntos e fazemos churrasco. Fora de campo ele é meu amigo e meu cunhado.



Fonte: GloboEsporte.com