Heitor, que passou identidade para Baiano, mora no interior da Bahia

Domingo, 08/04/2012 - 17:24

Bem lá em cima do morro, no centro da pequena Camacan, interior da Bahia, na rua de terra que começa ao lado do Centro Sócio Cultural Stélio Andrade, mora a família do verdadeiro Heitor Bispo dos Santos. O menino de 16 anos nem se parece muito com Fabricio Santos de Jesus, garoto que na semana passada admitiu ter usado o nome de Heitor em documentos adulterados para forjar que era quatro anos mais novo do que de fato era, de modo a levar vantagem na concorrida disputa por um lugar ao sol nas divisões de base do Vasco.

Enquanto Fabricio recomeça a vida nos juniores de São Januário, a farsa do "gato" não mudou em nada a vida do verdadeiro Heitor. Ele mora no fim de uma viela de um conjunto habitacional paupérrimo, com pequenos casebres, alguns de madeira. Na casa de menos de 20 m² vivem pelo menos sete pessoas. Sentada no sofá, a mãe de Heitor tenta fazer o filho mais novo, recém-nascido, comer arroz com feijão.

— O Carlinhos veio aqui com a mãe dele (Fabricio), a Licia. Disse que ia mandar dinheiro para a gente. Deu só umas quatro, cinco vezes. Deu R$ 50 reais para a feira — queixa-se Nailza, de 38 anos, referindo-se a Carlinhos Papada, dono da escolinha de onde saiu o gato. — O Heitor (a mãe ainda chama Fabricio de Heitor) vai comprar uma casa de R$ 20 mil para a mãe, e a gente com água cortada — emenda ela que, com olhos vermelhos, diz não trabalhar porque está doente.

Sem mais gato

Com machucados no corpo e fazendo uma cortina velha de separação da sala para o quarto, a mãe diz que não ia deixar mais filho algum ceder a identidade para ser feito outro gato. Segundo ela, Carlinhos e a mãe de Fabricio a procuraram para pedir o registro de nascimento de Heitor, um documento sem foto. Com ele, foram tirar outros certificados para Fabricio em Ilhéus, que fica a cerca de 140km de Camacan.

— Quando vieram aqui disseram que não ia faltar nada para a gente — afirma ela, mostrando talões de contas não pagas.

Heitor conheceu Fabricio jogando bola no "Peladão", campo da escolinha de futebol da cidade. Em silêncio, ouviu a mãe relatar as dificuldades na casa. Falava apenas para completar a reclamação por alguma suposta promessa feita e não cumprida pela família de Fabricio. Com 16 anos, sem estudar e com mais pelo menos (a mãe não sabe precisar exatamente) sete irmãos vivendo em situação miserável, Heitor ainda tem esperança de receber alguma coisa pela identidade que Fabricio usou durante mais de três anos.

Apelidado de "Gordo", Heitor pediu para não ser fotografado. Mostrava-se preocupado com a repercussão do caso. A mãe, não. Justificava para quem aparecesse na sua janela e a reprimisse por falar demais que estava dizendo "a verdade". E não tinha medo.

Silêncio na família de Fabricio

Poucas ruas abaixo, numa das muitas ladeiras da cidade, moram a mãe e a irmã de Fabricio Santos de Jesus. Em entrevista ao Jogo Extra, o "gato" do Vasco lembrava que a casa do verdadeiro Heitor era ainda pior que a dele. No número 298, apenas uma janela e a porta aparecem na construção de madeira, trancada a cadeado. O pai Valdionor não mora em Camacan, desde que foi baleado nas costas e ficou paralítico.

Avisada de que a reportagem do Jogo Extra encontrou sua casa e a aguardava perto de sua residência, a mãe de Fabricio, Licia Reinaldo dos Santos, tremia para não falar nada sobre o "gato" do filho. Segundo vizinhos, Fabricio pediu para que, caso fosse procurada, não falasse com ninguém.

— Eu não sei de nada, não posso dar informação nenhuma, porque eu não sabia de nada — respondeu, trêmula e ao lado da filha, a mãe de Fabricio.

Os vizinhos não entenderam a reação de Licia. Até mesmo a filha, irmã de Fabricio, pediu para ela se acalmar e conversar um pouco, mas ela permaneceu irredutível. Uma senhora que mora ao lado lembrou do início da carreira do menino Fabricio nos campos locais.

— Ela não queria que ele fosse jogar futebol, reclamava que tinha que estudar. Mas olha aí onde chegou? Seleção brasileira (sub-15), Vasco... Muito melhor do que conseguiria se estudasse — disse a vizinha, sem se identificar e, aparentemente, sem ter informação sobre o gato de Fabricio.

O jovem Heitor, de costas, com camisa de manga comprida, em Camacan
O jovem Heitor, de costas, com camisa de manga comprida, em Camacan
A família humilde de Heitor, na Bahia. No centro, a mãe do adolescente, Nailza
A família humilde de Heitor, na Bahia. No centro, a mãe do adolescente, Nailza
A casa (azul) onde mora a família de Fabrício, no interior da Bahia
A casa (azul) onde mora a família de Fabrício, no interior da Bahia


Fonte: Extra online