Juniores: Treinador Marcus Alexandre fala sobre sua saída do Vasco
Sábado, 24/03/2018 - 10:23
Marcus Alexandre chegou ao Vasco ainda em 1993, como professor das escolinhas de campo. Era o início de uma longa e vitoriosa trajetória no clube, entre idas e vindas. No ano seguinte, foi promovido ao futsal. Dois anos mais tarde, voltou aos gramados, onde permaneceu com o infantil até 2008.

Um novo retorno se daria apenas em dezembro de 2014, na gestão Eurico Miranda. Comandando o juvenil, foi campeão carioca, encerrando um jejum de 15 anos. Logo após, em 2016, assumiu o juniores, em prepararação para a Copa São Paulo. À frente da categoria, conquistou novamente o Estadual e o melhor desempenho da história na Copinha e na Copa do Brasil.

Com inúmeros títulos na bagagem e diversos talentos lapidados, a exemplo de Coutinho, Souza e Kardec, o comandante deixou o Vasco após mais de duas décadas. O motivo alegado pela diretoria foi uma mudança de metodologia. Quase um mês após o seu desligamento, um novo desafio bateu à porta: comandar o profissional do Nova Iguaçu, que disputa a Série D do Campeonato Brasileiro.

Em exclusividade para a Expresso, abriu o jogo sobre a saída, o trabalho desenvolvido na base e o futuro profissional. O resultado você confere a seguir:

Expresso: Quando e como foi comunicado de que não faria mais parte do Vasco da Gama?

Marcus Alexandre: Foi uma reunião onde me passaram a metodologia que estariam iniciando nesse novo ciclo, que eu não me encaixaria nela e estariam me liberando e dispensando. A gente sabe que no futebol acontece isso. Quando troca o comando, você pode não se encaixar no perfil.

EX: Qual o sentimento que ficou nessa saída?

MA: Acho que a justificativa não foi muito boa, mas não me deixa chateado. O sentimento que tenho pelo Vasco hoje é de uma gratidão imensa. Cheguei com 20 anos de idade, adquiri conceitos, posturas, aprendi a trabalhar com futebol dentro do Vasco da Gama. Só gratidão pela confiança e o incentivo. Já dirigi três categorias super importantes e participei da formação de grandes atletas mundiais, como os casos do Coutinho, Kardec, Souza, mais recentemente o Douglas… Só tenho a agradecer aos torcedores que confiaram, a diretoria por ter me dado oportunidade e aos funcionários. Felicidade.

EX: A maior parte das demissões tiveram conotações políticas. Você se considera um cara político?

Me considero apolítico, fui funcionário do clube e trabalhei com três presidentes diferentes. Não me considero partidário de ninguém. Cada um tem a sua conotação, não me passaram nada de cunho político.

EX: Quando houve o anúncio do seu desligamento, muitos atletas se posicionaram nas redes sociais, com mensagens de apoio. De que forma recebeu esses comentários?

MA: Esse é o maior reconhecimento: jogadores que teoricamente não tem mais convívio no dia a dia do Vasco e que não tinham necessidade de se expor, mas sabem da importância do trabalho da base e passaram por esse processo. Metodologia melhor que essa não existe, dos atletas estarem botando a cara aí e mandando mensagens de apoio.

EX: Como se deu esse convite do Nova Iguaçu e o que o motivou a embarcar no desafio?

MA: O treinador vive de projetos e o Nova Iguaçu me apresentou um projeto muito consistente, inovador, onde tem a intenção de se tornar uma das grandes forças do futebol carioca. Com isso, tem a aspiração de subir de série no Brasileiro. Já estive por duas oportunidades, uma até como auxiliar em 2009. Tenho certeza que tem tudo pra dar certo, fico muito feliz de estar encabeçando esse projeto audacioso.

EX: De toda a trajetória, qual o saldo que faz do trabalho na base?

MA: Em 2008, junto com o presidente e o Álvaro, a gente fez um projeto que preparou uma geração para de dois em dois anos termos um jogador diferenciado. Tivemos o Alex Teixeira, o Philippe Coutinho, depois era o Guilherme, o Índio, o Evander e o Mateus Vital. Foi bem sucedido. O Teixeira se tornou um jogador referência na posição dele, o Coutinho a gente não precisa nem falar, o Guilherme jogou em todas as seleções brasileiras, o Índio teve um processo conturbado de sair e voltar, e o Evander e o Vital se tornaram jogadores com a nossa volta. Tínhamos um trabalho a longo prazo que estava se reestruturando. Toda a identidade dos atletas tinha se perdido com essa transferência do CT para Itaguaí, foi a coisa que a gente mais sentiu. Os atletas jogavam na base e não tinham identidade, não viviam o dia a dia do Vasco. Acho que foi fundamental a volta para São Januário. Por mais que não tivesse um CT, a vivência trouxe uma geração identificada, como a de 98. A gente conseguiu retomar essa raíz e esses meninos encorparam.

EX: Como era a sua relação com o Álvaro Miranda, ex-diretor das categorias de base:

MA: O Álvaro era um grande gestor, presente e atuante. Não deixava de ver os jogos do juniores ao sub-7. Nunca interferiu no trabalho, dando ao treinador autonomia total para as decisões necessárias. Sabia das necessidades, carências do dia a dia e tentava intervir de maneira direta, sem rodeios, quando o atleta tinha algum problema.

EX: Apesar do potencial em fabricar talentos, muitos destes também deixam o clube cedo. Como enxerga essa realidade?

MA: O Coutinho estava muito próximo do processo. O presidente na época era o Eurico, que até denunciou o Real Madrid para a FIFA. Se não fosse o caráter da família, tinha saído sem ver um real. Foram na casa dos pais dele, ofereceram um salário astronômico para sair de graça. A Inter acenou querendo ajudar com uma proposta. Era a maior? Não. O Coutinho nem tinha condição de assinar o primeiro contrato e a Inter ofereceu um valor que achava que era uma recompensa. Ele só assinou esse contrato porque a Inter ofereceu isso. E a questão do Vital vai muito da situação financeira do clube, que necessita fazer isso. É complicado.

EX: De tudo o que viveu no Vasco, se pudesse definir um momento em especial, qual seria?

MA: Por mais que tenha sido dolorosa, a Copa do Brasil. Lotar São Januário, num jogo de juniores, levando quase 20 mil pessoas… Isso aí acho que vai ser difícil sair da cabeça. Quando entrei no estádio, me arrepiei, a torcida apoiando… É uma imagem que vai ficar para o resto da vida.

EX: Em 2017, você tinha em mãos um elenco rodado, com peças em evidência. Nessa temporada, um grupo novo, muitos em seu primeiro ano. Como foi trabalhar esse contraste?

MA: O grupo do ano passado tinha muitas partidas jogadas. Esse a base é formada por jogadores 99, primeiro ano, e os que eram do Amilton, integrados de dezembro pra cá. Tenho certeza que vinham mostrando uma grande evolução. Chegamos na melhor colocação depois de 15 anos na Copinha, de um Carioca eliminado pelo Botafogo na casa deles, por 1 a 1, a gente abrindo o placar. Era um time que ainda faltava um pouquinho mais de experiência, mas esse mesmo time vai na Gávea e ganha do Flamengo. Estavam ganhando experiência de jogo, começando a atingir essa maturidade, espero que continuem nesse processo de evolução.

EX: Em contato com os atletas, muitos o definem como um cara "paizão", sempre presente. Conta um pouco sobre esse dia a dia, o Marcus Alexandre nos bastidores.

MA: Jogador de futebol atinge um estrelato muito novo e o reconhecimento dele também é muito novo. Muitas vezes não são preparados fisicamente, taticamente, para estar suportando esse estrelado. Precisamos estar muito próximos, acho que isso fez a diferença. Não me isolava, estava próximo, tirando dúvidas, apoiando. O jogador via sinceridade em tudo que a gente falava, pregava e mostrava. Não era nada solto, sabiam o que estavam fazendo, o porquê estavam fazendo, a necessidade. Era um envolvimento muito grande.

EX: O que deu pra tirar desse período em contato com o Zé Ricardo?

AM: O Zé pegou um momento muito difícil de pré-Libertadores. Esse início de ano foi muito conturbado, então ele deu um apoio muito grande no período de preparação da Copa São Paulo. Estava de férias, mas deu total apoio. Tivemos alguns treinamentos muito próximos, acompanhei a preparação para o jogo da altitude, que me interessava muito e ele abriu espaço para que isso acontecesse. Uma relação muito boa, apoiou em todo o momento o sub-20.

EX: Quando o Milton Mendes deixou o comando do Vasco no ano passado, você e o Valdir Bigode estiveram entre os nomes pedidos pela torcida. É um sonho um dia assumir o profissional?

MA: Isso mostrou a confiança da torcida no trabalho que vinha sendo realizado. A gente fica muito feliz com o reconhecimento, da mesma forma agora nas redes sociais. Muita gente me abraçando nesse momento. É um até breve. Tenho certeza que ainda vou dirigir o profissional do Vasco. Não sei quando, mas quando voltar será com um pouco mais de experiência. As coisas vão acontecer. Vou dirigir alguns clubes, o trabalho vai ser reconhecido novamente e vou vou voltar a São Januário para escutar essa torcida gritando o meu nome.

EX: A profissão de treinador é vista, muitas vezes, como desleal, diante do imediatismo dos resultados. Essa é uma leitura que você faz?

MA: Isso vem mudando, vemos treinadores com um longo período no comando, como é o caso do Mano Menezes, do Renato Gaúcho, o Jair no Botafogo, o Zé no Vasco. Acho que esse cenário vem mudando até com a mudança de preparação dos treinadores para estar assumindo essa posição.

EX: Dessa nova safra de técnicos que surgem, algum nome em específico te inspira?

MA: Tentamos pegar um pouco de cada um, não existe o modelo do treinador ideal. Jair tem muita coisa boa, gosto do Roger Machado, um cara que vejo um futebol parecido, com intensidade, com habilidade, jogadores sabendo a função que tem que exercer dentro de campo. Não existe um modelo único de jogo, que é o que acredito. Você engessar uma equipe, fazer ela jogar apenas de uma forma… Então são profissionais dessa nova geração que me inspiro muito.

EX: Por fim, qual recado deixa à imensa torcida vascaína?

MA: A torcida vascaína pode esperar que o Marcus Alexandre está se preparando muito para quando retornar ser treinador do profissional do Vasco. Vou fazer de tudo, me esforçar de todas as maneiras, para um dia estar vestindo esse manto sagrado. Agradeço toda a disponibilidade da Expresso 1898 durante todo esse período, foi um laço de amizade verdadeiro conquistado.



Fonte: Expresso 1898