Há 20 anos, com participação do vascaíno Ricardo Rocha, Brasil conquistava o tetra na Copa do Mundo dos EUA

Quinta-feira, 17/07/2014 - 18:41
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Romário entrou para a galeria dos gênios. Ao lado do Baixinho, Bebeto brilhou. Dunga virou símbolo de raça. Taffarel salvou a pátria. Branco eternizou uma cobrança de falta. Jorginho, um cruzamento. Ricardo Rocha pouco jogou.

Mas é o pernambucano quem primeiro ergue e beija a taça no desembarque dos tetracampeões em solo brasileiro. E é no Recife, terra do ex-zagueiro, onde a aeronave que conduzia a seleção fez o primeiro pouso. A relação entre a capital pernambucana, o xerife e a geração do tetra é um capítulo à parte no enredo da conquista que completa 20 anos nesta quinta-feira.

Duas décadas depois, o reconhecimento à importância de Ricardo Rocha naquela campanha segue intacto. É como se ele jamais tivesse sofrido a lesão, ainda na estreia, que o tirou das outras seis partidas. No momento mais delicado da carreira, o zagueiro assimilou a frustração. E como um autêntico líder, contribuiu, mesmo fora de campo, para que em 17 de julho de 1994 aquela geração saísse consagrada do estádio Rose Bowl, em Los Angeles, após a angústia dos pênaltis contra a Itália.

O BAQUE

Então titular, Ricardo sofreu um estiramento na virilha pouco antes dos 30 minutos do segundo tempo do jogo contra a Rússia. Com o semblante abatido, deixou o campo amparado. A experiência, aos 30 anos, foi suficiente para prever o resultado do exame no dia seguinte. Apesar de não ser uma lesão grave, o tempo de recuperação não era compatível com a urgência de um Mundial.

- Além de ser campeão, eu pensava em ser o melhor zagueiro da Copa. Porque me preparei para isso. Eu sabia que era a minha última Copa. E fiquei muito mal do dia da lesão até o outro dia.

O xará Ricardo Gomes, companheiro de zaga em quase todo o período de preparação, havia sido cortado por lesão após um dos últimos amistosos, contra El Salvador, já nos Estados Unidos.

- Éramos eu e Márcio Santos no quarto. Ele não viu, mas quando chegamos ao hotel, fui tomar banho e fiquei um bom tempo sozinho debaixo do chuveiro. Chorei muito naquele dia. Pensei: "Caramba, me preparei tanto…" Passa um filme na cabeça. A derrota em 90, aquela festa no Recife...

CALEJADO

Ricardo faz parte de uma geração que aprendeu a vencer na dor. Foi um dos remanescentes do fracasso na Copa da Itália, quatro anos antes.O time comandado por Sebastião Lazaroni, para muitos, encabeça a lista das piores seleções do Brasil nas Copas. Do grupo tetracampeão, Taffarel, Jorginho, Ricardo Rocha, Dunga, Branco e Müller foram titulares na derrota para a Argentina. Ricardo Rocha foi o último dos quatro marcadores que tentou parar Maradona no lance genial do gol de Caniggia. Mazinho, Bebeto e Romário viram tudo do banco.

- Ficamos muito marcados. Levou um tempo para voltarmos a vestir a camisa da Seleção. O retorno aconteceu aos pouquinhos. Eu, Branco e Mazinho fomos os primeiros a voltar. Falcão nos convocou para a Copa América de 1991. Depois a gente foi trazendo os outros - recorda.

Não bastasse o fardo de 1990 sobre aqueles jogadores, nas Eliminatórias, em 1993, a derrota para a Bolívia, em La Paz, elevou o nível das cobranças a um patamar quase insuportável. Era o segundo jogo da campanha - após o empate sem gols com o Equador, em Quito - e o primeiro revés da seleção em 40 anos nas Eliminatórias.

A mídia alarmou a chance de o Brasil ficar fora de um Mundial pela primeira vez. A torcida comprou a ideia e massacrou. A seleção e sobretudo o técnico Carlos Alberto Parreira eram cada vez mais contestados. Foi preciso dar as mãos para reverter o cenário. Literalmente. No jogo de volta contra os bolivianos, no Recife, Ricardo Rocha sugeriu que o time entrasse em campo de maneira diferente. As mãos dadas virariam o maior símbolo daquele grupo e seria repetido até a final da Copa. Convocado, o povo do Recife abraçou o conterrâneo e toda a seleção. A goleada por 6 a 0 virou um marco. Resgatou a autoestima da equipe, que carimbou o passaporte para o Mundial dos Estados Unidos com uma exibição de gala de Romário no Maracanã, contra o Uruguai. Todos aqueles momentos fervilhavam na cabeça do xerife embaixo do chuveiro.

A BOA NOTÍCIA

No dia seguinte à lesão, logo após tomar conhecimento do resultado do exame de imagem - já esperado -, Ricardo Rocha recebeu a visita de Parreira, Zagallo, então coordenador técnico, e do médico Lídio Toledo. A notícia desta vez era boa. Ele não seria cortado. Os três ressaltaram a importância de sua permanência para os demais jogadores no decorrer da Copa. Pouco depois, foi a vez dos companheiros se dirigirem ao quarto do xerife para dar uma força. De um dia para o outro, o sentimento mudou completamente.

- Pensei: "Eu não posso deixar essa turma triste. Não dá." Eles me aceitaram. Porque poderia haver um corte. Não posso decepcionar esse grupo, principalmente como ser humano. Se eles já tinham confiança em mim, agora vão ter mais. Decidi que iria amanhecer diferente no dia seguinte. Eles sabiam que eu tinha ido para a Copa jogar, buscar o título com eles, querendo ser o melhor zagueiro, mas aquele cara, naquele dia, iria despertar muito mais feliz e agradecido.

Na prática, Ricardo passou a ser mais um integrante da comissão técnica que propriamente jogador. Ao lado do comedido Parreira, era ele quem elevava o tom de voz no vestiário e à beira do campo.

-Eu puxava a reza, ajudava na preleção, cobrava, alertava, pegava muito no pé dos zagueiros, mas também descontraía o ambiente. As brincadeiras se intensificaram justamente em um momento psicológico ruim, que foi a lesão. Foi uma forma de dar a volta por cima. Às vezes eu olhava, eles não viam, mas eu ficava de longe observando, notando que estava mais tenso, aí eu ia lá brincava... Eu tinha um controle ali. Eles não sabiam mas eu tinha dentro de mim o controle de cada jogador.

COGITOU-SE JOGAR A FINAL

Ainda assim, mesmo praticamente fora de combate, o xerife teve a escalação cogitada em duas ocasiões. Chegou a participar de um coletivo às vésperas do jogo contra os Estados Unidos, pelas oitavas de final, mas voltou a sentir durante o treino. Depois, a três dias da grande final, Parreira foi ao seu encontro.

- Aldair sentiu um probleminha. O professor veio falar comigo para saber das minhas possibilidades de jogar a final. Só fiz um pedido: que me avisasse com certa antecedência. Precisava me preparar psicologicamente. Sabia que não seria fácil entrar naquele jogo sem estar 100%, mas me coloquei à disposição.

Ricardo então procurou Aldair. O titular, que o substituiu desde a estreia, garantiu que o desconforto não seria suficiente para tirá-lo da final. Obviamente, o xerife não insistiu. Além do receio natural pela falta de ritmo de jogo, prevaleceu o respeito ao companheiro. Rocha porém ajudou até o fim. À sua maneira.

- É tudo aquilo que todo mundo já sabe. Muita alegria, piada, brincadeira, seriedade. Eu sabia até onde podia ir a brincadeira e a seriedade. Antes dos jogos, não deixava transparecer aquela coisa. Será que vai dar pra ganhar? Não deixava. O discurso era um só: nós vamos ganhar. Nós vamos passar. Nós vamos ser campeões. Aí botava uma música, brincava, chamava um, chamava outro. O vestiário me ensinou muito ao longo da vida.



Fonte: GloboEsporte.com (texto), Reprodução Internet (foto)