Advogado da Cruzada Vascaína analisa acontecimentos de Atlético-PR x Vasco

Terça-feira, 10/12/2013 - 09:54
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Direito algum pode ser sinônimo de vergonha.

Prezado amigo vascaíno, ontem foi um momento muito triste para o futebol brasileiro e todos aqueles que realmente gostam de futebol. Primeiro vimos cenas lamentáveis de barbárie e selvageria promovidas pelos mesmos rostos de sempre, depois nos deparamos com um presidente omisso e covarde, que em nada condiz com os grandes nomes que já dirigiram nossa instituição, por fim, assistimos a queda de um gigante, de um dos poucos clubes de impacto realmente nacional em nosso país.

Tenho certeza que você já leu muitas pessoas falando sobre o ocorrido, mas não custa nada ler de alguém que é vascaíno e que está junto a um grupo político de vascaínos (e não de políticos).

Do confronto entre torcidas

A violência dentro dos estádios renasce a passos largos no Brasil, se voltarmos à década de 90, não eram incomuns as brigas entre torcidas em eventos esportivos, fatos que aos poucos conseguimos diminuir e há alguns anos não víamos ocorrer de forma tão acintosa como no domingo.

Em 2012 escrevi um capítulo sobre a temática da violência no âmbito do futebol, em livro publicado pela equipe de Direito Desportivo da UFRJ, no qual opinei:

“vale ressaltar que a marginalização das torcidas organizadas que vem sendo constantemente reiterada pelo poder legislativo é um equívoco, uma vez que elas nada mais são que a representação da sociedade. E, como na sociedade, se não houver a preparação de nossa polícia e uma punição aos indivíduos mal intencionados, não se poderá atingir a paz pretendida.”[1]

Chamo atenção ainda para o fato da partida ter ocorrido em Joinville justamente porque o Atlético/PR cumpria pena de perda de mando de jogo aplicada pelo STJD por confusão ocorrida entre marginais de duas gangues infiltradas em torcidas diferentes do próprio clube. Resumindo, continua-se querendo punir a torcida e principalmente o cidadão de bem, com penas ineficazes contra bandidos, como é o caso da perda do mando de jogo e dos portões fechados, que infelizmente deve voltar em 2014.

Enquanto isso, os mesmos que brigaram em Curitiba também provocaram lamentáveis cenas em Joinville, livres de qualquer punição pela inépcia e incompetência do poder público.

Poder público que alegou, através do policial responsável no local, que por se tratar de um evento privado, a segurança deveria ser privada.

Ora, pessoalmente não discordo desta afirmativa, realmente não há porque se utilizar efetivo policial, custeado com dinheiro público, para um evento privado, que não é do interesse de todos os contribuintes. Contudo, alguns pontos devem ser observados antes de tomarmos partido.

É cultura nacional que a segurança de eventos desportivos é realizada pela Policia Militar. Embora a PM tenha sido a causadora ou a catalisadora de diversos conflitos em estádios no ano de 2013, por seu despreparo em tratar o cidadão de bem, não o diferenciando do marginal, é inequívoco que simplesmente retirá-la do estádio sem um período de adaptação, uma prevenção bem feita e uma equipe de segurança capacitada é algo de extrema temeridade.

Ademais, com todo o respeito ao comandante, a opinião, tanto dele, quanto a minha, não podem estar acima da obrigação legal. Enquanto policial e servidor público, ele deveria se preocupar acima de tudo com a segurança dos torcedores e com o cumprimento da legislação vigente, da qual separo alguns artigos do Estatuto do Torcedor:

“Art. 1o-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.”

“Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas.”

“Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;”

Assim, por mais que eu concorde com o pensamento do comandante, jamais, com a atual legislação em vigência, poderia ter havido esta partida sem a presença de policiais dentro do estádio, conforme Art. 14, I. Ainda mais em um jogo de alto risco como este, nem que o policiamento se posicionasse unicamente entre as duas torcidas. Ressaltando que não existia nenhuma separação física entre os adversários.

Como as consequências desta omissão não dizem respeito ao Vasco, não entrarei a fundo no mérito, mas o mesmo DEVE, em respeito aos seus torcedores, as famílias de vascaínos que estavam no estádio, acompanhar de perto o desenrolar das investigações, cobrando a punição aos responsáveis, tanto autoridades públicas, quanto o clube mandante. Embora seja difícil esperar isto de uma diretoria que a todo tempo desrespeita o torcedor e principalmente o sócio vascaíno.

A título de curiosidade, as possíveis punições ao CAP e seus dirigentes estão contidas no Art. 37 do Estatuto do Torcedor. As punições aos marginais estão dispostas no 41-B do mesmo diploma legal, assim como no Código Penal.

Da suspensão da partida

Incrível a inversão de valores que vivemos no Brasil. Depois de pensar em como começar esta parte do texto, esta me pareceu a melhor frase. Inacreditável como depois de promover uma partida sem policiamento, permitindo que marginais colocassem em risco a vida de famílias vascaínas ainda tenho que ler o presidente do CAP, Sr. Mário Celso Petraglia, jogando a culpa no Vasco, falando de um dirigente que nem mais está no clube (GRAÇAS A DEUS!!), talvez com medo de que ele faça algo.

Caro presidente atleticano, para sua sorte o nosso mandatário atual não fez o que deveria ser feito, mas não seria apenas o Eurico que agiria não! O Eurico agiria, o LEONARDO GONÇALVES COM CERTEZA agiria, qualquer presidente preparado agiria! Não adianta jogar a culpa sobre os vascaínos, o senhor só ficará sem resposta oficial graças a covardia e omissão que tomaram conta da presidência do clube de São Januário.

Assim como a culpa não foi do C.R. Vasco da Gama, se o clube se beneficiasse deste incidente não seria nenhum crime, não seria nenhum absurdo, pois acima de qualquer interesse do futebol está a segurança das pessoas e jamais a partida de domingo poderia ter continuado.

EXIGIR SEGURANÇA E CUMPRIMENTO DE REGULAMENTO NÃO É ERRADO!

Diante das cenas de barbárie, só restava ao árbitro interromper a partida, o que poderia ser feito com base no Art. 19 do Regulamento Geral das Competições da CBF para o ano de 2013:

“Art. 19 – Uma partida só poderá ser adiada, interrompida ou suspensa quando ocorrerem os seguintes motivos:

1) Falta de garantia;

2) Mau estado do campo, que torne a partida impraticável ou perigosa;

3) Falta de iluminação adequada;

4) Conflitos ou distúrbios graves, no campo ou no estádio;

5) Procedimentos contrários à disciplina por parte dos componentes dos clubes ou de suas torcidas.

6) Ocorrência extraordinária que represente uma situação de comoção incompatível com a realização ou continuidade da partida.

Parágrafo único – Nos casos previstos no caput deste artigo, a partida interrompida poderá ser suspensa se não cessarem, após 30 minutos, os motivos que deram causa à interrupção.

I – O prazo acima referido poderá ser acrescido de mais 30 minutos se o árbitro entender que o motivo que deu origem à paralisação da partida poderá ser sanado.

II – O árbitro poderá, a seu critério, suspender a partida mesmo que o chefe do policiamento ofereça garantias, nas situações previstas nos itens 1, 4 e 5 do artigo 19 do presente RGC.”

Tentando traduzir em simples palavras, interrupção é a paralisação que uma partida sofre em seu decurso, até que a causa da interrupção seja sanada. Adiamento é a remarcação da partida para data posterior; e suspensão da partida é quando a mesma não pode mais ocorrer, ainda que naquela situação específica.

Parece-me óbvio que o distúrbio que ocorria era grave, tendo o árbitro motivos de sobra para não apenas interromper, como também suspender a partida. Até porque o plano de segurança foi elaborado sem a presença da Polícia Militar, como você muda um plano de segurança às pressas no meio de um evento?

Além de todos os motivos, há ainda o fato de a interrupção ter perdurado por mais tempo que o regulamentar, que era de 30 minutos prorrogáveis por mais 30. Ultrapassado este tempo para reinicio da partida, deveria o Vasco ter comunicado ao árbitro que se retiraria com base no disposto no regulamento.

E o que acarretaria uma suspensão da partida? Um belíssimo e tenso debate na tribuna do STJD, onde o Vasco teria que se valer de sua força jurídica para mostrar a culpa do CAP quanto ao ocorido.

“Art. 20 – Quando a partida for suspensa por quaisquer dos motivos previstos no artigo 19 do presente RGC, assim se procederá após julgamento do processo correspondente pelo STJD:

I. Se um clube houver dado causa à suspensão e era vencedor da partida será ele declarado perdedor pelo escore de três a zero.

II. Se um clube houver dado causa à suspensão e era perdedor, o adversário será declarado vencedor pelo placar de três a zero ou pelo placar do momento da suspensão, prevalecendo o correspondente à maior diferença de gols.

III. Se a partida estiver empatada, o clube que houver dado causa à suspensão será declarado perdedor, pelo escore de três a zero.

IV. Em quaisquer situações I, II ou III anteriores, se o clube que não tiver dado causa à paralisação estiver dependendo de saldo de gols para objetivos de classificação à fases ou competições seguintes, tal clube será considerado vencedor pelo placar necessário à sua classificação.”

Supondo que o CAP fosse considerado culpado pela suspensão, o que me parece amplamente possível em razão do Art. 14 do Estatuto do Torcedor, não é claro que o Vasco seria declarado vencedor por 3×0, em razão da omissão do regulamento, contudo, parece-me o lógico. Isto deveria ser decidido perante o STJD.

Além disto, o clube mandante deveria ser denunciado pela procuradoria do referido tribunal nos seguintes artigos do CBJD:

“Art. 205. Impedir o prosseguimento de partida, prova ou equivalente que estiver disputando, por insuficiência numérica intencional de seus atletas ou por qualquer outra forma.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e perda dos pontos em disputa a favor do adversário, na forma do regulamento.

§ 1º A entidade de prática desportiva fica sujeita às penas deste artigo se a suspensão da partida tiver sido comprovadamente causada ou provocada por sua torcida.

§ 2º Se da infração resultar benefício ou prejuízo desportivo a terceiro, o órgão judicante poderá aplicar a pena de exclusão do campeonato, torneio ou equivalente em disputa.

(…)

§ 5º Para os fins deste artigo, presume-se a intenção de impedir o prosseguimento quando o resultado da suspensão da partida, prova ou equivalente for mais favorável ao infrator do que ao adversário.”

O mais complicado para aplicação deste artigo seria a comprovação de que a suspensão beneficiaria o infrator. Neste caso, teríamos que esperar as discussões no tribunal, mas se confirmado, não há duvidas que a suspensão prejudicaria terceiros, no caso o Criciúma, o que geraria uma possível exclusão do Atlético-PR. Tal exclusão, contudo, muito dificilmente geraria algum beneficio direto ao Vasco.

“Art. 211. Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infra-estrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para sua realização.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e interdição do local, quando for o caso, até a satisfação das exigências que constem da decisão.

Parágrafo único. Incide nas mesmas penas a entidade mandante que não assegurar, à delegação visitante, livre acesso ao local da competição e aos vestiários.

Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:

I – desordens em sua praça de desporto;

II – invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo;

III – lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

§1º Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.”

Frise-se que a eventual punição ao Atlético-PR pelos artigos acima do CBJD em nada beneficiariam o Vasco e no caso do art. 213, este também poderia ser aplicado ao Vasco, em razão da participação de torcedores vascaínos na briga.

Por informações da mídia, há a especulação de que o Vasco vá ao tribunal requerer a anulação da partida, devemos lembrar que anular um resultado legitimo conseguido em campo é algo extremamente complicado e a possibilidade é mínima de sucesso, uma vez que a partida se reiniciou e os fatos ocorridos anteriormente em nada mais influenciaram seu resultado final, embora tenha ficado evidente que o estado emocional dos atletas ficou abalado.

Caso a notícia se confirme, espero que o Vasco deixe pra trás aquela covardia e omissão e vá ao tribunal com a coragem de quem é Vasco, sabe-se lá que argumento usarão agora que perderam o tempo de ação, mas que não envergonhem ainda mais a torcida vascaína!

Não esperava que os dirigentes do Vasco conhecessem o Regulamento integralmente de cabeça, mas 1 hora de paralisação é tempo suficiente para que eles procurassem se informar.

Em conversa com alguns amigos, utilizei o seguinte exemplo: “imagine que uma linda moça, estilo Panicat, venha nua, se ajoelhe na sua frente e diga: peça o que quiser que eu faço. O Vasco pediu que ela se vestisse e fosse pra casa.”

Ano que vem espero que essa covardia e omissão se afastem de São Januário, não pelas mãos de quem lá já esteve e nada fez de útil.

[1] FACHADA, Rafael T. Ultras, Barras-Bravas, torcidas organizadas: cúmplices ou vítimas da violência urbana? In: VARGAS, A. Direito Desportivo – Dimensões Contemporâneas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. P. 167-184

Fonte: Cruzada Vascaína