Baiano, sobre falsificação: 'Sei que nada vai aliviar meu erro'

Terça-feira, 03/04/2012 - 11:07

Há pouco mais de uma semana, o garoto Fabricio Santos de Jesus admitiu a farsa que era sua vida. Não era Heitor, não tinha 16 anos e nem era órfão de pai, como constava nos antigos documentos. Pelo contrário, um dos motivos pelos quais virou "gato" de quase quatro anos era o seu Claudionor. Pouco antes de sair de Camacan (BA), ele foi baleado nas costas e ficou paralítico. Ao conversar com o Jogo Extra, Fabricio mostrou fotos da casa em que vivia, do pai, da mãe e até da namorada, que o conhecia pelo nome falso.

Como você fez o ‘gato’?

Morei na roça até meus 13, 14 anos. Não gostava de jogar bola. Em 2007, comecei a jogar na escolinha do Carlinhos. Comecei a me destacar. Mas para sair, para jogar fora, eu era muito magro. Falei com o Carlinhos que queria fazer (o "gato"). Insisti, ele disse que não queria, que ia dar problema. Minha mãe é evangélica, também não queria. Então saí da escolinha do Carlinhos. Ficava na rua o tempo todo com um amigo, que já tinha feito. E fui fazer, sozinho.

Por que fez isso?

Eu disse para minha mãe: "Sei que é ruim para a senhora, que é ruim para mim, mas nós passamos por muitas dificuldades". Ela não sabia que eu tinha feito. Queria muito ajudar minha mãe, meu pai.

Como você se sentiu esse tempo todo com outro nome?

Há muito tempo que queria falar. Antes da seleção (ele foi campeão sul-americano sub-15 em dezembro). Eu me sentia preso a alguma coisa dentro de mim. Pensava nisso todo dia quando acordava, mas dizia: "Tenho que ir treinar, jogar". Ia para a igreja pedir perdão a Deus, saía de lá e estava pecando de novo. Isso toda hora vinha no meu coração.

Como você contou?

Liguei para o Dudu (empresário), disse que queria contar uma coisa importante. Quando contei, queria ir embora, porque não achava justo. Pedi desculpas a ele, ao Vasco, aos meus colegas. Enganei todo mundo. Sei que nada vai aliviar meu erro.

A sua mãe nunca soube?

Eu saí da nossa cidade um pouco escondido, com um cara para quem eu trabalhava vendendo sacolé, pastel, levando carrinho de mão. Ganhava R$ 10 por dia, dava R$ 5 para minha mãe. Ninguém sabia. Depois, quando contei que tinha feito (o "gato"), ela me pediu para voltar. Mas se eu voltasse ia ser vendedor de drogas ou usuário. E ela pensou nisso também. Mas ela só vivia chorando, e eu também, aqui. Quando ela me ligava de lá, eu ficava logo assustado. Pensava que tinha acontecido alguma coisa. Não conseguia viver. Tudo que fazia dava em alguma coisa errada.

E quando você contou para ela que assumiu a mentira?

Nossa, ela ficou muito feliz. Saiu na rua para contar para todo mundo. Antes, eu não podia sair na rua com ela, que todo mundo falava, ameaçava. Diziam: "Está cheio de dinheiro, mas está errado".

Você conheceu o verdadeiro Heitor Bispo dos Santos?

Conheci. Era um menino de rua, igual a muitos que têm lá. Eu fui pedir a ele, que disse para pedir permissão à mãe dele. A casa dele era pior que a minha (Fabricio mostra fotos de casa no celular).

Como era jogar com garotos bem mais novos?

Era muita diferença. Sempre trabalhei forte, mas não queria passar por cima de ninguém. Não podia mostrar toda minha força, porque senão iam desconfiar mais ainda.

Nesse tempo ninguém tentou tirar-lhe essa confissão?

Pediam para eu falar a verdade, mas sabia que, se eu voltasse para casa, ia passar mais dificuldade. Chorava todos os dias. Se eu estava num lugar e falassem alguma mentira, trazia isso para mim. Se visse TV, ouvia falar em injustiça, isso vinha para mim.

Como era fazer aniversário pelo Heitor?

Ficava muito triste. Vinham me dar parabéns e era muito estranho. A primeira vez que fui assinar meu nome verdadeiro, só não chorei porque tinha muita gente. É um sonho para mim. Parece que cheguei ao Vasco agora.

Você já está nos juniores?

Há dois meses. Mesmo antes (de assumir o "gato"). Gostaram de mim. Queriam que jogasse nos juniores, mas isso me incomodava. Diziam que era melhor que muito 92 (verdadeiro ano de nascimento). Quero esquecer isso.

Segundo depoimento, técnico na Bahia foi o mentor

Ao Jogo Extra, Fabricio não quis culpar Carlinhos Camacan, dono da escolinha de futebol "Novos Talentos", nem entrar em muitos detalhes de como foi o processo de falsificação de uma série de documentos. Dizia não se lembrar de muitas coisas e que gostaria de esquecer. Para o empresário Bismarck, ele também disse que fez sozinho a fraude. Porém, no registro de ocorrência que foi fazer no sábado, na 17 DP, Baiano deu uma versão diferente.

"Aceitou a sugestão de Carlinhos utilizando a certidão de nascimento de Heitor para retirar declaração de estudo e providenciar carteira de identidade, sem que seus empresários tivessem conhecimento da farsa, para que fosse relacionado em uma categoria abaixo da sua, que tal procedimento visa melhorar desempenho do atleta em disputa contra atletas mais novos", dizia o trecho do depoimento.

Segundo o relato, Carlinhos foi à Polícia Federal com procuração da família de Baiano para tirar passaporte. A delegada Monique Vidal disse que vai abrir investigação do caso pelos crimes de falsidade ideológica e estelionato.

Fonte: Extra online