Basquete: Nezinho lembra episódio de racismo de início da carreira

Sexta-feira, 10/03/2017 - 18:56
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Os amigos iam para a quadra em Araraquara, interior de São Paulo, jogar futebol. Aos 13 anos, Nezinho preferia o basquete. Sozinho, arremessava exaustivamente de longe, da linha dos três pontos, e acertava quase todas. A mãe achava o esforço em vão, ela não entendia o motivo pelo qual o filho ficava sozinho praticando. Ele não. E tinha razão. Aos 36 anos, o "Nezo" não apenas vive da bola laranja. Ele respira basquete. Passou pela seleção brasileira, enfrentou astros como Kobe Bryant, LeBron James e Stephen Curry, e hoje é um dos comandantes do Vasco no Novo Basquete Brasil. Antes de mais um clássico diante do Flamengo, seu mais tradicional e motivador rival, o armador confessou que duelos contra o Rubro-Negro o motivam mais, lembrou de todo o esforço feito para conquistar seus objetivos, mostrou a faceta de um homem completamente obstinado por vitórias, e revelou que, aos 19 anos, em um jogo pelo Campeonato Brasileiro, foi alvo de insultos racistas que o atingiram em cheio e quase o fizeram parar de jogar precocemente.

- Um atleta da equipe de Bauru me direcionou palavras ofensivas. Que eu era macaco, que esse esporte não era para mim, que eu não deveria estar ali. E com 19 anos você não entende, não sabe como reagir. Chora, não tem muito amparo. Naquele momento eu queria parar de jogar basquete. Hoje eu já sei como reagir. Como preciso ter atitude. Isso deve ser banido da sociedade. Muita coisa precisa ser feita. Foi triste na época, hoje não deixaria passar batido. Iria até o fim, denunciaria, na polícia, em todas as vias legais para o problema ser solucionado. Eram coisas que aconteciam no esporte. No basquete, não identifico mais isso - garante Nezinho.

Experiente, Nezinho é um dos trunfos do Vasco para vencer mais um clássico diante do Flamengo, neste sábado, às 14h (de Brasília), pelo Novo Basquete Brasil. O duelo acontece em Manaus, na Arena Amadeu Teixeira. Desde o início da temporada no Cruz-maltino, o armador conheceu a história do Vasco e da inserção de atletas negros no esporte ao ser convidado para um evento em São Januário. O fato do time ter sido o primeiro a aceitar negros, em 1923, deixa o jogador ainda mais orgulhoso.

- No começo da carreira, qualquer pessoa negra ainda sente esse racismo. E saber que o Vasco é uma equipe tão grande e se preocupava com isso em 1923, é uma satisfação muito grande. Tive a oportunidade de falar nesse evento, tinha o Thales, do futebol, e outros. Aprendi muito com pessoas que sabem se posicionar, me deram toques, e se hoje eu tivesse o conhecimento que tive, e a experiência, teria tido outra atitude nessas situações que passei. E teria me ajudado muito. Falei para o Eurico Miranda que me orgulha vestir a camisa do Vasco também por isso.

Rivalidade com o Flamengo

Eu acho que foi acontecendo naturalmente. Desde a época do Ribeirão Preto. Saímos nos playoffs duas vezes contra o Flamengo. O Oscar jogava lá ainda, o Dedé, nosso técnico, jogava no Flamengo. Eu era muito jovem, não tinha tanta rivalidade. Mas com o passar do tempo, jogando em Brasília, caímos contra o Flamengo. Mas o ponto crucial foi a final do Sul-Americano, no Rio de Janeiro. Vencemos e essa rivalidade aumentou demais. Não foi nada procurado, foi consequência. O Flamengo continuou forte todo esse tempo. Eu fui mudando de time, mas sempre encontrando o Flamengo. Foram times diferentes e os mesmos personagens. Isso marca os torcedores, que quando nos viam, lembravam que tiramos o título deles. Os jogos que têm essa rivalidade, todo mundo quer jogar, tem essa dimensão maior, são jogos grandes, que você quando sai a tabela marca o dia, quer saber onde vai ser, se vai ter torcida. O jogador fica mais motivado, contente. Diria que está tudo montado para você jogar, fazer o que você mais gosta, o melhor. Eu gosto bastante.

Sonho realizado apenas em partes

Penso ainda no Maracanãzinho, na Arena da Barra. O basquete precisa de festas como essa e essa rivalidade impulsiona o esporte. Adoro isso. A torcida do Flamengo, a do Vasco. Isso movimenta. Eu vivendo na cidade dessas duas grandes torcidas, quero viver isso na semana do clássico. Aqui em Manaus vai ser legal, mas espero que o poder público e as duas diretorias façam de tudo para que possa acontecer no Rio de Janeiro. Será um avanço muito grande e pode chegar no futebol. Do jeito que o jogador se prepara, o torcedor também se prepara. Almoça, pega a família e quer ir com segurança. Quando acontecer no Rio de Janeiro, será maravilhoso.

Aposentadoria?

Eu quero jogar enquanto tiver saúde e vontade de ir para quadra, de treinar, de estar com os amigos. Dez anos atrás falava que queria jogar até os 35 anos. O Alex me disse que eu jogaria até os 40, 45. Ele disse que vai até essa idade. Me sinto bem, quero treinar, me preparar. O principal é o cara ter vontade de se preparar. Quando quer só jogar, aí já é complicado. Tem que almoçar, descansar, gosto disso ainda. Não posso falar que vai ser amanhã, daqui dois anos, três anos...

Obstinação por vitórias

Eu quero ganhar o maior número de jogos possíveis. Sou obstinado por vitórias. Não gosto de perder. Não gosto de perder para os meus filhos (Giovanna, Pedro e Sofia) jogando basquete em casa. Esses dias apostei uma casquinha para tomar perto de casa, e ganhei. Eles ficaram bravos, choraram. Mas não vou deixar eles ganhar. Foram dormir brigando. Gosto de vencer. Enquanto tiver isso, eu sigo. Adoro jogar, adoro vitória, então é isso. Me lembro desde pequeno, jogando bola na rua, basquete no estacionamento da minha casa, ou videogame. Dá vontade de quebrar o controle de nervoso. Você não quer perder. Naturalmente ter esse sangue de não querer a derrota. Se você perde e se acostuma, não será um cara competitivo. Nunca gostei da derrota, mas é sempre bom ter ela por perto, pois você percebe que não quer estar no mesmo balaio que ela.

Escolha pela camisa 23

Quando iniciei, ele estava no auge. Com 18 anos comecei a usá-la. Quando fui para Ribeirão Preto, era um time grande, e o técnico Tom Zé não queria que eu usasse, que iam pegar no meu pé. Briguei para usar, disse que sabia da história, que era minha vontade. Ele foi a contragosto no primeiro ano. Tive que ir contra esse peso. É como uma dez do futebol. Ele falava que eu era novo, que se errasse falariam quem era eu para usar a 23. Mas era a minha homenagem, era o que importava para mim.

Onde o Vasco pode chegar

Estamos inconstantes. Ganha, perde, sobe e desce. Mas acredito que é nos playoffs que o campeonato é decidido. E temos muitos jogadores de playoffs, experientes. Nos playoffs podemos nos juntar, estar bem e chegar muito longe. Mas se continuar inconstante, podemos cair no primeiro playoff.

Protagonismo no Cruz-maltino

Na minha contratação e com os jogadores que temos, todas as equipes que passei tinha o papel de protagonismo. Não era o capitão, mas era o cara que falava. Gosto disso, me sinto fazendo parte, fico feliz, tenho mais vontade de treinar. Gosto desse papel e não me pesa. Por mais que jogue no grande Vasco da Gama, gosto e quero direcionar o time o mais longe que possa chegar.

NBA e Stephen Curry

Gosto. Depois do Jordan, não assistia muito. Via Euroliga, Espanhol. Mas agora, com o Stephen Curry, voltei a me interessar. Um primo me ligou e pediu para ver o Golden State Warriors. Que tinha um rapaz que chutava de três pontos e acertava todas, que fazia 30 pontos por jogo. Eu fui assistir. Quando vi, lembrei que tinha jogado contra ele em 2010, no Mundial da Turquia. Comprei o League Pass, e comecei a assistir. E vi que ele era diferente mesmo. Mas não achava que seria campeão. Mas ele mudou o jogo. Normalmente os campeões tinham um pivô forte ou um ala. Mas um armador de MVP e campeão, ele mudou o jogo. Gosto de assistir e passo a noite vendo.

Bolas de 3 pontos

Eu gosto de treinar, de me preparar. Boa pré-temporada, gosto de estar dois meses treinando bem, mantendo a pontaria, cuidando fisicamente. Isso é importante. O principal é que quando vi que tinha essa aptidão, com 12, 13 anos. Morava perto de um clube. Nas férias ia sozinho, ficava a tarde toda. Os amigos iam jogar futebol e eu ficava arremessando e pegava a bola. Era a tarde toda. Minha mãe me achava um maluco. Com 15 anos você pega confiança e vai só aprimorando. Em um jogo importante, já tem a confiança. Mesmo errando sete bolas seguidas, você não pensa que está 0/7 e sim 1/1, 2/2. Quando atinge essa confiança, você acerta muito mais.

Infância e basquete

Jogava futebol na rua, como todos os moleques, no interior de São Paulo. Depois no colégio, jogando basquete, o professor disse que tinha aptidão, que me destacava, e se queria participar. Disse que sim. Meu irmão já jogava. E minha tia (Roseli do Carmo) jogava na seleção brasileira. Foi vice-campeã mundial, vice-campeã olímpica. E passava as férias na casa dela. Ginásio cheio, Hortência, Paula... Com 14 anos o basquete ocupava o mesmo espaço do futebol. E aos poucos foi só o basquete. Foi uma decisão acertada. Gosto muito de estar em quadra.





Fonte: GloboEsporte.com