Há 4 anos, Ricardo Gomes sofria um AVC dirigindo o Vasco

Sexta-feira, 28/08/2015 - 15:24
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28 de agosto de 2011. Iniciava a 19ª rodada do Brasileirão. O Vasco, no G-4, buscava a vitória contra o rival Flamengo para subir na tabela. Mas, no Engenhão, mesmo com um a mais em campo desde o fim do primeiro tempo, o Cruz-Maltino não conseguiu sair do 0 a 0 e se manteve na quarta colocação do campeonato.

28 de agosto de 2015. O Botafogo enfrenta o CRB no Estádio Rei Pelé em busca da recuperação da liderança da Série B. Dois pontos separam o Alvinegro do líder Vitória, que empatou na terça-feira. Assim, um resultado positivo em Maceió fará a equipe retornar à primeira colocação depois de quatro rodadas fora.

Exatos quatro anos se passaram. Para Ricardo Gomes, lá ou cá, o foco segue sendo o mesmo: futebol. Quer trabalhar em 2015 da mesma forma como trabalhava em 2011. Nos dois dias 28 de agosto, Ricardo Gomes esteve e estará à beira do campo, orientando seus jogadores, passando instruções, buscando a vitória. Em 2011, porém, o treinador encontrou um adversário muito pior que o Flamengo: um AVC. Foram quatro anos de muita briga e luta, até derrotá-lo. Hoje, está de volta ao trabalho. Recuperado. Com todos os pontos da vitória na conta. E feliz.

- Estou feliz. Feliz pela recuperação. Ela não é total ainda, mas estou muito feliz em voltar ao trabalho. Pessoas que tiveram o mesmo acidente que eu, que buscam voltar ao trabalho, pelo menos essa parte eu posso mostrar que é possível. Apesar da gravidade do acidente, consegui me recuperar por meio de pessoas competentes que existem no Brasil, entre médicos, terapeutas, fonoaudiólogos... Temos grandes profissionais e agradeço a eles - diz, ao GloboEsporte.com.

Na avaliação dos médicos, Ricardo Gomes poderia ter voltado a treinar desde 2013. Mas era o próprio quem se resguardava. Tinha dúvidas. Preferia a cautela. Foram dois anos tendo certeza que estaria pronto. Hoje, sua maior dificuldade nem é mais relacionado ao AVC. É com o seu joelho direito, lesionado desde 1984, quando ainda vestia calções e chuteiras.

- Na verdade, eu fiquei na dúvida quanto a voltar, durante dois anos. Primeiro, queria recuperar a saúde. Depois, pensar o que eu poderia fazer. A primeira volta ao trabalho foi como diretor no Vasco. Mas agora estou fazendo algo que eu gosto e que eu sei fazer. Segurei para voltar pois é um trabalho de visibilidade (o de treinador). Eu estava liberado pelo médico desde 2013. Demorei dois anos por cautela mesmo. Meu único problema hoje mesmo não tem nada a ver com o AVC. É o joelho. Por isso demorei também a voltar para o trabalho, é uma lesão muito antiga, de 1984, da época de jogador - explica.

Quatro anos se passaram, e Ricardo Gomes ainda não está 100% recuperado das sequelas do AVC. O trabalho segue, e ele olha para o futuro, buscando inspiração.

- Espero que só melhore daqui para frente. Tem uma doutora americana que teve o mesmo problema que eu e se recuperou totalmente em oito anos. A minha ideia é me recuperar em menos tempo - conta.

O ACIDENTE

Foi por volta dos 20 minutos do segundo tempo da partida entre Flamengo e Vasco que Ricardo Gomes passou a se sentir mal, em 28 de agosto de 2011. No Engenhão, o técnico foi inicialmente atendido pelos médicos do Vasco no banco de reservas. Depois, precisou ser carregado até a ambulância, uma vez que não conseguia se manter em pé. O atendimento ocorreu no Hospital Pasteur, no Méier, bairro próximo do estádio.

Foram quase três horas de cirurgia para estancar a hemorragia no cérebro - foram retirados 80ml de sangue - e reestabelecer a circulação. Ao total, foram 21 dias internado, 15 no CTI e mais seis no quarto. Depois, ao longo dos anos, mais inúmeras sessões de fisioterapia, musculação e fonoaudiologia, além de check-ups frequentes.

No ano anterior, quando ainda comandava o São Paulo, o treinador teve uma vasculite, considerada um pequeno AVC (acidente vascular cerebral), e precisou ficar internado após o clássico contra o Palmeiras, pelo Campeonato Paulista.

A RECUPERAÇÃO

A luta de Ricardo Gomes pela recuperação foi diária ao longo dos quatro anos que se passaram. Foram inúmeras as sessões de fisioterapia, fonoaudiologia, musculação e check-ups frequentes, especialmente no primeiro ano, quando o quadro era mais crítico. Nos dias em que esteve no hospital, eram realizadas de três a quatro sessões de fisioterapia por dia, buscando evitar que as sequelas se tornassem permanentes. Duas semanas depois, tornaram-se restritas a dois períodos mais intensos, reduzindo a sessões cerca de três vezes por semana, alternando com atividades de recondicionamento físico.

Na academia, Ricardo Gomes fez uma série de exercícios para recuperar os movimentos. Agachamentos, levantamento de peso, aeróbico na bicicleta... A cada dia, mais evolução. O técnico foi surpreendendo os profissionais da equipe médica com tamanha disposição e garra para voltar a ficar tudo bem.

Como o próprio afirma, a recuperação, mesmo quatro anos depois, ainda não é completa. Há algumas poucas sequelas, como um pequeno "mastigar" das palavras ao longo da fala e uma maior dificuldade com o lado direito do corpo, o mais afetado pelo AVC. Mas o raciocínio funciona perfeitamente bem.

O RETORNO

Entre 2011 e 2015, porém, Ricardo Gomes não deixou de trabalhar com futebol. Ficou bem perto dele, inclusive. No fim de 2012, voltou ao Vasco, à convite de Roberto Dinamite, então presidente do clube. Desta vez, como diretor técnico. Em junho de 2013, após saída de René Simões, assumiu o posto de diretor executivo de futebol. A nova função foi exercida por mais seis meses, apenas. Ao início da temporada 2014, Ricardo deixou o clube para se focar totalmente à recuperação física. O objetivo era voltar aos gramados, como treinador, sua verdadeira paixão, o que viria a acontecer no fim de julho deste ano, quando aceitou o convite do Botafogo para voltar a treinar.

O RELATO DO REPÓRTER

*Por Marcelo Courrege, repórter da TV Globo.

"Como em todo clássico, a TV Globo escalou dois repórteres em campo. Fiquei com Vasco, e o Eric (Faria) com o Flamengo. Foi no segundo tempo que eu estava ao lado do banco do Vasco. O túnel que dava acesso aos vestiários ficava à minha direita. Algum jogador do Vasco se machucou e foi atendido fora do campo. O médico que estava no banco era o doutor Fernando Matar. Ele saiu para o atendimento desse jogador. Nesse tempo em que ele ficou fora do banco, o Ricardo me chamou uma vez e perguntou se o doutor estava ali. Olhei pelo túnel e não consegui ver. Aquilo me chamou atenção. Olhei para o Ricardo e vi uma expressão de quem estava passando mal. Eu avisei na transmissão que o Ricardo Gomes tinha perguntado pelo doutor e que estava com expressão de que estava mal. Passaram-se três ou quatro minutos e ele olhou para mim e falou: “Ei, chama a ambulância”. Ricardo já estava bem diferente, com um olhar diferente. O braço meio paralisado. Aquilo me assustou.

Fui correndo para o lado da ambulância e falei que ele estava passando mal. No meio do caminho, encontrei o Fernando Matar e avisei para ele. Juntou muita gente. Estava na transmissão, assustado com tudo que estava acontecendo, mas também passando as informações no ar da forma mais ponderada possível. Toda vez que tem problema, precisamos ter cautela para não transformar em algo mais grave do que realmente é. Fiquei preocupado e apurando. De início, ninguém falou nada oficialmente.

Lembro que o Runco (médico do Flamengo na ocasião) ajudou no processo depois que o Ricardo foi para o centro médico do Engenhão. Ele disse que parecia um quadro de AVC, mas não tinha como afirmar. Eu falei exatamente essas palavras na transmissão. E meu microfone não tinha sinal no local que era o centro médico. Acompanhava passo a passo e voltava ao campo para falar no microfone do Eric. Ricardo ficou ali até depois do jogo, com muita gente em volta. Depois, foi para o Pasteur, um hospital que fica bem perto do Engenhão. O Runco acompanhou tudo de perto. Começamos o plantão lá, a madrugada toda, já com o Ricardo naquele estado. Lembro que a cirurgia dele durou mais ou menos três horas. A gente via de longe, pelo vidro, a família do Ricardo. Eu achava que eles já estavam com expressão corporal um pouco mais tranquila. Por acaso, um conhecido meu trabalhava no hospital. Ele, extraoficialmente, me passou que o Ricardo não tinha mais perigo, depois de entrar no hospital com quadro quase de óbito. Dei essa informação, ao vivo, no Fantástico. Foi um dia puxado".



Fonte: GloboEsporte.com