Juninho Pernambucano: 'Por que meu pai não poderia ter um minuto de silêncio em um jogo em que o adversário tinha concordado?'

Quinta-feira, 04/06/2015 - 14:04
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Juninho Pernambucano chega pilhado. Concentrado, repassa todos os próximos movimentos, recebe orientações, conversa com os companheiros e faz o sinal da cruz – típico gesto de jogador de futebol. Pode até parecer, mas o “Reizinho de São Januário” nao voltou para os gramados. Todo esse ritual é a sua preparação para entrar no ar como comentarista do Programa “Futebol de Verdade”, que vai ao ar todas as segundas-feiras pela Rádio Globo. Ao lado de Zico e convidados, o ex-jogador debate tudo o que acontece no cotidiano do mundo da bola.

​Livre das mordaças do futebol depois de pouco mais de 20 anos de carreira, Juninho descobriu na televisão e no rádio uma função que voltou a despertar aquele tesão dos tempos de atleta: ‘Agora sou ex-jogador, posso falar o que penso”. Em entrevista exclusiva ao “Paixão Libertadores”, o ex-camisa 8 deu palpite sobre a final da Liga dos Campeões, colocou Messi apenas atrás de Pelé e demonstrou revolta com o presidente do Vasco, Eurico Miranda, que vetou a realização de um minuto de silêncio pelo falecimento do seu pai antes de a bola rolar para Flamengo x Vasco, no segundo jogo da semifinal do Carioca: ‘Isso é revoltante’.

Percebi que você encarnou mesmo o espírito de comentarista. Não preciso nem perguntar se está curtindo, certo?

É verdade, estou gostando muito. A única coisa que eu sei fazer na vida é trabalhar com algo relacionado ao futebol. Completei o segundo grau apenas, não me formei em nada, mas a vivência que eu tive dentro da modalidade me credencia para poder falar sobre o assunto com alguma propriedade. Disputei oito Liga dos Campeões seguidas, uma Copa do Mundo, enfrentei todos os tipos de adversários, morei na Arábia e um tempo nos Estados Unidos, isso me dá bagagem para dar a minha opinião para tentar melhorar o nosso futebol. Existe, claro, diferenças entre a televisão e o rádio, mas o importante é que estou gostado demais do que faço.

E não pensa em tentar a sorte como técnico no futuro?

Esse é um sonho que tenho, que é o de me formar como técnico. Pretendo até o final do ano começar a fazer o curso da Uefa em módulos para pensar sobre a possibildade. Quero ao menos ter o direito de me tornar treinador. Depois, se eu decidir seguir essa vida, vou continuar com o maior prazer. Estou com 40 anos e ninguém aguenta ficar o tempo todo em casa.

Caso você decida seguir a carreira de técnico, como você pensa que deve ser esse caminho? Um clube grande ou pequeno para começar?

Acho que não tem que ter regras. Muita gente acredita que iniciar em um centro menor é melhor. Eu mesmo já recebi duas propostas do Al-Gharafa, clube que defendi no Qatar, para assumir o time e não quis porque a qualidade do grupo caiu muito para começar. Por outro lado, é aquela coisa: em um clube grande você tem mais estrutura e melhores jogadores, talvez os resultados apareçam mais rápidos, só que a pressão também é grande. Na verdade, o que pesa mesmo é a cultura do país onde começar. Vi por esses dias em uma matéria que a media de tempo de permanência de um treinador brasileiro no cargo é de apenas 15 jogos. Como que eu vou começar aqui se vou correr o risco de semana que vem ou dentro de um mês ser demitido com contrato assinado por dois anos? Acredito que enquanto não se mudar a lei no Brasil, enquanto não for proibido que um técnico trabalhe em mais de um clube no mesmo ano, no mesmo país, vai continuar essa bagunça. Eu quero, mas não tenho certeza, não sei que tipo de oportunidades irão aparecer. Penso que eu teria condição de fazer um belo trabalho como treinador.

Por que o nível do jogador brasileiro caiu tanto?

É um conjunto de fatores. Por exemplo, é difícil acharmos um jogador especialista em bolas paradas atualmente. Você precisa ter a qualidade, claro, mas a repetição é essencial. É um dom? É! Mas o cara tem que querer ficar lá, bater 50 faltas e ter prazer. Eu fiquei muitas vezes, tanto é que encerrei a carreira batendo uma falta. Tive muita tendinite por repetir o gesto, mas compensou. Marquei 76 gols assim, muitos deles decisivos e que me ajudaram a construir um nome. Bato na tecla do treinamento porque o futebol evoluiu e muitos não acompanham essa evolução. Imagina a minha história no Lyon: marquei 100 gols, 44 de falta, sendo que nunca perdemos quando fiz gols de falta. Coloca no papel o que isso representou em pontos para o time. Um especialista em bolas paradas, sozinho, te garante de dez a 15 pontos em um campeonato de pontos corridos.

Após o vexame da Seleção Brasileira na Copa do Mundo muito se falou em mudanças no futebol. Você já conseguiu enxergar alguma desde então ou tudo continua na mesma?

Mudou pouco, mas essa orientação para os árbitros deixarem mais o jogo correr e não cair nas encenações de jogadores já é um reflexo. O que acontece é que a gente precisa saber que só teremos uma Seleção Brasileira forte quando o Campeonato Brasileiro for muito bom. Além disso, a gente parou de evoluir depois do tetracampeonato, em 94, e aí ainda veio o penta na sequência. ‘Ah, ninguém joga igual brasileiro!’. A CBF é ótima em fazer contratos e arrumar jogos amistosos, mas ela não é boa em fazer um Campeonato Brasileiro porque permite mudança de técnico, permite que os clubes não paguem dia e porque ela dá um “cala a boca” aqui e ali para continuar se escondendo atrás das cinco estrelas. Deram muira preferência ao lado comercial e o preço a pagar agora é esse. No dia que os nossos clubes conseguirem enfrentar os europeus de igual para igual, como a gente já viu, aí recuperamos o nosso futebol.

O Brasil é favorito para a Copa América?

Está entre os favoritos com certeza. Não acho que não seja por causa do 7 a 1. Depois da Copa o time mostrou boas atuações com o Dunga. O Felipão, um ano antes da Copa, definiu um esquema de jogo e insitiu nele até o fnal. Pagou um preço muito caro por isso. O Dunga, não! Ele parte do princípio que só tem um jogador diferenciado, o Neymar, e o restante do time vai ter que jogar em função dele. A minha grande dúvida é como esses jogadores irão reagir em jogos oficiais. Dar uma resposta em amistosos após o 7 a 1 é fácil. Então, se esse time não sentir pressão, se não tiver essa ligação do Mundial - e a imprensa vai cobrar – acredito que o Dunga possa fazer uma grande Copa América.

E qual é o seu palpite para a Libertadores? Só sobrou o Internacional para representar o Brasil...

Fiquei feliz e acho que o Inter está pronto. Infelizmente, ainda existe um certo preconceito com os técnicos estrangeiros. Gosto muito do Abel que estava lá, mas o Aguirre chegou e arrumou um time que estava em declínio. No entanto, a imprensa, sem motivo algum aparente, começou a fritar o cara. A gente tem essa péssima mania de não dar tempo aos estrangeiros. Olha aí, o Inter ganhou estadual e está na semifinal da Libertadores com toda a pinta de time que está pronto para ser campeão de novo. Inter e River Plate são as duas equipes mais bem credenciadas para o título.

Barcelona x Juventus? Essa é fácil...(risos)

O Barça é favorito, é o melhor time do mundo hoje. Não tem nada definido, lógico, mas o Barcelona vai enfrentar o futebol italiano, que é um futebol acostumado a vencer mesmo quando não é o melhor, vai enfrentar um time que tem camisa e que tem tradição. O que a gente pode esperar? Uma equipe como o Barcelona que faz mais de 100 gols na temporada, a gente parte do princípio que vai fazer gol na final. Já a Juventus tem uma bola parada mortal do Pirlo, que é o ponto fraco dos espanhóis. Vai ser mais difícil para o Barcelona do que se enfrentasse o Real Madrid, que joga mais aberto.

Essa decisão pode ser o começo da consagração definitiva do Neymar na Europa. Ele tem condições de ser eleito o melhor do mundo dentro de alguns anos?

Tem muitas condições. O Neymar já está entre os cinco melhores do mundo atualmente. Ele só não pode fazer disso uma obsessão para não atrapalhar a sua trajetória lá fora. Mas vejo o Neymar muito preparado para jogar em alto nível pelos próximos dez anos.

E esse monstro chamado Messi? Você lembra a primeira vez que o enfrentou?

É o melhor jogador que vi jogar. Depois do Pelé, o Messi é o melhor jogador da história do futebol. Não vi o Pelé ao vivo, mas já li muito, já assisti a diversos vídeos e ele é realmente inconparável. E o Messi é o Pelé dessa nova geração. Um jogador com números extraordinários, com uma coleção de troféus que vai ficar feio para qualquer jogador que tentar chegar perto dele. A primeira vez que o enfrentei tive sorte porque jogamos contra o Barcelona, empatamos em 2 a 2 e eu fiz os dois gols do Lyon. Na Seleção, a gente sempre ouvia falar que ele estava treinando com os profissionais do Barcelona, mas ali na fila na hora de cumprimentá-lo em campo a gente pensa: ‘Será que esse baixinho éisso tudo mesmo?’. E com cinco minutos pegou uma bola, passou por três, levou pancada e seguia em frente, sempre com aquele jeito dele, dali em diante vi que seria sensacional.

O que te incomoda até hoje após ter parado do jogar?

Não ter sido mais bem aproveitado na Seleção Brasileira. Foi duro jogar muitos anos na Europa como um dos melhores da posição e ouvir do técnico que você estava chegando para ser banco, foi isso que ouvi do Parreira. Enfim, tenhoa metade da culpa pela minha personalidade por não me sentir em casa e não aguentar aquele ambiente, a outra metade foi o azar de nunca ter tido um técnico que apostasse que eu poderia ameaçar jogadores como Ronaldinho Gaúcho, Kaká ou Robinho. Na Copa do de 2006, fui avisado que seria banco. Ou seja, havia uma proteção sobre os titulares. Quando comecei a colocar um pouco a cabeça para fora no time, surgiu o Robinho. E aí quem iria sair? Eu! Minha passagem pela Seleção acabou naquele jogo contra a França quando o técnico me ligou de tarde avisando que eu iria jogar. Ali eu decidi que seria o ponto final porque não dava mais para suportar tanto estresse. Mas que eu poderia ter jogado mais pela Seleção, e bem, isso eu poderia.

Em agosto completará 20 anos de sua primeira partida pelo Vasco. A sua relação com o presidente Eurico Miranda não é boa, você vai sentir falta de uma homenagem?

Cara, o Eurico proibiu um minuto de silêncio pelo falecimento do meu pai. O que eu posso cobrar quando chega nesse nível? Já chega, essa foi a gota d’água pra mim. Meu pai era sócio do Vasco desde 1955, então antes de qualquer dirigente desse chegar ao clube o meu pai já estava lá aos domingos jogando sinuca e assistindo ao time jogar. Depois disso, pode fazer comigo ou com qualquer um, mas isso é uma falta de respeito muito grande. No Fla-Flu, teve um minuto de silêncio por alguém que faleceu, e com todo o respeito à família, mas eu não sei qual era a ligação. Por que meu pai não poderia ter um minuto de silêncio em um jogo em que o adversário tinha concordado? É assim que é o dirigente amador. É uma situação revoltante! Só peço para não confundirem as coisas, tenho um enorme carinho pelo Vasco. Quando voltei da Europa, voltei para ajudar. Voltei sem ganhar nada e até hoje tenho dinheiro para receber porque atingi os meus objetivos. Foi o clube que me colocou na Seleção, me permitiu jogar no exterior e ganhar todos os títulos importantes por aqui.



Fonte: Paixão Libertadores