Em entrevista de 1987, Dulce Rosalina fazia balanço de sua vida como chefe de torcida e condenava violência

Quinta-feira, 14/11/2013 - 08:52
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RENOVASCÃO 1987: DULCE ROSALINA UMA VASCAÍNA CONTRA A VIOLÊNCIA

Aos 53 anos, Dulce Rosalina Ponce de Leon exibe o mesmo ímpeto e a mesma liderança que a fizeram, há 30 anos, a primeira mulher a comandar da arquibancada centenas de homens, a frente da Torcida Organizada do Vasco (TOV). Recorda que nessa época o futebol servia de lazer e tão somente como diversão dos torcedores que lotaram os Estádios.

Um tempo em que eram raras as brigas nos Estádios, “algumas não passaram de todas discussões passionais”.

“A violência, agora, é crescente. É preciso que se faça algo”, adverte.

Mesmo com tantos anos de militância, sua reação é de perplexidade e indignação diante das freqüentes cenas de violência.

Carioca de São Cristóvão, mãe de um casal de filhos e viúva de Ponce de Leon, ex atacante de São Paulo, Palmeiras, Botafogo e Bonsucesso, Dulce Rosalina, há nove anos chefiando a Renovascão, acredita que a principal causa dessas agressões e confusões nos Estádios esteja na falta de liderança dos Chefes de Torcida atuais.

“Há pouco Líderes na arquibancada”, garante.

Nesta entrevista, Dulce expõe sua apreensão com os novos torcedores.

Sempre com experiência, tranqüilidade e conhecimento de causa como ninguém.

Ela que em 1961 foi eleita o Melhor Torcedor do Brasil, troféu que doou ao Vasco.

JB: O ano de 1986 foi marcado no futebol Brasileiro pela violência nos campos e nas arquibancadas. Por que os torcedores passaram a se agredir dessa maneira?

Dulce: Sem dúvida, hoje a arquibancada se transformou em território muito violento. Briga-se por qualquer pretexto.

Uma simples bolinha de papel jogada, as vezes, ao acaso é motivo suficiente para desencadear tumulto e agressões se atingir determinadas pessoas.

JB: Isso nada tem a ver com a paixão do futebol. Poderia haver uma explicação social, talvez econômico?

Dulce: É difícil se apontar uma causa específica. Parece que esta mocidade é revoltada.

Há uma meninada, na faixa dos 15 anos, que vai aos Estádios para arrumar confusão.

É só lembrar o último Vasco x Corinthians, em São Januário, quando um grupo de flamenguistas se infiltrou entre os corinthianos e atirou fogos em nossa Torcida.

Eles não admitem que uma pessoa torça por outro Clube.

JB- Como agem os Chefes de Torcida?

Dulce: Na verdade, há poucos Líderes na arquibancada. Não é como antigamente.

E cabe ao Chefe de Torcida coibir determinado comportamento.

Mas como? As vezes, não tem força.

Em outras, até incitam.

Prefiro não falar em nomes.

Mas há grupos de torcedores no Rio que só sabem brigar.

JB: Há 30 anos, como se comportava o torcedor?

Dulce: Os torcedores de hoje tem um outro nível. Naquele tempo, o negócio era torcer e incentivar. Não passava na cabeça de ninguém sair agredindo os outros.

É evidente, que saiam brigas.

Mas poucas. Era comum os Chefes de Torcida se confraternizarem antes dos grandes clássicos.

Eu mesma sai muitas vezes da Torcida do Vasco para entregar uma faixa ao Jaime de Carvalho no seio da Charanga Rubro Negra.

Hoje isso não acontece. Também só havia uma Torcida Organizada por Clube.

Era fácil o controle.

JB: Já apanhou alguma vez?

Dulce: Apanhar, NÃO, Bati (risos). No começo era muito empolgada.

Não provocava ninguém, mas também não levava desaforo.

Depois do acidente, mudei.

Dois anos e meio dentro de um Hospital me fizeram refletir bem.

Jurei que passaria a ser um torcedor comum.

JB: Como foi o acidente?

Dulce: Foi em 1968, na Via Dutra. O ônibus da Torcida Organizada do Vasco nos levava para São Paulo, onde iriamos um jogo com o Corinthians, quando um caminhão apareceu na contra mão e nos pegou em cheio.

Ninguém morreu, mas muitos ficaram feridos. Eu quebrei o úmero em três partes.

JB: Voltando a violência na arquibancada qual seria a solução?

Dulce: O ideal seria que houvesse uma conscientização do torcedor.

Para isso acontecer, as Torcidas Organizadas em de que se unir.

Acho boa a ideia do Simpósio, lançada pelo Niltinho, da Torcida Jovem do Flamengo, reunindo os principais Chefes de Torcida de todo país para debater o assunto.

Só acho que isso deve ser feito através da Associação das Torcidas Organizadas do Rio (ASTORJ).

JB: Alguma outra sugestão?

Dulce: A própria Associação, se tivesse todas as Torcidas regularizadas, poderia funcionar para ajudar no combate a violência.

Por exemplo, cassando credenciais de alguns Chefes.

JB: Percebe-se que você não gosta ou não aprova o comportamento de muitos Chefes de Torcida. E por eles serem profissionais de arquibancada?

Dulce: Não acredito que haja Chefe de Torcida profissional.

Ele recebe ajuda dos Clubes para o aluguel dos ônibus e normalmente, o que sobra ajuda na compra de bandeiras ou mesmo na passagem de alguém que não pode pagar.

Além disso, tem direito a cinco credenciais para ele e seus auxiliares mais diretos.

Não chega a ser um esquema profissional.

JB: Você também parece ser contra a aliança entre Torcidas?

Dulce: Olha, se fosse para torcer sadiamente, tudo bem.

Mas normalmente não é.

Estas uniões sempre provocam confusões, porque a Torcida local, aliada a de fora, provoca a outra.

Por princípio, não me uno, embora mantenha bom entendimento com várias de outros Estados. Sou Vasco e só torço pelo meu Clube.

JB: Como as Torcidas do Rio são recebidas em outros lugares?

Dulce: Há Estados em que muito bem.

Depende, até há bem pouco tempo, a do Atlético Mineiro mas recebia muito mal.

Agora melhorou.

JB: Qual o pior lugar?

Dulce: Para nós, torcedores do Vasco, sem dúvida, Vitória.

Nas duas vezes em que fomos lá este ano, sofremos ataques.

No primeiro jogo, então, nem se fala.

Não consegui ver o jogo.

O Estádio Cléber de Andrade, estava ainda em obras e nos atacaram a pedras e paus.

A Polícia agiu da maneira dela, batendo em todo mundo, em mulheres e crianças.

O negócio era fugir de qualquer maneira.

Era salve-se quem puder.

JB: E os cariocas como recebem os visitantes?

Dulce: Recebemos bem.

JB: Uma cena comum: o torcedor entra por engano no meio da Torcida adversária, é perseguido até ser alcançado e inexplicavelmente agredido. O que costuma fazer?

Dulce: Nós do Vasco, temos por lema mostrar o caminho certo.

Se insistir em ficar, avisamos que ele não pode vibrar caso o seu time marque um gol, pois se não apanha.

JB: E concorda com isso?

Dulce: Sou contra a permanência dele...

JB: Qual a maior conseqüência desta onda de violência?

Dulce: Por causa das brigas, muita gente está deixando de ir aos Estádios, de levar a família, o filho pequeno.

A insegurança tem peso igual a baixa qualidade dos jogos para a queda de público.

JB: E a Polícia?

Dulce: Faz o que pode. O torcedor é que precisa se conscientizar.

Tem de ir para o Estádio como se fosse para um templo.

Numa Igreja, não agride ninguém.

Deveria agir da mesma forma quando fosse ao futebol.

Fonte: Jornal do Brasil 08 de Janeiro de 1987



Fonte: Blog Torcidas do Vasco