Ex-integrante da banda Legião Urbana, tricolor, chama São Januário de 'pocilga, um lugar velho, decrépito'

Quarta-feira, 10/04/2013 - 23:29

Dado Villa-Lobos está enfim envolvido em um projeto solo inédito, quase 20 anos após o fim do Legião Urbana. Nesse meio tempo, o músico se dedicou a trilhas-sonoras, resgatou em duas ocasiões a banda que o tornou famoso em pequenas turnês e chegou a gravar um especial para a MTV um tanto repentino, sem o preparo exigido por O Passo do Colapso, seu primeiro trabalho de estúdio, lançado neste mês de abril. Mas o retorno se dá em uma época de baixa não só na indústria fonográfica, com a proliferação de downloads grátis de canções na web, como na própria cena musical, com bandas tendo poucas oportunidades para vingar suas carreiras. Ao menos é assim que o guitarrista, hoje com 47 anos, avalia a atual cena do rock and roll no Brasil.

"Os produtores e o próprio público já estão num ritmo de não querer ver nada de novo. Uma zona de conforto", opina, em entrevista ao Terra, sobre a praticamente inexistente presença de novas bandas em grandes festivais e eventos, quase sempre contando com a escalação dos mesmos grupos de sempre em seus line-ups nacionais. "Aí eles ficam vendo ali uma apresentação ao vivo, na qual já têm total controle emocional. O novo não consegue emergir. Até porque não existe também um circuito de lugares para se tocar ao vivo, que é uma questão também."

Vivenciando a cena roqueira no País há mais de três décadas, Dado tem plena consciência das dificuldades que os artistas encontram nos dias atuais. Se no início de sua carreira houve um boom de grupos até então alternativos, que acabaram ganhando popularidade e caráter mainstream nos anos 1980 e início de 1990, hoje a realidade é outra, com artistas penando para conseguir lançar seus trabalhos, tirando cada vez menos lucro com eles e tendo dificuldades até para apresentações ao vivo, o básico para uma banda com intenção de conquistar algo na música. Para ele, além da crise no mercado, falta também um sentimento de união entre as bandas para procurar dar uma sacudida na realidade atual.

"Existe uma cena, mas ela não está em exposição. Está meio fragmentada, pelos buracos da cidade. Era uma coisa de tentar se juntar e fazer acontecer mais. Mas tem coisas legais por aí", afirma.

Confira a entrevista a seguir:

Terra - É a primeira vez que você assume totalmente os vocais de um projeto em um disco de estúdio, tocando e cantando ao mesmo tempo. Você procurou alguém para ajudá-lo a aproveitar melhor a sua voz?

Dado Villa-Lobos - Sim, eu tenho uma maestrina, Cecilia Spaia, que é uma excelente cantora, instrutora de canto. De vez em quando a gente se encontra e eu tenho uma aula. Para este novo trabalho foi algo mais orgânico no sentido de que juntamos os músicos aqui no meu estúdio e começamos a gravar as bases. Foram três bateristas, alguns baixistas e a participação desses caras todos contribuiu de uma forma incrível ao disco, trazendo uma certa unidade a ele. Aí foram surgindo esses convites mais variados: Fernando Catatau, Arthur Lindsay, Cristina Braga, Eduardo Galeano. Coisas que acabaram fazendo sentido.

Terra - Eduardo Galeano?

Dado - Sim, de Veias Abertas da América Latina. Ele declama um poema dele chamado El Parto. E eu musiquei.

Terra - E como surgiu essa parceria com o Galeano?

Dado - Ah, foi um amigo uruguaio que me disse que o disco que tem essa coisa do colapso deveria ter sua presença. Foi uma brincadeira, mas uma avaliação meio real do que vem acontecendo ao longo desses quatro, cinco anos, tanto político quanto socialmente, em relação à comunicação das pessoas, em relação à música, à indústria da música, à música popular. E aí veio essa coisa meio como uma resposta a isso tudo, algo que é realmente gratificante, já que o colapso gera alguma coisa diferente, que aponta para um outro caminho.

Terra - E o seu disco é mais rock ou tem um tom mais intimista?

Dado - Ele é mais rock. Ele tem uma formação rock, às vezes nem tanto na questão da agressividade e das guitarras elétricas e tal. Ele é mais contido, mas rock. E com uns pontos de bossa nova, estilo que sempre gostei. Aí vira uma coisa meio Nick Drake, que eu queria. São coisas pensadas trabalhando no arranjo de cada música.

Terra - Quanto tempo demorou para você compor todas as músicas?

Dado - Ah, demorou bastante. Tinha uns temas e encontrei o Menun, um cara em quem me amarro do (grupo) The Darma Lovers. Aí contei a história do colapso, que a gente estava entrando numa situação que não sei. Fazer música está difícil, os canais estão fechados. Eu faço rock. Está difícil, quase um desespero. E isso meus amigos todos estão sentindo. Aí vem a montanha que vem abaixo todo ano no Rio de Janeiro com a chuva, quase uma coisa bíblica. Aí esse camarada fez O Passo do Colapso, que brinca com essa situação. Aí o colapso financeiro em 2008... E foi essa sequência de coisas. Eu estou chegando aos 50 anos daqui a pouco. E este assunto passou a ser trabalhado internamente.

Terra - Quando foi isso?

Dado - Em 2008, 2009. Eu comecei a gravar em 2010. Aí, naquele ano, encontrei o Kassin na gravação da Cristina Braga e falei para ele que estava com uma série de temas, mas não sabia para que ia fazer isso. Por que fazer um disco, hoje um objeto tão sem sentido? Tudo desce de graça. Aí ele virou para mim e falou: ‘cara, não interessa como ou por que. A primeira coisa é fazer. Depois você decide como e por que faz”. Ou seja, o importante era realizar. E assim foi sendo, foram aparecendo coisas. Tinha Beleza Americana, uma música do Fausto de muito tempo atrás, uns 10 anos, que tava ali, não tinha sido lançada e eu adorava. Tudo foi fazendo sentido com essa ideia central.

Terra - Quais bandas te agradam da cena atual?

Dado - The Darma Lovers me agrada, o China, o Otto, adoro os discos da Céu. Tem coisas experimentais dos meus camaradas do Rabotnik. Existe uma cena, mas ela não está em exposição. Ela está meio fragmentada, pelos buracos da cidade. Era uma coisa de tentar se juntar e fazer acontecer mais. Mas tem coisas legais. Em Brasília, tem uma banda chamada Sexify, em que uma mina que canta.

Terra - E essas bandas legais e recentes ficam esquecidas nesses vários festivais que estão sendo realizados?

Dado - Os produtores e o próprio público já estão num ritmo de não querer ver nada de novo. Uma zona de conforto. Aí fica vendo ali uma apresentação ao vivo, na qual eles já têm total controle emocional. O novo não consegue emergir. Até porque não existe também um circuito de lugares para se tocar ao vivo. É uma questão também.

Terra - E como está a sua questão com o Fluminense? Você ainda tem aquela torcida organizada com o Fausto Fawcett e o Tony Platão?

Dado - A ligação está intensa, como sempre.

Terra - E estão indo ao estádio? Como faz agora, sem o Engenhão?

Dado - É, agora f****. Tem que ir ao São Januário, que é uma pocilga, um lugar velho, decrépito. Vai ser duro, mas continuamos torcendo, sofrendo.

Terra - Como você vê esse negócio de Copa do Mundo?

Dado - Estou ficando apreensivo. Não temos estádio e não temos uma seleção que jogue ainda. E um pesadelo pavoroso que tenho é um segundo Maracanazzo, com a Argentina ganhando. Aí fecha o País.

Terra - E o Maracanã?

Dado - Vai ficar outro estádio, modernizado e tal. Mas tenho medo de se tornar um novo Engenhão. Os caras constróem e daqui a seis anos têm de fechar porque ameaça cair. Acho um descalabro o que esses construtores fazem. É o mesmo roteiro. A Delta entrando, aí a Delta sai e assume a Odebrecht. Tudo a toque de caixa. Eu tenho medo do que vai acontecer.

Terra - E o Flu, apoio total?

Dado - Apoio total. Eu não xingo jogador em estádio. Acaba com o jogo do cara. Futebol é isso, se acerta e se erra. Outro dia, no jogo do Barcelona com o PSG, o Ibrahimovic não acertava um chute, um negócio lamentável. Aqui ele seria vaiado. Futebol tem que estar focado no negócio para o bem. E quando perde fica muito mal. É a experiência.

Terra - E Libertadores? Será que sai este ano?

Dado - É a missão, o que todo mundo quer. Duas vezes passamos em primeiro na primeira fase e deu no que deu.

Fonte: Terra