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Feminino: Entrevista com Fabiana Albino, coordenadora do Vasco


Segunda-feira, 12/12/2011 - 09:41

“O futebol feminino no Vasco da Gama, mais do que uma modalidade no clube, ou um braço do futebol masculino, é um ideal”. É dessa maneira que Fabiana Albino se reporta à modalidade cuja condição no país ainda de amadorismo. Muito por conta das diversas falhas de ordem administrativa, política e até histórica.
Mestre em Ciência da Motricidade Humana, Psicopedagoga, Consultora em Educação e Educação Física e Docente da Universidade Moacyr Sreder Bastos, ela criou o cargo de coordenadora pedagógica na estrutura do departamento de futebol feminino cruzmaltino. Além de reviver momentos fantásticos das décadas de 80 e 90, quando o clube contou até com a lenda Marta em sua equipe principal, a intenção da acadêmica é ampliar a discussão sobre as temáticas envolvendo as mulheres e o próprio desenvolvimento a partir do profissionalismo.

“Existe uma engrenagem em qualquer processo esportivo de ida e volta capital – como em qualquer organização pautada no capitalismo. Nós não geramos qualquer tipo de lucro para o clube. Por isso que o aporte é muito pequeno”, explica Fabiana.

Ela revela que possui apenas uma pequena verba para federar atletas, comprar uniformes, local para treinamento, uma ajuda de custo com passagens e alimentação, mas não há uma remuneração mensal. Para superar essa realidade e enfrentar, inclusive, os gargalos da legislação referentes ao futebol feminino – especialmente os ligados a direitos econômicos –, a meta é educar desde cedo.

“A ideia da coordenação pedagógica no departamento é justamente um aporte educacional junto ao futebol feminino. O mais importante é a base – algo que não compõe a reflexão no ambiente do futebol masculino, muitas vezes. Queremos um departamento de formação de atletas de excelência, e nosso projeto é amparado nas bases educacionais desse processo”, propõe Fabiana.

Ao lado de Tadeu Correia, diretor da Divisão, e outros oito profissionais, a especialista acredita que não se possa ter uma equipe adulta sem haver um programa de base efetivo. Tal programa piloto, em que a prática esportiva surge como uma ferramenta para a vertente sócio-educativa, busca parcerias e cobra respeito e mudanças na CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

“Pedimos seriedade por parte da CBF, atenção. Ela não quer nem mapear quantas atletas estão em ação no Brasil... Como um possível parceiro vai se interessar em vincular a marca dele a um clube que não sabe quando, onde e com quem irá jogar?”, questiona.

Nesta entrevista à Universidade do Futebol, Fabiana explica ainda a razão pela qual o Vasco vetou peneiras para o processo de seleção de novas atletas, como atua o grupo de estudos criado para pensar treinamento para mulheres e como a esgrima melhora a noção espacial em campo.

Universidade do Futebol – Você é coordenadora pedagógica da Divisão de Futebol Feminino do Vasco da Gama. Como se encontra estruturado tal departamento?

Fabiana Albino – O futebol feminino no Vasco da Gama é um resgate a um antigo futebol feminino do clube entre as décadas de 80 e 90, período em que a Marta foi revelada, inclusive. Além dela, contávamos com a Pretinha, que hoje atua na Coreia, a Fanta, que encerrou sua carreira, e algumas outras atletas renomadas que compunham nosso time.

Por volta de 1996, 1997, o futebol feminino foi extinto no Vasco, assim como ocorreu no Rio de Janeiro. Foi um tempo de “dormência”. Em 2009, apenas, por intermédio do Tadeu Correia, nosso diretor, que a modalidade foi retomada.

Reiniciamos praticamente do zero. Hoje temos todas as categorias a partir do sub-13. São aproximadamente 200 atletas ao todo até o grupo principal.

O futebol feminino no Vasco da Gama, mais do que uma modalidade no clube, ou um braço do futebol masculino, é um ideal. A condição dele no país é de amadorismo. As nossas atletas não têm preço de mercado. A Marta, por exemplo, não tem “passe”.

Nosso projeto também passa por profissionalizar o futebol feminino no Brasil. E para isso temos promovidos alguns encontros, montamos um documento e efetuamos contatos políticos para dar início a esse anseio.

Um clube, por si só, não fará isso. Levantamos essa bandeira e pretendemos dar sequência agora.

Universidade do Futebol – O projeto possui um aporte – financeiro e de infraestrutura – constante? Como se dá a relação com a atual diretoria do clube cruzmaltino?

Fabiana Albino – Nós temos o apoio total: político, solidário e de possível infraestrutura. Financeiro, é o mínimo possível.

Existe uma engrenagem em qualquer processo esportivo de ida e volta capital – como em qualquer organização pautada no capitalismo. Nós não geramos qualquer tipo de lucro para o clube. Por isso que o aporte é muito pequeno.

Temos uma pequena verba para federar atletas, comprar uniformes, local para treinamento, uma ajuda de custo (passagens e alimentação), temos uma escola que funciona dentro do clube, mas não há uma remuneração mensal. Justamente porque não conseguimos gerar ainda qualquer tipo de receita para o clube.

Universidade do Futebol – Em linhas gerais, qual é sua formação, bem como seu papel nesse processo?

Fabiana Albino – Minha graduação é em Educação Física e fiz uma especialização em psicopedagogia e um mestrado em Ciências da Motricidade Humana e em Ciências do Desporto. Estou em uma intersecção entre a área esportiva e a educacional-pedagógica.

Também sou professora acadêmica e trabalho com aprendizagem motora e aprendizagem esportiva na universidade. Minhas pesquisas são voltadas para essa área.

A ideia da coordenação pedagógica no departamento é justamente um aporte educacional junto ao futebol feminino. O mais importante é a base – algo que não compõe a reflexão no ambiente do futebol masculino, muitas vezes. Queremos um departamento de formação de atletas de excelência, e nosso projeto é amparado nas bases educacionais desse processo.

Não acreditamos que se possa ter uma equipe adulta sem que tenhamos um programa de base efetivo. Essa é minha função e a coordenação pedagógica foi um cargo criado aqui no Vasco, propositadamente, para integrar o processo com a outra ponta, a coordenação técnica.

Trata-se de um programa piloto: montar o pilar educacional é a nossa prioridade. A prática esportiva, então, surge como uma ferramenta para a vertente sócio-educativa. É praticamente uma tese. E nosso diretor está terminando o doutorado dele que aborda justamente a questão do talento no esporte e a gestão das categorias de base.

Universidade do Futebol – Como se dá a relação entre todas essas áreas – pedagógica e técnica – no Vasco da Gama? Quantos profissionais estão envolvidos?

Fabiana Albino – Apenas 10 pessoas, por conta da falta de uma verba que deveria ser compatível com a nossa necessidade. Essa é a realidade. Temos muita afinidade e trabalhamos juntos.

A linha limítrofe entre as duas áreas se funde. Não temos muito essa segregação. Até mais é a minha área que atinge o âmbito técnico. Um coordenador técnico é muito do campo. E a parte administrativa também acaba ficando ao meu cargo – apesar de eu também estar sempre presente nas atividades práticas.

Universidade do Futebol – Recentemente, você esteve à frente do II Encontro de Futebol Feminino do Rio de Janeiro. Dentre alguns pontos abordados, foi projetado um relatório que será encaminhado ao Ministério dos Esportes, federações e CBF. Quais são as principais reivindicações e o que se espera em termos de retorno?

Fabiana Albino – Na verdade, esse relatório foi encaminhado para uma comissão política que está envolvida com os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ainda haverá um contato direto com o Ministério dos Esportes – provavelmente em janeiro.

A profissionalização do futebol feminino foi o tema central do encontro. No próprio Footecon 2011, houve um debate em uma das mesas sobre os problemas do futebol de base no Brasil. Isso é muito mais sério no futebol feminino.

Hoje, uma atleta, por ser considerada amadora, por todos os “contras” da Lei Pelé, pode sair a qualquer momento de um clube e migrar para outro. Isso é um problema. Temos garotas nas quais investimos há anos, contamos com as mesmas para muitos campeonatos, e no fim da temporada acaba deixando nosso clube para atuar em outro, em outro Estado, para alguma disputa específica.

Além de uma brecha na legislação esportiva, também se trata de uma falta de amparo das próprias federações estaduais. Esses órgãos poderiam ter uma forma burocrática de documentação. Não há esse diálogo.

Uma sugestão para solucionar essa questão seria cada uma das federações criar uma representação de futebol feminino dentro de sua estrutura. Assim como há na CBF – que existe, apesar de não funcionar como deveria.

Não existe um calendário anual de futebol feminino. O que emperra uma série de avanços com patrocinadores e outros parceiros comerciais. É muito difícil se conseguir, inclusive, informações referentes a número de atletas em ação, clubes, competições, etc.

Em São Paulo, no próprio Museu do Futebol, as referências sobre o futebol feminino são muito poucas. Há uma ou outra foto ilustrando a história da Marta. E nada mais. Se eu tivesse que fazer uma tese sobre o futebol feminino, aquele espaço não seria ideal para pesquisas do tema, por exemplo. Trata-se de uma lacuna histórica.

Universidade do Futebol – Ainda no evento, foi questionada também a forma de convocação de atletas para a seleção brasileira feminina principal. Que tipo de críticas você poderia destacar e o que essa “falha” representa em curto, médio e longo prazo à modalidade, de modo geral?

Fabiana Albino – Temos duas situações: a forma como funciona esse departamento na CBF e como é realizada a convocação. Percebemos que não há um acompanhamento da equipe que convoca – os “observadores”. Não existe, também, uma convocação oficial – falta comunicação com os clubes e geralmente alguém da CBF procura diretamente a atleta selecionada.

Durante a reta final da Copa do Brasil Feminina neste ano, aconteceu o Pan-Americano em Guadalajara, no México. Tivemos algumas atletas convocadas, o que ocasiona não um prejuízo – muito pelo contrario, até porque já não tínhamos chances – mas um “furo” no ritmo do elenco, em termos de treinamento, desgaste, modificações, etc. Justamente porque a CBF não senta com os clubes e define um padrão estratégico para isso.

Outro ponto é ter uma comissão técnica vinculada a um clube. Cito o exemplo do Kleiton Lima, que era treinador da equipe principal da seleção brasileira de futebol feminino e, simultaneamente, comandava uma equipe no Nordeste. Isso compromete a convocação. Em termos éticos.

Como alguém pode conseguir garantir uma convocação de qualidade se está envolvido com o funcionamento específico de seu clube? Mas o foco de responsabilidade é a CBF, e não o treinador em questão, por si só.

Universidade do Futebol – E como você viu essa mudança na seleção brasileira: saiu o Kleiton Lima, retornou o Jorge Barcellos?

Fabiana Albino – Eu estou muito otimista. Acho que a passagem dele [Jorge] foi positiva, com todos os problemas – e acredito que havia mais do que agora – e confio que será bem melhor.

Embora devamos, em uma análise do futebol feminino do Brasil, nos lembrar sempre do René Simões, que foi o responsável por colocar a modalidade no cenário esportivo. Ele, mais do que um técnico, foi um gestor. E infelizmente a CBF não soube aproveitar, não teve a sensibilidade, para não dizer inteligência, de usufruir de todos aqueles benefícios.

O Jorge Barcellos vem após René, com uma escola que tem uma mesma base, mas tenho o receio por essas escolhas – há uma nebulosidade política, mas isso é incontrolável aos pobres mortais fora da CBF. Mas estou otimista e acredito que ele está muito à frente em termos de experiência, coragem e ética do Kleiton Lima, em minha opinião.

Universidade do Futebol – No Brasil, são poucas as linhas de pesquisa científica para identificação de talentos esportivos no próprio futebol masculino. De que maneira o Vasco, onde você atua, trabalha em seu departamento de formação a detecção de jovens com potencial para se tornarem atletas profissionais?

Fabiana Albino – No Vasco, o processo no futebol feminino é bem diferente do masculino. A primeira questão se refere às “peneiras”. Não realizamos, com as mulheres, esse tipo de teste. A menina que quiser ingressar às nossas equipes passa pela “academia de futebol”. Lá, ela irá participar no mínimo durante 30 dias, três vezes por semana, com um grupo de meninas que está trabalhando para entrar nas equipes.

São jogos no campo oficial, em campos sintéticos reduzidos, para avaliar determinadas características técnicas específicas, além de algumas testagens voltadas às questões físico-fisiológicas: velocidade, agilidade, velocidade de reação, força, coordenação, etc.

Serão no mínimo 12 momentos de jogo, para apresentação de habilidades, qualidades, entrosamento com determinado grupo de atletas, etc. Algo bem diferente do processo realizado com os homens aqui no Vasco.

Universidade do Futebol – Em se considerando os aspectos anatômico-fisiológicos característicos da mulher em comparação ao homem (menor estatura média, maturação mais rápida do esqueleto, ossatura mais fina, maior percentual de gordura corporal, diferenças do metabolismo, menor massa muscular, etc.), quais padrões de planejamento técnico, tático, físico e psicológico devem ser traçados para respeitar essas peculiaridades?

Fabiana Albino – Esse é um ponto muito difícil de conduzir. E é um dos motivos pelos quais temos no departamento um grupo de estudos que funciona com as pessoas que trabalham com futebol feminino. Devemos ter a partir de fevereiro os primeiros artigos publicados no Brasil sobre treinamento de futebol para jovens futebolistas.

Uma das ações que temos feito ligadas à detecção de talentos é a interdisciplinaridade com outras modalidades olímpicas. Um exemplo: todas as meninas da academia, tanto as que são aproveitadas, quanto as que não atuam nas equipes, fazem aulas de esgrima.

A mama, que pesa e altera o seu centro de gravidade, dificulta a manutenção da postura, da visão de jogo e do tempo de bola. E a esgrima cria uma noção mais precisa, de equilíbrio, que acaba se refletindo em campo e elas não têm de olhar o tempo inteiro para a bola, projetando o olhar vertical.

Outro exemplo: a alteração hormonal é uma marca muito forte entre os gêneros. Em especial o porcentual de gordura. E da gordura localizada. O quadril, os seios, a mama e o glúteo são possíveis depósitos de gordura que, juntamente com a composição hormonal, irão refletir no desempenho. A espacialidade da mulher no campo de jogo, então, será diferente.

A maior parte do número de quedas no futebol feminino é para frente. Temos um estudo encaminhado para isso. O treinamento é voltado para o controle de percentual de gordura, agilidade, peso, levando sempre em consideração essa estrutura física dos depósitos de gordura para não forçarmos as articulações.

Temos também um trabalho de esportes com membros superiores, para trabalhar a relação da atleta com o espaço – mas isso não é específico por causa do gênero. De 90 minutos que se joga, mais de 80% do tempo a atleta não estará com a bola. E nesse período ela deve saber tudo que irá fazer com o corpo, inclusive os membros superiores, a fim de melhorar a parte biomecânica e da psicomotricidade.

Universidade do Futebol – É possível se falar em uma “escola brasileira de futebol feminino”, ou esse modelo específico de jogo nacional entre as mulheres está retomando seus passos iniciais?

Fabiana Albino – Não. Acho que estamos muito longe de ter uma escola de futebol masculino, inclusive. Não sabemos como aproveitar nossos talentos, em âmbito geral. No caso do futebol feminino, estamos fazendo contato com a Universidade Gama Filho, no Rio de Janeiro, para estabelecer alguma parceria de ordem acadêmica. A partir daí, esperamos, que a “escola brasileira de futebol feminino” possa começar a ser construída.

Para mim, a única equipe muito diferente no mundo é a japonesa, que venceu o Mundial. Não consigo detectar diferenças técnicas entre atletas brasileiras provenientes de diferentes localidades, por exemplo: a carioca, a paulista, a mineira, a baiana, etc, jogam de modo muito parecido.

Universidade do Futebol – O futebol feminino ainda encontra dificuldades para expandir-se e atingir a grande mídia. Como evoluir diante desse cenário?

Fabiana Albino – Entramos aí na linha histórica em termos de gênero da mulher no país em que vivemos. O Brasil é o país do futebol. Do futebol masculino. Não tenho dúvidas disso. Não é o país do esporte. É o país do esporte masculino.

O voleibol feminino, por exemplo, tem uma passado de desprestígio, de falta de atenção, tão grande quanto o futebol feminino. E há muito pouco que começou a ganhar espaço na mídia, a partir da organização de ligas, de um status político e hoje as meninas estão em ascensão. No nosso caso não será diferente. Vai ser muito difícil, também.

Não gosto desse papo de gênero ligado ao feminismo. Para eu explicar isso, não vejo outro caminho que não seja este. Especialmente porque o futebol feminino começou muito mal, como amador.

Dentro do Vasco, quando o nosso departamento foi retomado, o conselho se reuniu com o presidente para saber se estaríamos vinculados ao futebol masculino ou a outra modalidade. O Fluminense, neste ano, encerrou suas atividades também por conta disso. Os dirigentes não sabem o que fazer com o futebol feminino, e na esteira disso, os patrocinadores não se entusiasmam.

Acredito que até poderia haver mais boa vontade, mas a realidade é que as empresas e parceiros não sabem como atingir esse alcance ao lado de nossa categoria. E se tiver que apontar um culpado, sinalizaria a CBF.

Nos estatutos de clubes esportivos, há indicação para um determinado número de modalidades olímpicas. As equipes ligadas às mulheres deveriam ser vistas como obrigatoriedade.

Há uma lacuna deixada pela CBF. Deveria partir da entidade máxima uma ação planejada. Mas é muito difícil. Quando sentamos com eles para conversar sobre um calendário, por exemplo, para muitos soa como se quiséssemos algum “favor” ou um “ganho”. Queremos apenas o desenvolvimento do futebol feminino. É uma entidade micropolítica, quase uma máfia, que detém um poder de boa parte da economia do Brasil.

Pedimos seriedade por parte da CBF, atenção. Ela não quer nem mapear quantas atletas estão em ação no Brasil... Como um possível parceiro vai se interessar em vincular a marca dele a um clube que não sabe quando, onde e com quem irá jogar?

Se eu tivesse que identificar o grande problema em relação à mídia: falta de apoio e descaso da Confederação Brasileira de Futebol.

Universidade do Futebol – Você citou o valor do futebol japonês, em especial na última Copa do Mundo de futebol feminino. Há alguns cases de sucesso, como nos Estados Unidos, bem como estruturas consolidadas no Canadá, na Alemanha e na Suécia. Existe algum tipo de intercâmbio entre você e profissionais estrangeiros para auxiliar nesse desenvolvimento da modalidade?

Fabiana Albino – No ano passado, a presidente do Comitê Internacional do Mundial da Alemanha, a Steffi Jones, nos fez uma visita, foi até o clube, mas ela tem toda uma realidade européia sobre o futebol feminino.

Nunca tive contato com o Japão, até um pouco por conta da característica asiática [serem mais fechados]. Nos Estados Unidos, há uma equipe regional que sempre visita o Vasco para a realização de uma espécie de clínica entre atletas e profissionais da área técnica – um encontro amparado pelo consulado norte-americano.

Não acredito ser fácil esse intercâmbio, em virtude da nossa organização esportiva falha. E estendo isso a todos os esportes.

Nos EUA e em todos os países da Europa, há geralmente uma grande organização esportiva, e aquelas regionais, vinculadas a esta grande entidade. Os braços, federações e confederações, fazem o que querem e o que não querem, sem qualquer tipo de integração com o ministério governamental.

Hoje a CBF é totalmente independente do Ministério dos Esportes. E as federações estaduais, idem.

O Bolsa-Atleta, um grandioso projeto nacional, é muito ruim. Muito dinheiro perdido, e poucos atletas sendo efetivamente beneficiados. É o retrato da nossa organização política.

O que o Ministério dos Esportes faz hoje no Brasil? Apenas realiza trabalho de distribuição de verbas. Quem cuida do avanço técnico das diversas modalidades? Há uma representação que tem um ministro a cada hora, e pouco conhecimento técnico-científico.

Universidade do Futebol – Em um relato pessoal publicado em nosso site, Cristina Fonseca, uma ex-jogadora profissional e atual mestranda em Psicologia do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, disse: “de alguma forma o futebol me conectava à liberdade e à criatividade, à ação e ao movimento, ao inesperado e ao possível, e tudo isso desencadeava uma certa numinosidade que no final se traduzia em vida”. Qual é a representatividade desta modalidade para você?

Fabiana Albino – O que ela falou é como eu vejo a expressão de motricidade entre as meninas que jogam: o fato de se ter liberdade, se sentir viva. Para sobreviver no planeta em que sobrevivemos, temos uma natureza motora. Você sobreviveria se você não falasse, não ouvisse, não tivesse estudado, etc., mas não sobreviveria se não tivesse movimento. O planeta é cinético. A partir disso, fomos ao longo da evolução humana melhorando essas combinações de movimento.

O esporte é um refinamento do que podemos fazer com esse movimento. E o futebol, especificamente, por ser um esporte coletivo, te traz essa responsabilidade unitária e ao mesmo tempo conjunta; o fato de ter um objetivo a partir de um implemento, que é a bola, pelos pés, como se aquele implemento fosse parte do seu corpo e ele ser colocado em evidência; e por ter no Brasil o futebol feminino um espaço tão reduzido, uma menina que consegue se “profissionalizar”, é algo muito relevante.

A nossa cultura é baseada no futebol, e a mulher consegue criar esse espaço. É a expressão desta motricidade: meu corpo se movimento dentro de um ambiente sócio-cultural.

Tem uma história, também, de menina que foi convocada para a seleção sub-17. Ao contrário da maioria, ela é de uma família que tem um poder aquisitivo muito bom. O pai dela é almirante da Marinha. E a garota, chamada Ana Clara, iria ser colocada aos sete anos de idade no Balé. Quando mãe e filha foram a uma loja de materiais esportivos comprar uma sapatilha, a criança se encantou por uma chuteira, fez o pedido e revelou que queria jogar futebol.

Universidade do Futebol – De que maneira o Vasco pode atuar na “humanização” do futebol feminino, aumentando ainda mais a relação com cada atleta e integrando a família ao trabalho do clube?

Fabiana Albino – A gente faz algo muito pequeno ainda. Temos uma comissão de pais com quem agendamos reuniões periódicas a partir do departamento de futebol feminino. Não acreditamos na “masculinização” proporcionada por esse esporte – como é falado por muitas pessoas, que ficam presas a essa visão cultural.

Em todos os segmentos temos homossexuais e não é algo diretamente relacionado e típico do nosso ambiente.

Alguns pais, também, mantêm contato com torcidas organizadas em determinados campeonatos, por exemplo, em um processo de tentativa de conscientização do público. Levamos também psicólogas para conversar sobre esse tipo de temática. Mas é muito pouco e temos de avançar.

Uma das metas para 2012 é marcar palestras nas escolas públicas em torno do clube, que irá envolver não apenas alunos, como todas as pessoas da comunidade. Queremos captar mais pessoas para esse contexto. A estratégia da humanização passa por aí.

Fonte: Universidade do Futebol