Em entrevista, Zé Ricardo fala sobre o trabalho no Vasco e planejamento para 2018
Quinta-feira, 07/12/2017 - 14:20
Zé Ricardo, de vez em quando, se permite voltar no tempo e lembrar quando era técnico do time sub-20 do Flamengo na Copa São Paulo de Juniores. Naqueles primeiros dias de 2016, imaginar-se com duas classificações seguidas para a Libertadores no currículo soava como devaneio. Hoje, o treinador do Vasco reconhece que precisava cortar o cordão umbilical com o clube rubro-negro e faz planos para a disputa da competição sul-americana com um conforto que poucos têm em São Januário: em meio às incertezas políticas que rondam a Colina, é bem quisto tanto por situação quanto oposição.

Qual é a sensação depois da vaga na Libertadores com o Vasco?

O sentimento maior é de dever cumprido. O cenário era difícil, mas conseguimos, traçamos metas, devagar, fomos conquistando os pontos, sempre andamos para a frente na tabela, isso deu confiança. Estou vivendo dias de alívio. Foi algo grande que conquistamos, depois de tanto tempo, recolocar o Vasco na Libertadores.

Você já pensava na competição assim que chegou ao clube?

Tenho de ser bem sincero. Primeiro, queria tirar o Vasco de uma situação que pudesse se complicar ao fim da nossa temporada. Fomos traçando metas jogo a jogo e, depois da vitória, contra o Santos, chegamos aos 48 pontos. Na época, os matemáticos diziam que o corte do rebaixamento era 47. Faltavam ainda cinco jogos, e foi importante chegarmos a esse número o quanto antes porque deu leveza para nosso trabalho. O clube estava o tempo todo pensando na Libertadores, mas a preocupação inicial era tirar qualquer risco do Vasco.

Foi difícil deixar o Flamengo?

Logicamente, ninguém quer sair, ser mandado embora. Mas quando escolhemos essa profissão, sabemos que vai fazer parte da carreira. É uma honra de trabalhar num clube como o Vasco, e eu tinha de aproveitar essa oportunidade que a vida me deu. Eu já tinha uma viagem para a Itália programada, queria visitar alguns clubes, mas tive de mudar meus planos. Estar no Vasco foi importante para reforçar o que acreditamos no futebol. Tive mais experiência, e isso não compramos na farmácia. As coisas que acontecem mostram o caminho a ser tomado. Mas não guardo mágoa ou raiva de ninguém.

Por que não aceitou voltar a ser auxiliar técnico no Flamengo?

Cada um tem a sua perspectiva. Eu entendia que seria um constrangimento para o novo treinador. E apesar de pouco tempo no profissional, a base que eu tinha me dava condição de experimentar alguma coisa fora do clube. Eu queria ter isso para mim. Desvincular meu nome do Flamengo era importante naquele momento. Tirar o carimbo de Flamengo seria importante, a ideia era essa. Quando veio o convite do Vasco, além dos motivos profissionais, isso também aconteceria. Eu me sinto ainda mais preparado, em desenvolvimento, apenas com um ano e oito meses de profissional. Tomara que eu tenha a oportunidade de terminar ano que vem no Vasco e sempre atrás de algo maior.

Com a valorização, chegaram propostas para você sair do Vasco?

O que aconteceu foi uma consulta à minha advogada pelo Santos. Uma das chapas que concorre na eleição de lá. Eles me consultaram para, caso ganhem, se eu estaria disposto a assumir o time deles. Eu fui claro. Foi antes da eleição. Apenas duas situações me fariam sair do Vasco: se o novo presidente quisesse trocar o comando ou se o atual me mandasse embora. Quero cumprir o meu contrato, a palavra vem acima de tudo. Deixei o presidente tranquilo, ficaram cientes da consulta, mas falei da minha vontade de ficar.

Como foi a recepção no Vasco?

Hoje é muita satisfação estar no Vasco, o clube me abraçou de uma forma que eu não esperava, do pessoal que serve nosso café aos jogadores, isso facilitou, me deixou à vontade. Devo essa retribuição de trabalhar todos os dias, com afinco, porque realmente foi muito bom, quatro meses bem vividos, tensos e intensos, e valeu à pena. Chegar ao fim do ano falando isso é a realização de qualquer ser humano.

Já conversou com alguém da oposição a respeito de seu futuro?

Ninguém me procurou. Sei pela imprensa, pelos outros, que Felipe e Pedrinho (apoiadores de Julio Brant), que trabalharam comigo no futsal, aprovam meu nome, mas ninguém falou nada comigo. Soube por outras pessoas que a ideia da oposição era manter o comando técnico. Estava tranquilo em relação a isso. Meu contrato é até 2018.

Você colocou o Vasco para jogar de forma diferente do Flamengo?

Isso é engraçado. das críticas que eu recebia era a de que não tinha outra maneira de jogar. O cara que trabalha tanto tempo na base e não tem outra forma de jogar? Mas as pessoas não conseguem enxergar. Jogamos de várias maneiras diferentes no Flamengo. A situação ficou meio insana, em algum momento. Não existia mais avaliação, apenas crítica. Eu não trago mágoa de ninguém. Isso vai dando rodagem, tenho que buscar o equilíbrio sempre, para que eu possa ser uma pessoa melhor, um treinador melhor, um melhor gestor de grupos. Quando ganhamos a Copinha no ano passado, se alguém dissesse que eu estaria onde estou hoje, diria que a pessoa era maluca. Mas depois daquilo, consegui uma classificação em terceiro lugar no Brasileiro, um título estadual, outra classificação para a Libertadores. Eu sou um privilegiado.

E como está o planejamento do Vasco para a Libertadores?

Precisamos de jogadores para os três setores da equipe, já pensando nas saídas que teremos. Ainda não fechamos tudo. Se jogarmos a pré-Libertadores, teremos de acelerar um pouco. Se for a fase de grupos, é outra coisa, teremos tempo para darmos mais rodagem aos garotos no Estadual. O certo é que não faremos a pré-temporada em São Januário. Esse foi um pedido que fiz. A diretoria vai se empenhar para colocar o gramado de são Januário entre os melhores.

Para ir direto à fase de grupos, vale torcer para o Flamengo?

Eu estou à vontade para falar sobre isso. Sempre que tiver um brasileiro disputando, estarei torcendo. Vejo o futebol de forma macro. Quanto mais brasileiros disputando competições internacionais, vou estar torcendo. Diretamente pode ser o outro a ganhar, mas indiretamente ganha todo mundo que vive o futebol. Se queremos ser protagonistas novamente no futebol mundial, começa assim. Se o Flamengo for campeão da Sul-Americana, vai ser fantástico para o Vasco. Teremos mais tempo para trabalhar de olho na Libertadores, um elenco que vai ser bem diferente em relação ao deste ano. Se o Flamengo não ganhar, vamos ter de correr mais com o planejamento, vamos começar antes uma temporada depois de outra em que ralamos para caramba. Não seria inteligente da minha parte pensar de outra forma por causa de uma rivalidade.

Conta com Luis Fabiano?

Muito. Se ele conseguir recuperar a parte clínica e um pouco da física, já vai ajudar bastante. Foi difícil ver ele pedindo pra sair, revoltado com a dor. Ele dispensa comentários, e conto com ele. Mas passa pelo que vai acontecer, o que ele vai pensar para 2018. Ele tem que estar feliz.

Depois do jogo de domingo, você falou a respeito do passado do Vasco ligado à Consolidação das Leis Trabalhistas e disse que estão tirando isso do povo atualmente. Como vê a situação do país?

Como cidadão, fico triste, decepcionado. A gente está sempre com a expectativa de que pode melhorar e as coisas nos últimos anos pioraram. Os serviços públicos pioraram, as condições do povo pioraram. Sou professor. Muitos colegas do Estado e do Município estão passando dificuldades. Deveriam ser valorizados. Isso me deixa chateado mesmo. A segurança é um terror. A saúde com as pessoas com dificuldade nos hospitais. Você não vê um setor funcionando. Quando você é patriota como eu sou, gostaria de ver o país brilhando. Aí vai para o esporte, e em menos de dez anos teve Pan-Americano, Copa do Mundo, Olimpíada, e você vai jogar nessas arenas com tudo abandonado com pouco anos de uso, é inacreditável. Machuca. Não posso olhar só para o futebol e ficar alheio. A sociedade que pensa individualmente é fadada ao fracasso. Quanto mais aumentar a desigualdade, o buraco vai trazendo consequências graves. E começa a viver na regra do cada um por si e isso não é cidadania. As consequências aparecem nas próximas gerações. Meu filho de nove anos vai encontrar o quê? Escutamos que seríamos a geração do futuro, que íamos consertar o país. Esperamos que esse pessoal do Ministério Público, da Polícia Federal, eles estão sendo corajosos, mexendo com gente grande, é uma esperança para ver o país evoluindo. E isso não é a pequeno e médio prazo. É a longo prazo, mas precisa ser feito. Mas o que vai ser de nós? É triste. Temos pouca possibilidade de falar, mas temos que demonstrar, dar voz, vocês (da imprensa) são fundamentais, para nada disso cair no esquecimento.

Como vê o momento dos garotos do Vasco?

É precoce falar dos meninos do Vasco. Cada um tem a sua oportunidade. Às vezes a necessidade do clube faz um jogador aparecer mais ou menos. Acontece. A história do Arão no Corinthians é isso. Subiu com Ralf, Elias e começou a rodar porque não teve espaço, mas se mostrou grande jogador quando teve chance. Mateus Vital é uma realidade, o Paulinho também. O Evander tem muito potencial, mas deu uma caída no aproveitamento, mas retomou o ritmo no final. O goleiro Gabriel deu conta do recado, tem muita força, é corajoso. Tem Andrey, Bruno Cosendey, Alan. O Ricardo é um zagueiro talentoso, mas temos jogadores para dar suporte que faz com que ele tenha pouco espaço. O Vasco está bem servido.

E os do Flamengo, muitos que você revelou na base?

Com o Paquetá, mantive contato durante um tempo. No primeiro jogo com o Cruzeiro, pela Copa do Brasil, ele fez o gol de empate e eu mandei mensagem para ele. Não tenho dúvida de que será um grande jogador, já é. Tem muito talento. Soube esperar o momento dele. O ano chave dele de virada para atleta foi 2015, no primeiro ano de juniores, teve um primeiro semestre que pouco jogou. A geração era forte. O time tirou férias no meio do ano por causa do calendário. Aí falei para ele se preparar, que queria botar ele para jogar, e fez um segundo semestre maravilhoso. Ele continuou na equipe, e isso serviu de base para 2016 na Copa São Paulo. A gente sabia que desse grupo muitos poderiam buscar a titularidade com calma. Ele me chama muita atenção. Toda vez que acompanho, vejo com atenção, porque tenho certeza que vai virar um grande jogador.



Fonte: Extra Online