Revelado pelo Vasco e hoje no futebol tailandês, Botti conta histórias de seus 13 anos de Ásia

Terça-feira, 05/01/2016 - 09:16
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Imagine você, caminhando pela calçada, ter que fugir de uma motocicleta, que tenta se desvencilhar do trânsito. Ou então, pense em procurar algo para comer nas barraquinhas do centro de uma cidade e encontrar grilos e baratas para aquela boquinha no meio da tarde. Quando deixou o Vasco em 2001 para assinar contrato com o Jeonbuk Hyundai, da Coreia do Sul, Raphael Botti também não imaginava passar por esse tipo de situação. Porém, 13 temporadas depois, ele, que passa férias em Juiz de Fora, Minas Gerais, junto com a família, segue no futebol asiático e acaba de renovar contrato com o Army United, da Tailândia.

Após viver na Coreia do Sul e no Japão, onde jogou pelo Vissel Kobe, Botti teve que se adaptar à cultura tailandesa. Afinal, viver em Bangkok, cidade que tem mais de 8 milhões de habitantes, é algo bastante curioso. E haja excentricidade.

Quando se fala em população grande, logo se pensa em mobilidade urbana e trânsito. Segundo Botti, não há nada mais caótico do que se movimentar na capital da Tailândia. O número de motocicletas demonstra isso, segundo o jogador. Mas é o modo encontrado pelos motociclistas para não ficarem presos no tráfego que assusta quem vem de fora.

– Quando cheguei aqui, eu fiquei assustado, sério! Pô, você tá no passeio e, de repente, vem uma moto na sua direção? Isso rola direto. Quando eu estou andando na calçada e ouço o barulho, já encosto na parede para eles passarem. E não é um por moto não. Já vi três, quatro pessoas na mesma moto. É uma loucura o trânsito lá. Você leva uma hora e pouca, duas, para andar dois quilômetros. O temporizador de alguns semáforos tem tipo 500 segundos. Dá para dormir esperando abrir. E se você não conseguir avançar, pelo congestionamento, são outros 500. É complicado andar lá – contou.

A culinária asiática pode ser estranha a muitos brasileiros pelos temperos e pratos em geral. Botti afirma que não teve problemas, já que a metrópole onde vive oferece boas opções gastronômicas e comércio de produtos importados. Assim, o jogador pode comer arroz, feijão e carne, normalmente. Porém o que ele vê à venda nas ruas é de embrulhar o estômago.

– Olha, é muita coisa diferente. Você passa no mercado, tem umas barraquinhas que vendem muita coisa bizarra. Outro dia fui a um lugar e tinha um pessoal vendendo barata e grilo, no meio da galera. E o pessoal curte. Além disso, tem companheiro de time que já me mandou vídeo aqui assando rato, para comer mesmo. Não tem condição, não desce de jeito nenhum – disse, com muito bom humor.

Sobre o clima, Botti não reclama muito. São 40°C, no inverno. Mas para quem enfrentou um frio de -30°C na Coreia do Sul, está tudo bem. Quando chegou ao país em 2002, ano em que o local sediava a Copa do Mundo, para defender Jeonbuk Hyundai, onde foi bicampeão da Copa da Coreia e Campeão da Copa da Ásia, passou por maus bocados. Tudo porque não apertou um botão.

– Na Tailândia é tranquilo. É calor, mas os treinos começam às 17h. O problema era na Coreia. Depois de ir para um hotel lá, me arrumaram um apartamento. Eu não sabia que lá era frio e o diretor do meu clube não me avisou nada. Ele disse para eu ficar lá, comer, tomar banho e, dentro de dois dias, ele voltaria lá e me levaria ao treino. Eu colocava casaco, blusão, coberta em cima de coberta e nada do frio diminuir. A água não gelava e eu fiquei dois dias passando frio. Quando ele veio para me levar para o treino, ele notou que a casa estava gelada e ficou meio sem entender o que estava acontecendo. Aí ele apertou o botão para aquecer o chão. Lá a calefação acontece assim. A casa esquentou rapidinho e tudo fez sentido – brincou.

Se Botti enfrenta todas estas dificuldades fora de campo, dentro dele a coisa fica um pouco mais fácil. Geralmente, o meia se comunica em inglês. No entanto, o técnico do Army United é um tailandês, o que torna necessária a presença de intérprete nos treinos.

O problema é quando quem tem que traduzir não sabe nada de futebol. Em 13 anos de Ásia, Botti afirma que já trabalhou com intérpretes que não entendiam de bola, o que dificultou muito as coisas.

– Na maioria das vezes, os caras que vêm para traduzir o que o treinador pede. São bons, entendem de futebol. Mas já aconteceu de um cara que não sabia nada traduzir treinos para mim. Era complicado demais. O cara tem que falar o boleirês. O curioso é que depois de um tempo, com a gente falando todo dia sobre o assunto, o cara passou a se interessar por futebol e a entender o esporte – contou.

Mas Botti não passou apuros com a linguagem só na Tailândia. Quando chegou à Coreia, ele precisou recorrer a um nome comum para não precisar encarar a comida coreana.

– Quando eu cheguei na Coreia, me levaram para um hotel. Fui no último andar comer. Tinha um bife de porco, com molho doce em cima e muita pimenta. Eu tinha 21 anos, só falava inglês e não tinha como pedir outra coisa, não dava para comer. Como o hotel era panorâmico e tinha vista para a rua, eu chamei a garçonete, apontei para fora e falei "McDonald's". Ela sacou o que eu queria e me apontou a direção. Peguei um táxi e fui para lá. Meus amigos na Tailândia passam aperto também, só que na hora de ir ao supermercado. As esposas não sabem falar o idioma local e quando vão comprar carne de boi por exemplo, precisam por o dedo em cima da cabeça, imitar chifre etc – lembrou.

FUTEBOL TAILANDÊS

Dentro de campo, Botti fez três gols no campeonato e foi um dos artilheiros do time. Depois de uma temporada em que chegou às semifinais das copas nacionais pelo Army United, resolveu permanecer no clube em 2016. De acordo com ele, o país tem investido muito em futebol e isso o motivou a renovar o compromisso com o clube.

– Apesar de não ter tanto tempo na era profissional, o futebol na Tailândia tem crescido demais. Os clubes estão investindo, têm trazido estrangeiros para cá. Há um limite de cinco por clube e tem pelo menos dois brasileiros em cada equipe. Por isso tive vontade de permanecer. Bangkok é uma cidade boa para mim, me oferece tudo e estou feliz – comentou.

O ano de 2015 ficou marcado para o jogador por um gesto de solidariedade. Conterrâneo de Botti, Vítor Siqueira é um garoto de Juiz de Fora que sofre de distrofia muscular de Duchenne, e que fez o tratamento na Tailândia. Sabendo que o menino iria ao país onde atua, Botti não pensou duas vezes: chamou o garoto para assistir a uma partida do Army United pelo Campeonato Tailandês, fez um gol e homenageou Vítor.

– Eu me coloquei à disposição da família dele quando soube que ele iria para a Tailândia e os convidei para assistirem a um jogo. A organização da partida deixou que ele assistisse ao jogo perto do nosso banco de reservas. No primeiro tempo, eu joguei com uma camisa só. No intervalo, coloquei mais uma e decidi que, se fizesse o gol, iria entregar a camisa a ele. Acabou que o gol saiu, dei a camisa e ainda o levei para o campo – finalizou o jogador, que foi aplaudido pelo torcedores no estádio.



Fonte: GloboEsporte.com (texto), Reprodução Internet (foto)