Apenas 6 dos 20 times da Série A não demitiram técnicos neste Brasileiro; Vasco e Joinville já estão no 3º treinador

Sábado, 22/08/2015 - 04:38
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O Campeonato Brasileiro de 2015 tem sido marcado pelas constantes alterações no comando das equipes. Joinville e Vasco, por exemplo, já estão no terceiro técnico. Se por um lado os clubes são os principais responsáveis pelo elevado número, por outro, os treinadores também têm sua parcela de "culpa" nesse vai e vem. Um exemplo é Argel Fucks, que estava no Figueirense desde julho de 2014, mas aceitou a proposta do Internacional e também entrou para a lista de mudanças.

Em um cenário marcado por trabalhos a curto prazo e planejamentos que não sobrevivem à primeira crise, apenas seis treinadores estão à frente de seus times desde o início da competição. Tite (Corinthians), Levir Culpi (Atlético-MG), Eduardo Baptista (Sport), Milton Mendes (Atlético-PR), Vinicius Eutrópio (Chapecoense) e Gilson Kleina (Avaí) têm superado os desafios para conquistar uma sequência no cargo.

Afinal, é a campanha que sustenta os técnicos? Ou é graças à continuidade do trabalho que os times conquistam um desempenho acima da média? O Timão de Tite e o Galo de Levir estão no G-4 do Brasileirão, numa acirrada briga pela liderança – a equipe paulista assumiu a ponta nas últimas duas rodadas do primeiro turno. O Leão de Eduardo Baptista e o Furacão de Milton estão na cola dos quatro mais bem colocados – grupo que já frequentaram em alguns momentos. A Chape de Eutrópio é o nono colocado, e o Avaí de Kleina, o 16°. Independentemente da resposta, hoje os seis técnicos são exceções.

Com os rumos do futebol brasileiro em debate desde o vexame na Copa do Mundo de 2014, os seis treinadores têm credenciais para comandar uma reformulação. Entre as novas ideias, além de questões táticas, estão o fim de coletivos, rachões e até de concentrações, funções que vão além das quatro linhas e treinamentos inovadores (pelo menos em solo brasileiro). Confira a seguir um pouco sobre a carreira e o trabalho de cada um dos seis sobreviventes. De exceção, que eles virem regras e possam contribuir na evolução do futebol nacional.

Ele não é uma novidade no mercado de técnicos. Longe disso. Entre os seis remanescentes, Tite é o maior vencedor: só no Corinthians, em sua passagem anterior conquistou o Brasileirão 2011, a Taça Libertadores 2012, o Mundial de Clubes 2012 e a Recopa 2013. Porém, principalmente por conta do período sabático em 2014, que incluiu um estágio com Carlo Ancelotti no Real Madrid, ele é uma das caras dessa reformulação. O treinador de 54 anos praticamente extinguiu o rachão no clube. Por outro lado, aposta muito em treinos táticos e atividades em campo reduzido. Tudo para melhorar a posse de bola e a compactação.

No Timão desde dezembro do ano passado, Tite avalia o trabalho e destaca a paciência da diretoria alvinegra durante esse "processo de construção."

– Não é questão de fazer algo novo, mas sim de aplicar conceitos, maneiras de jogo e conseguir fazer a equipe jogar dessa forma, com compactação, pressão alta, intensidade e padrão. A cobrança aqui (no Corinthians) é grande, mas o clube tem essa paciência de entender que é uma equipe em processo de construção.

No comando do Galo desde abril do ano passado, Levir Culpi é o veterano da turma, com 62 anos. Mas é um dos responsáveis por implantar novidades no futebol brasileiro. Uma delas, inspirada no futebol japonês (ele comandou o Cerezo Ozaka de 2007 a 2013), foi o fim da concentração. Quando a partida é em Belo Horizonte, por exemplo, os jogadores se apresentam cerca de cinco horas antes na Cidade do Galo. Quando é fora, a delegação costuma viajar um dia antes. Ou seja, todos têm a chance de ficar mais tempo em casa com suas famílias.

– Deu um resultado legal, e hoje ninguém mais fala sobre isso. Mas, em termos gerais, o que cobro dos jogadores, e que tinha muito no Japão, é o senso de organização da equipe, da obediência tática. Aqui no Brasil, o jogador não é muito obediente taticamente. É uma cultura nossa. Tento cobrar isso dos atletas.

Dentro de campo, Levir – que escreveu o livro "Um burro com sorte?" – tem armado times bastante ofensivos, às vezes com apenas um volante. O número de gols marcados no Brasileirão reflete a postura: já são 33, que deixam o Galo líder no quesito.

Eduardo Baptista é uma das gratas surpresas do Campeonato Brasileiro, mas de início teve de encarar certa resistência. Quando ainda era interino, a torcida pedia a contratação de seu pai, Nelsinho Baptista, para assumir o comando do Sport. O ex-preparador físico acabou ficando e, pouco a pouco, conquistou a confiança de todos. Mesmo em momentos turbulentos, como nas eliminações nas semifinais do Campeonato Pernambucano e da Copa do Nordeste, a diretoria rubro-negra o manteve. Os resultados apareceram no Brasileirão. O clube é o sétimo colocado, a apenas dois pontos do G-4.

Eduardo Baptista, de 45 anos, costuma assistir a vários jogos – do próprio Sport, dos adversários, do futebol europeu... Além disso, lê bastante e também planeja realizar um curso de técnico na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ele avalia que consegue colocar toda a teoria em prática na equipe pernambucana:

– Nós montamos a equipe, a maneira de jogar. A maneira como colocamos o Sport em campo é uma maneira aguerrida, mas jogando bola. Tudo isso casou com o planejamento, de usar as categorias de base, de dar oportunidade a esses meninos. Estamos conseguindo sucesso assim.

Milton Mendes é – assim como Eduardo Baptista – um dos símbolos da nova geração de técnicos do futebol brasileiro. Após apostar em nomes mais conhecidos, como Claudinei Oliveira e Enderson Moreira, a diretoria do Atlético-PR deu uma chance a ele, que nunca tinha comandado uma equipe na Série A do Brasileirão. Milton construiu a carreira em Portugal e no Qatar, além de ter realizado estágios com o português José Mourinho e com holandês Louis Van Gaal. Chamam a atenção as suas inspirações: o futebol jogado na Itália, pelo aspecto tático; na Inglaterra, pela posse de bola; e, surpresa, na Escócia, pela transição rápida.

Adepto do 4-2-3-1, o treinador de 50 anos assumiu um time que lutava contra a queda no Campeonato Paranaense e o levou ao atual oitavo lugar no Brasileirão. Uma das novidades no seu trabalho em relação à cultura brasileira é que Milton Mendes não realiza coletivos. Ele opta por outras atividades para organizar o time taticamente.

– Não se faz mais coletivo. Eu não faço. Faço um trabalho de 10 contra 10, por exemplo, mas pausado, de posicionamento. O que acho de extrema importância é trabalhar a organização. Tática e organização são a minha linha mestra. É preciso organizar, não só dentro de campo, mas também fora dele, os seus microciclos, fazer com que os trabalhos estejam linkados uns com os outros, dentro de um padrão tático. Esse é o caminho. Talvez esteja aí o porquê de as equipes europeias estarem um pouco à frente taticamente. Mas já vejo equipes aqui jogando muito bem, como Palmeiras, Corinthians, Sport, Flamengo e Grêmio.

Vinícius Eutrópio tem no currículo passagem por clubes como Atlético-PR, Fluminense e Figueirense após pendurar as chuteiras. Nos dois primeiros, inclusive, trabalhou tanto como treinador quanto como coordenador técnico. Assim, pôde conhecer e viver de perto as características de cada área. Aos 49 anos, põe todo esse conhecimento em prática no clube catarinense. É quase um manager – cargo comum na Europa, onde os técnicos desempenham funções que vão muito além das quatro linhas.

E o trabalho vai dando resultado. Mesmo com menos recursos que alguns gigantes do futebol brasileiro e sem estrelas no time, a Chapecoense faz uma campanha digna. Está na nona posição, mais perto do G-4 (cinco pontos) do que da zona de rebaixamento (nove).

– O que tento implementar é o trabalho num sistema integrado e basicamente utilizando muito o gerenciamento de pessoas. Absorver e potencializar o que cada um tem de melhor. Vivenciar o clube num todo. Com isso, passo mais tempo dentro dele. Como desempenhei todas as funções num time, como jogador, auxiliar técnico e coordenador da base, e sou formado em Educação Física, me preparei para uma visão global do futebol. Exerço essa visão na Chapecoense e a potencializo a todos os funcionários do clube. E respeito as características dele. Um exemplo legal, não que seja o principal, é que eu visito os consulados do clube, faço jogo com eles, reunião, exponho e participo de palestras. Isso tudo para chamar novos torcedores. Vivencio muito o clube. É potencializar a questão da gestão.

Gilson Kleina mostra que, mesmo nas últimas posições, um técnico também pode ter sequência no trabalho. O Avaí – que já tinha brigado contra a queda no Campeonato Catarinense – está perto da zona de rebaixamento no Brasileirão. Fica à frente, por exemplo, do Joinville, que já está no seu terceiro técnico no campeonato. O estilo dele é uma das explicações da continuidade. Kleina é bastante participativo, costuma conversar com todos no dia a dia do clube e adota a meritocracia. Mesmo quando um atleta considerado importante volta após suspensão ou lesão, precisa disputar espaço por um lugar entre os 11.

Talvez o mais pressionado dos seis técnicos remanescentes (até pela situação do Leão da Ilha na tabela), Gilson Kleina, de 47 anos, confia que trabalhos de longo prazo dão resultados.

– Acredito e está comprovado que a longevidade traz resultados. Isso permite que você se adapte ao clube, de que maneira trabalhar com uma força dentro e fora de casa. Isso passa por uma análise, e acho que cada vez mais os dirigentes têm que entender o perfil do treinador. Tem que ter um início, meio e fim, e é preciso estar delineado o objetivo do clube. O futebol ficou praticamente um colegiado. Antigamente, o treinador podia fazer trocas, contratar. Agora não. Há comissão, analista de desempenho, diversos procedimentos. Mas há a cultura do futebol brasileiro. Há equipes que estão no terceiro comando, o que muda tudo, desde a preparação física até a psicológica. Entendo cada vez mais que os clubes busquem com as comissões uma legislação para ter controle sobre isso, que nosso futebol possa evoluir.

Fonte: GloboEsporte.com