Agora senador, Romário reafirma boa relação com Eurico, mas não assume lado na eleição do Vasco

Domingo, 02/11/2014 - 09:33
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Se cada um dos problemas do futebol brasileiro fosse transformado em um gol da Alemanha, o vexame sofrido pela seleção de Scolari no Mineirão seria ainda maior do que os 7 a 1. A opinião é do senador Romário (PSB) que, à beira da piscina de um condomínio no bairro carioca da Barra da Tijuca, detonou o futebol brasileiro, dentro e fora das quatro linhas. Dono de uma votação recorde (mais de 4,6 milhões de eleitores o escolheram), o ex-camisa 11 do Brasil conversou com o “Globo a Mais” para a série “Gol da Alemanha”.

Ele, que diz não ter “rabo preso com ninguém”, elencou os parlamentares que fazem parte da base de sustentação da CBF em Brasília, não negou ser amigo do cartola vascaíno Eurico Miranda e disse não ter ideia de quem é o nome mais indicado para presidir a entidade máxima do futebol pentacampeão do mundo. Para ele, faltam talento e estrutura na formação dos jogadores e os treinadores, da base e do profissional, brigam por jogadores apenas obedientes. Enquanto os dirigentes, na linguagem habitual do Baixinho, “não sabem p* nenhuma de futebol”.

A gíria “Gol da Alemanha” vem sendo usada para simbolizar os problemas do futebol brasileiro. Para você, o que significa essa expressão?

Olha, essa expressão é muito bem colocada. É realmente o que significa o futebol brasileiro depois daquele vexame, tanto fora da Copa pelos gastos, quanto na partida em si. Uma situação vexatória que ficará marcada na História, que não vamos mais esquecer. Se pensar nos problemas que temos no nosso futebol, a Alemanha fez poucos gols. Temos a corrupção, a falta de informação, a falta de profissionalismo, o enriquecimento ilícito de muitos, o desconhecimento das pessoas da CBF em relação à necessidade do futebol, o despreparo das pessoas que tomam conta do nosso futebol, temos um calendário péssimo, temos uma qualidade de futebol ruim, falta de grandes jogadores no país e o Brasil, infelizmente, não tem moral no mundo do futebol para reverter isso. Espero que outras pessoas apareçam. Cabeças interessantes, profissionais sérias e competentes que possam ajudar o Brasil. Porque, do jeito que está, o Brasil não vai a lugar nenhum.

Quais são suas críticas à base do futebol brasileiro? Quais os problemas no processo de formação?

A base do futebol brasileiro, desde de quando eu comecei a jogar, nunca teve estrutura profissional. Ter habilidade e técnica é dom. Com repetições e treinamento, você melhora isso. Na minha época, os treinadores que eu tive me incentivam a melhorar na prática, no treino. Pelo que tenho ouvido muito e lido sobre o tema aqui no Brasil, hoje os treinadores não estão tão preocupados em ter um jogador muito técnico e um jogador habilidoso. Eles querem um jogador competitivo. Eles querem força física e disposição. Obediência. Isso é o que mais importa: determinação. Por isso que a gente tem visto essa entressafra de grandes jogadores hoje. Tá longe de melhorar.

A CBF é capaz de viabilizar essas mudanças?

A maior entidade do futebol brasileiro é a CBF. Ela tem um artigo que prevê fomentar o futebol de base e o futebol feminino. O que eles fazem para isso? Se eles têm uma obrigação estatutária e não cumprem, o que nós vamos esperar? Nosso futebol está em péssimas mãos. Não é só o fato de eles enriquecerem ilicitamente. Eles não sabem fazer p* nenhuma. Não fazem porque não sabem. Eles não têm a sabedoria de colocar ninguém que saiba do assunto. Eles não conhecem nada. Temos um exemplo agora. O Gilmar Rinaldi (diretor de seleções da CBF) não pode ser diretor do time de praia de ninguém. Gilmar não é competente para isso. Ele tem problemas com a Fifa, com o Adriano, com o Romário. Tudo por problemas da época em que ele era agente. E agora a CBF coloca o Gilmar como dirigente. A gente não vai a lugar nenhum com isso.

Quais as pessoas que você indicaria para comandar o futebol brasileiro?

Eu vou te responder o seguinte: não faço ideia. Lá atrás, me lembro de ter citado o nome do presidente do Botafogo (Mauricio Assumpção). Infelizmente, minha opinião se provou equivocada. O Andrés Sanchez (ex-presidente do Corinthians eleito deputado federal pelo PT-SP) também. Diferentemente de muitos, eu assumo quando erro. No momento, não tenho um nome. Existir tem que existir. Profissionais capazes existem em qualquer lugar. Mas do jeito que está, a tendência é só piorar.

O futebol é deixado de lado pelas autoridades?

Lá fora, a gente vê, além de projetos, outras coisas. Aqui no Brasil não existe nenhum programa relacionado à categoria de base vindo de alguma esfera de governo. Por exemplo, nos debates para os cargos, ninguém, fora eu, falou sobre o esporte. Nenhum candidato, em qualquer esfera, mostrou alguma coisa sobre o assunto. Não existe no Brasil a consciência de que é através da base que vamos dar a volta por cima. Na Alemanha, a base que ganhou a Copa do Mundo foi formada para vencer a Copa de 2018. Eles venceram essa por "acidente". Os caras jogam juntos há, no mínimo, quatro anos. A nossa seleção se reúne uma vez por mês, cada jogador joga junto uma vez por mês. Nos clubes, a cada seis meses há um treinador diferente. Não tem tempo de fazer um grupo. Falta entrosamento.

Hoje, o futebol brasileiro está em um patamar abaixo entre os melhores do esporte?

O Brasil não é considerado um país de terceiro mundo? No futebol a gente também é terceiro mundo. Estamos longe de ser o que a gente foi no passado. É claro que ainda tem o nome do Pelé, do Romário, do Ronaldo. Antigamente tinha o nome do Garrincha, do Didi, e hoje tem o nome do Neymar. Fora isso, o futebol brasileiro não tem nada. Eu me lembro que, na minha época, ainda existia respeito. Antes da minha época, era medo. Quando eu jogava, os outros tinham respeito pelo futebol brasileiro. Agora não. Quando entra em campo, a seleção brasileira é vista como mais uma.

Qual é o papel do Bom Senso nisso tudo?

O Bom Senso é um grupo bastante interessante que surgiu para dar opiniões que são benéficas para o nosso futebol. Principalmente quando falam sobre o calendário, quando querem repensar os nossos campeonatos. Os jogadores não têm como render fisicamente, psicologicamente e tecnicamente com o calendário que existe no Brasil. O Bom Senso também é uma entidade que mostra a necessidade de profissionalizar o futebol.

Por que mudar o calendário é tão importante?

O futebol do Brasil melhora em 50% se mudar o calendário. Financeiramente falando, até mais. Não posso precisar quanto. Enquanto esse calendário não for regularizado, a gente vai sofrer.

Qual o peso da Bancada da Bola nesse jogo?

O problema não é a Bancada da Bola. Eu, com muito orgulho, digo que faço parte da Bancada da Bola. O problema no Congresso é a Bancada da CBF. E ela é diferente da Bancada da Bola. Eu tenho certeza, conhecendo bem o Andrés Sanchez, que ele vai fazer parte da Bancada da Bola, que vai lutar contra a CBF. A Bancada da Bola luta para que a Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte vá à plenário e, uma vez lá, que a gente coloque algumas emendas que foram retiradas do relatório final do Otávio Leite (PSDB-RJ) por pressão do ministro, do Presidente da Câmara e da Bancada da CBF. A política positiva do futebol vai começar a entrar em campo a partir do momento em que essa lei for aprovada. Queremos colocar tudo aquilo que saiu. Vamos tentar fiscalizar e responsabilizar a CBF, criar um fundo para investimentos na base. E essas são ideias positivas e interessantes que eu acatei do Bom Senso.

Você pode citar alguns parlamentares que fazem parte da Bancada da CBF?

Rodrigo Maia (DEM-RJ), Vicente Cândido (PT-SP), Jovair Arantes (PTB-GO), Guilherme Campos (PSD-SP, que não foi reeleito) e Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). O José Rocha (PR-BA) se comprometeu comigo e disse que não faz mais parte da Bancada da CBF.

Você foi criticado por receber doações de empresas parceiras da CBF. Acha isso uma contradição?

Eu recebi doação da Ambev para a minha campanha. As pessoas agora pensam que eu vou aliviar porque recebi dinheiro da Ambev. Quando eu sentei com a Ambev, com alguns bancos e empreiteiras, eu deixei bem claro: "certo é certo. Errado vai levar porrada. Se vocês puderem me ajudar dessa forma, ótimo. Mas se vocês acham que eu votar contra aquilo que eu acredito e vou votar pelo interesse vocês, estão enganados". Eu não tenho rabo preso com nada nem com ninguém.

Agora como senador, como pretende viabilizar a realização da CPI do Futebol?

A CPI da CBF está na casa. A última vez que eu estive com o presidente da casa, ele me assegurou que quando chegar a hora ele vai abrir a votação. Da última vez, ela era a quarta da fila. Eu acredito que, nessa volta da eleição, ele terá o bom senso para a gente abrir essa CPI. Ela vai servir para a gente mostrar ao Brasil os roubos que acontecem na CBF. Se ela não for aberta na Câmara, ela será aberta no Senado. Estou comprometido com o senador Randolfe (PSOL-AP) e com o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) que isso acontecerá. Essa caixa preta tem que ser aberta.

O Ricardo Teixeira está nessa lista de quem vai depor?

CPI é diferente de audiência. Depor a uma CPI é obrigação. Ricardo está entre os envolvidos. Ele e muitos outros. Os atuais comandantes da CBF também.

Qual a sua opinião sobre a Lei Pelé?

Uma das coisas que mais prejudicam o futebol brasileiro é a Lei Pelé. Não vou saber dizer quais os artigos, mas quatro ou cinco são totalmente contrários à modernidade do futebol, à melhora e, principalmente, à profissionalização. Posso adiantar para vocês: vou esmiuçar, junto com o jurídico que trabalha comigo, todas as partes dessa lei. Posso te dizer um ponto: um clube formador dá tudo aquilo que o seu jogador precisa. Chega a um determinado momento em que ele pode deixar o clube de graça. Isso é péssimo. O clube tem que ser, sim, dono de todos os direitos econômicos do seu jogador. O atleta não pode ser fatiado entre os empresários João, Pedro, etc. Hoje, um jogador é repartido em 10 pedaços. Isso não existe. Os empresários são importantes sim. Principalmente os que realmente acompanham os seus jogadores. Mas as negociações precisam ser feitas entre os clubes. De clube para clube. Os empresários podem ter comissões, mas eles não podem levar jogador de clube em clube. Eles não podem ser donos de nada. A gente tentou colocar isso no Proforte e não deixaram passar.

O senhor critica o comando do futebol brasileiro. Mas, na sua época de jogador, foi aliado de nomes como Eurico Miranda e Edmundo Santos Silva. Se arrepende de alguma forma?

Na verdade, esses caras eram presidentes dos clubes. Por mais que eu não quisesse, por mais que não gostasse, eu tinha que acatar algumas decisões. Eu tinha boa relação com todos. Meu pai sempre dizia que ordem errada não se cumpre. Mas, às vezes, a gente tem que cumprir. Eu não me arrependo de nada não. Eu tenho boa relação com o Eurico. Gosto dele, nossas famílias são amigas. Em relação à eleição no Vasco, quem tem que decidir são os sócios. Qualquer um dos candidatos é melhor que o Roberto Dinamite. Qualquer administração é melhor do que essa atual. Se o Eurico for escolhido, boa sorte para ele. Se eu puder ajudar, vou ajudar.

Fonte: O Globo Online