Nas últimas eleições do Vasco, ações na Justiça viraram rotina

Terça-feira, 16/09/2014 - 09:19
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Nesta terça-feira, mais de seis anos depois de Roberto Dinamite assumir o poder, finalmente o Vasco começa um atrasado recadastramento. O mesmo trabalho que estava previsto em contrato assinado em 2009, meses após o atual presidente ser eleito, e que também era considerado "imperioso" de ser realizado durante o processo eleitoral de 2011 - com votos unânimes do Conselho Fiscal e do então presidente da Assembleia Geral, Olavo Monteiro de Carvalho. Cercado de expectativa por todas as chapas, o recadastramento pode atualizar um cadastro que sempre rende polêmicas e evitar que, no futuro, velhos problemas levem novamente as eleições vascaínas para a Justiça - o que virou rotina nos últimos pleitos na Colina.

Na semana de início de recadastramento, aliás, novas emoções podem vir do poder judiciário - o prazo para o Vasco se manifestar no processo que pretende suspender a prorrogação de mandato de Dinamite se encerrou nessa segunda-feira -, mas a presença de advogados do clube e de representantes das chapas nos tribunais está longe de ser novidade no clube.

Em 2006, depois de Eurico Miranda vencer a eleição pela diferença de 439 votos para Roberto Dinamite, o pleito terminou sendo anulado na Justiça, em longa batalha judicial que terminou em decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Anos depois, na reeleição do atual presidente do Vasco, em 2011, com parte da diretoria que o elegeu já na oposição, novas irregularidades, muitos protestos e contestações a respeito da entrada de mais de dois mil associados do programa “O Vasco é Meu”. Houve até uma decisão de outra anulação do pleito, que depois foi revertida. No fim do ano passado, o caso ainda estava sendo discutido, mas Dinamite conseguiu vencer na Justiça. As desconfianças e os motivos, porém, se sucedem: falta de comprovantes de adimplência ou de atualização de registros dos associados, cadastros sem informações, com registros incompletos e errados ousem requisitos básicos para a transparência do processo.

Na eleição de 2011, mais de um ano antes dos vascaínos irem às urnas, o então presidente do Conselho Fiscal Hercules Figueiredo escreveu para o presidente do clube Roberto Dinamite e para o presidente da Assembleia Geral, Olavo Monteiro de Carvalho. Ele fazia um pedido oficial por informações do cadastro geral de sócios pagantes adimplentes, inadimplentes e isentos para iniciar toda a revisão e apuração dos sócios elegíveis e dos eleitores para 2011. Até as vésperas da eleição não houve qualquer resposta da diretoria e do presidente da Assembleia.

Como já acontecia nas gestões anteriores, de Eurico e Calçada, as chapas que concorreriam contra Dinamite precisaram ir para a Justiça para conhecer as informações básicas de concorrentes de uma eleição. Ou seja, os sócios com direito a voto e aqueles que poderiam ser eleitos. As reclamações faziam referência ao não cumprimento do que pede o artigo 14 do estatuto vascaíno, que pede a assinatura do proposto, do proponente, além de dados pessoais básicos, como filiação e endereço. “A diretoria administrativa foi negligente na fiscalização direta dos serviços da contratada quanto aos novos sócios que aderiram ao programa 'O Vasco é meu'", cobrava Hércules para Olavo, em 14 de abril de 2011.

Em uma das reuniões para julgar impugnações, Olavo e os três membros do Conselho Fiscal votaram pela “necessidade imperiosa de um amplo recadastramento do quadro social do clube”.

“Quem sabe inúmeros marginais?”

Eurico Miranda, como presidente do Conselho de Beneméritos e apoiador do então candidato Pedro Valente, também protestou contra o desenrolar do processo eleitoral e a demora da empresa terceirizada que controlava o programa de sócios (Jeff Sports) em repassar ao clube o banco de dados do seu cadastro particular de associados do novo programa de sócios.

- Como há de convir... esta omissão coloca em dúvida a regularidade da situação desses novos “sócios”, admitidos sem o preenchimento e assinatura de proposta, pelo novo sócio e pelo proponente, sem o parecer da Comissão de Sindicância e, finalmente, sem a aprovação e assinatura do presidente do clube – dizia Eurico, também para Olavo, em carta.

Eurico questionava os antecedentes dos novos associados - três anos depois, a adesão em massa de março e abril para as eleições de 2014 sofria da mesma desconfiança por adversários e enfrentaria investigações fora do clube. O atual presidente do Conselho de Beneméritos dizia que a falta de informações “coloca em sério e indiscutível risco a própria instituição de ter recebido, em quadro social, talvez apenas um, ou, quem sabe, inúmeros marginais, ou, no mínimo pessoas inidôneas, já que qualquer um, sem proposta e sem proponente que se responsabilidade pela idoneidade desse novo associado, ... desde que pagando, pode se associar ao Vasco da Gama, o que me parece um claro e indiscutível absurdo”.

Quando a lista de novos sócios do “O Vasco é meu” foi finalmente entregue pelo clube, houve revisão dos nomes e encontrou-se 4.500 sócios sem filiação; 642 sem endereço; 119 com endereço preenchido como “Cobrança” ou “Divisão de cobrança”; 219 sócios centenários; 2.154 associados com mesmo número de CEP para diversos endereços. O estudo foi feito pela chapa “Vasco Valente”, de Pedro Valente, apoiado por Eurico e o Casaca!. A chapa “Seremos campeões”, de José Henrique Coelho, ex-presidente do Movimento Unido Vascaíno que deixou a vice-presidência de marketing de Dinamite oito meses depois do atual presidente ser eleito em 2008, chegou a apresentar 14 itens em pedidos de impugnações. Um deles para retirada de 1.600 nomes da disputa.

Um dia antes da eleição de 2 de agosto de 2011, Eurico escreveu para Olavo e anunciou que não compareceria à mesa da presidência da Assembleia Geral. Em carta, ele acusou Olavo de “abertamente” apoiar Dinamite e classificou a eleição como “indisfarçavelmente viciada”. Valente e Coelho deixaram o pleito com queixas contra a falta de igualdade de condições, entre outros problemas, na condução das eleições. “Aparentemente, a única preocupação de ambos (Dinamite e Olavo) é promover a reeleição do atual presidente”, escreveu Coelho.

O caso estava em discussão na Justiça - em mais de uma ação - até o fim do ano passado, quando foi realizada uma audiência com a presença de Olavo, José Henrique Coelho e Hercules. Dinamite, que também era réu no caso, não apareceu. Mas, em março deste ano, o juiz Leonardo Alves Barroso, da 37ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgou improcedente a tentativa de anulação e remarcação da eleição de 2011.

STJ define anulação em 2006

Eleito em 2000 para a presidência do Vasco depois de anos como vice-presidente de futebol de Antônio Soares Calçada, Eurico Miranda foi reeleito em 2003 no primeiro embate contra Roberto Dinamite. A votação foi apertada – 1.474 votos para a chapa de Eurico contra 1.372 para Dinamite. Foram 102 votos de diferença apenas. Três anos depois, a vitória se repetiria, com diferença maior e mais polêmica: vantagem de 439 votos na votação que seria anulada após longa batalha na Justiça.

A lista preliminar de eleitores tinha o bicampeão olímpico Adhemar Ferreira da Silva, que foi atleta do Vasco, mas continuava entre os votantes cinco anos depois de sua morte. Na luta para derrotar Eurico Miranda, o Movimento Unido Vascaíno (MUV), que foi se fragmentando pouco a pouco depois de Dinamite ser eleito em 2008, contratou o perito judicial Jharbas Barsanti.

O estudo do escritório do perito encontrou velhos problemas na lista de votantes vascaínos. Havia 99 sócios cadastrados em duplicidade, 60 sócios com mais de 103 anos de idade, pelo menos quatro falecidos – um deles, o sócio remido Alfredo Correa de Lemos Filho ainda segue na lista de votantes em 2014 -, 522 sócios sem cadastro de endereço, 137 com registro de endereço direcionado à divisão de cobrança do clube, 225 sócios sem comprovação de aquisição de título e 1.178 outros sem registro de pagamento regular, entre outros problemas apontados no estudo contratado pela oposição. Embora solicitada à diretoria do clube da época, os registros contábeis que poderiam encerrar dúvidas quanto à falta de adimplência na lista de votantes foram negados. A oposição ainda acusava o afastamento de 3.695 associados das listas apresentadas na Justiças nos pleitos de 2003 e 2006.

Poucos meses depois da vitória de Eurico, o perito concluiu a segunda análise da lista de votantes. Havia uma diferença entre os nomes apresentados na Justiça em relação àquela que foi usada no dia da eleição, em 13 de novembro de 2006. Para Barsanti, dos 3.264 eleitores que assinaram presença na data da eleição, 1.256 poderiam ser irregulares. De cara, havia diferença de 934 nomes entre a “lista da Justiça”, que o clube entregou após ações da oposição, e a do dia da eleição. Foram adicionados à mão mais de 200 nomes, entre esses quase 1.000 nomes de diferença. Segundo a lista de votantes do dia das eleições, 676 votaram no pleito anulado.

Contestada e rebatida pela então situação, que reclamava, entre outras coisas, do impedimento de votos de beneméritos, a análise do perito serviu de objeto para o cancelamento do pleito de 2006. Em março de 2007, o juiz Renato Ricardo Barbosa retirava da lista de votantes os nomes que não constavam na lista entregue, originalmente, para a realização das eleições e ainda trocaria o local de votação de São Januário para a sede do Calabouço.

Um ano depois, em meio à batalha jurídica, o desembargador Adriano Celso Guimarães negava recurso da então situação e tratava a eleição de 2006 como “viciada”, pois “os réus permitiram o voto de pessoas não constantes do mencionado rol (a lista de eleitores), o qual, à toda evidência, não pode limitar-se à cognição da diretoria, mas divulgado para conhecimento dos sócios interessados”. Na última tentativa, em Brasília, a ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi concordava com os passos anteriores de magistrados, reforçando a permissão para votos apenas daqueles que constavam na lista entregue pelo Vasco em outubro de 2006.

Eurico e seu grupo político chamaram a decisão final do judiciário de golpe. Uma nova eleição foi realizada em junho de 2008, sem Eurico como candidato. Dinamite venceria Amadeu Pinto da Rocha, falecido ano passado, com 827 votos contra 45, em votação com pequena participação dos associados vascaínos.



Fonte: GloboEsporte.com