Em entrevista para o site da Fifa, Pelé lembra drama de Barbosa em 1950: 'Infelizmente, os torcedores são muito emocionais e só querem vitórias'

Segunda-feira, 26/05/2014 - 16:32
comentário(s)

Tudo ou quase tudo já foi dito sobre Pelé. O brasileiro de 73 anos é uma lenda viva e carrega três títulos da Copa do Mundo da FIFA nas costas. A poucos dias de receber o torneio mais esperado do ano no seu país, o jogador que é amplamente considerado o melhor de todos os tempos revela um dos seus lados menos conhecidos ao FIFA.com: as memórias do fatídico Maracanazo de 1950. Além disso, fala do medo de que a história se repita e das expectativas em relação à seleção de Luiz Felipe Scolari. "Quero pensar positivo, que a vitória é possível", afirma.

FIFA.com: Restam apenas alguns dias para que a Copa do Mundo da FIFA retorne ao Brasil depois de 64 anos. Qual é a lembrança mais marcante daquela amarga experiência de 1950?

Pelé: Tenho muitas lembranças do futebol ao longo da minha vida, mas a primeira que me vem à mente é o Brasil perdendo a Copa do Mundo daquele ano. Vi o meu pai chorando pela primeira vez na vida por causa daquela derrota. Eu tinha nove ou dez anos e me lembro de vê-lo ouvindo rádio. Eu o vi chorando e perguntei: "Por que está chorando, papai?" E ele me respondeu: "O Brasil perdeu a Copa do Mundo." Essa é a imagem de 1950 que mais me marcou. Mas Deus foi bondoso comigo, porque oito anos mais tarde ganhei o título na Suécia. Joguei quatro Copas do Mundo e ganhei três, inclusive na minha última participação em 1970. Poderia dizer que Deus me compensou por tudo.

Você contou que aquele incidente com o seu pai marcou o seu futuro profissional. Poderia nos dar mais detalhes a respeito disso?

Eu estava com três ou quatro amigos, filhos de atletas que jogavam com o meu pai. Naquela época não tinha televisão, e por isso ele os tinha convidado para escutar o jogo pelo rádio. Nós, os meninos, fomos bater bola na rua. Eu me lembro de ver muito movimento, muita gente… Mas um silêncio absoluto tomou conta de tudo mais tarde. Entramos em casa para perguntar o que tinha acontecido. O meu pai estava chorando e me disse que tínhamos perdido. Eu me lembro de que disse em tom de piada: "Não chore, papai, vou ganhar a Copa do Mundo para você." Disse aquilo apenas por dizer, mas oito anos mais tarde fui convocado para a seleção e ganhamos o título.

Como foi que aquela derrota inesperada para o Uruguai afetou o país?

Eu era pequeno, e foi a primeira vez que vi tanta gente deprimida, tanto choro... Inclusive se dizia na época que duas ou três pessoas tinham morrido de ataque cardíaco. Eu era jovem, mas a lembrança é de tristeza absoluta. Não há dúvidas.

Se o Pelé tivesse nascido antes e, consequentemente, jogado a Copa do Mundo da FIFA 1950, teria havido o Maracanazo?

É uma boa pergunta! (risos) Naturalmente sempre queremos o melhor para o nosso povo e para a nossa família. Mas, se pudesse escolher, pediria a Deus que me deixasse nascer antes para poder ajudar o Brasil e não deixar que aquilo acontecesse.

O goleiro Barbosa foi duramente criticado após o gol de Alcides Ghiggia que definiu a partida. Você ainda se lembra?

Eu vi entrevistas dele mais tarde, nas quais ele dizia que foi crucificado por aquele gol. "Joguei muitas partidas pela seleção e chegamos à final porque fiz várias defesas, mas me culpam por um gol", disse. Eu sinto muito por ele, mas a vida é assim. Infelizmente, os torcedores são muito emocionais e só querem vitórias. Quando você perde, você é criticado. É sempre assim.

Ghiggia, o homem que fez o seu pai chorar, esteve presente no Sorteio Final da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. Como foi esse reencontro?

Já o tinha visto duas ou três vezes antes do sorteio. Logicamente falamos daquela partida, sobre o que ocorreu naquele dia. Mas hoje em dia, ele mesmo me disse que nem ele nem os companheiros dele acreditavam que poderiam ganhar do Brasil. O Brasil tinha a melhor equipe e tinha ganhado todos os jogos com facilidade. "Para nós foi um milagre, não esperávamos por isso", ele me disse. E, para dizer a verdade, os brasileiros também não esperavam.

E você mesmo conquistou o título oito anos depois. Como foi essa experiência?

Foi outra surpresa. Eu tinha 15 anos quando estávamos disputando um torneio no Rio. Estava jogando em um combinado de atletas do Santos e do Vasco da Gama. Disputamos alguns jogos internacionais no Maracanã e então fui escolhido para jogar pela seleção. Eu não esperava por aquilo! Foi uma surpresa para todos, não só para mim.

Se você tivesse de comparar os títulos de 1958 e de 1970, qual seria a sua análise?

Não é difícil de responder. Joguei quatro Mundiais e felizmente ganhei três. Todos me perguntam se foi difícil jogar um Mundial com 17 anos, mas sempre digo que naquela época eu só queria fazer parte da equipe. Foi como um sonho para mim porque, apesar de termos vencido, eu não tinha nenhuma responsabilidade. Já em 1970, eu estava no auge. Tínhamos uma grande equipe e foi a minha última Copa do Mundo. Mas se a compararmos com a primeira, na qual eu não tinha experiência, tenho de dizer que a do México foi a mais difícil. Tínhamos uma grande seleção e todos esperavam que ganhássemos. Eu estava muito nervoso e sob muita pressão e aquilo me fazia tremer. Talvez não se lembrem, mas a situação política brasileira não era boa e víamos que tínhamos de ser campeões. Foi isso que fez a diferença. Graças a Deus conseguimos.

O tempo passa…

É incrível, mas o que mais me chama a atenção nos dias de hoje é o avanço dos meios de comunicação. Em 1958 não tínhamos televisão e muito menos novas tecnologias. Eu me lembro de que queria falar com o meu pai para dizer que tínhamos ganhado a Copa do Mundo e tivemos de ir à estação central na Suécia! Eu disse a ele: "Pai, ganhamos a Copa do Mundo. Você viu?" Ele me respondeu: "Não vi, mas escutei!" É uma diferença enorme. Hoje em dia os jogadores fazem gol e mandam beijos para as câmeras. Nós não tínhamos essa possibilidade. Essa é a maior diferença que eu noto.

No entanto, há muitas imagens do Mundial de 1970 hoje em dia. Você às assiste?

Às vezes sim. Assisto porque há muitos vídeos e programas de televisão que repetem. Mas vou dizer uma coisa: se não estou preparado, choro. Quando vejo aqueles jogadores, a torcida me carregando nos ombros, me emociono… Sou sensível!

Recentemente você disse que não quer que os seus filhos o vejam chorar neste ano como aconteceu com você e o seu pai em 1950. Quem você acha que poderá ser o Alcides Ghiggia da atualidade? Lionel Messi? Ou talvez Luis Suárez?

Lamento, mas espero que ninguém repita o que o Ghiggia fez em 1950. O que todos nós esperamos é que o Brasil faça uma boa Copa do Mundo, chegue à final e, se possível, fique com o título. Não quero me lembrar do que ocorreu em 1950. Tenho de confiar e acreditar que a vitória é possível, pois nunca sabemos: o futebol é uma caixinha de surpresas e nem sempre o melhor ganha. Em 1982, por exemplo, o Brasil tinha a melhor seleção, mas perdemos da Itália e fomos eliminados. Não quero nem pensar no que pode acontecer no Brasil. Só quero pensar positivo, que o Brasil vai ganhar a Copa. Nisso eu quero acreditar.



Fonte: Fifa