Zagueiro Luiz Alberto, do Atlético-PR, relembra momentos de tensão em Joinville

Domingo, 15/12/2013 - 17:39
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O zagueiro do Atlético-PR Luiz Alberto, que chorou ao ver espancamento na Arena Joinville, revela bastidores da partida e diz que tem medo de jogar nos estádios construídos para a Copa do Mundo.

Ao ser fotografado, você disse que zagueiro não tira foto sorrindo. Mas apareceu chorando em Joinville.

Foi uma coisa minha, natural, mexeu comigo mesmo. Quando acontecem essas coisas, você tem que botar para fora. Não é esse negócio de: “Porra, é zagueiro e está chorando”. Foi uma coisa que não deu para segurar. Nunca aconteceu comigo. No futebol, você chora quando ganha um título ou perde, mas ali as cenas foram muitos fortes.

Foi o dia mais marcante da sua carreira?

Com certeza, e o mais feio.

Vai marcar os jogadores?

Não só os jogadores, mas os torcedores. Tenho três filhos, e fica mais marcado nas crianças. Não sei se você viu a cena do cara que abriram a cabeça dele. Antes, ele salvou um pai com o garotinho. Os caras iam pegar eles. Aquele garotinho ali, de repente, vai ficar com trauma. Os caras iam atropelar se aquele cara não grita “Ele não, ele não”. Estavam transtornados.

A cena ainda vem à cabeça?

Claro. Mexe sempre que toca nesse assunto... Se fosse só começo (da briga) e eles se afastassem, tudo bem. Mas houve os confrontos e a agressão com a barra de ferro. Vendo esse lance, um ser humano ali, que não tinha como reagir, estava desacordado e eram mais de 20 em cima. E vinham de tudo quanto é lado dando chute no cara. Chutavam a cabeça.

Você chegou a falar com os torcedores...

Falei. Estava próximo, daqui até ali (mostra distância de quatro metros) e eu falava: “O cara é ser humano, está caído desacordado, não tem como reagir”. E os caras massacravam o cara.

E eles responderam?

Nada... Os caras não estavam nem aí. Pensei: “Já era, já era”. Foi muito feio.

Sua infância foi passada em um bairro violento?

Meus pais moravam no Jóquei, que é um bairrozinho lá do Alcântara (em São Gonçalo) e a minha infância todinha foi ali. Não tenho queixa. Não passei fome ou dificuldades porque meus pais não deixavam. Tenho dois irmãos, e nossa criação foi muito boa. Na minha época, não tinha tanto essa questão de violência, droga, arma. Tinha, mas não como hoje. Fiz de tudo, soltei pipa, balão, aproveitei.

Presenciou alguma morte?

Alguns amigos se desviaram, foram para o outro lado, e a gente perdeu. Perdeu bastante. Ver alguém matando uma pessoa, não vi. Mas pessoa já morta... vi bastante. Não vou dizer que estava acostumado, mas sempre tinha isso. Vira e mexe aparecia um corpo, e a curiosidade de ver. Ia ficar com trauma se visse na hora (um assassinato), mas, graças a Deus, não vi. Tiros, tiroteio, escutei muito. Não era tão violento, mas, num mês, pelo menos duas vezes acontecia um tiroteio lá na rua. Pow, pow, pow! Eram conhecidos, e a gente já falava: “É fulano”.

Voltando ao jogo, antes de o juiz parar, você viu a briga?

Claro. Eu estava de frente. Vi as primeiras (brigas) e pensei “Não vai dar em nada”. O jogo rolando e estava crescendo. Foi quando o árbitro parou a partida, e a gente focou na briga. Quando saíram as duas (torcidas organizadas) para o confronto, falei: “Vai dar merda”. Falei para o Paulo (Baier): “Vamos ali pedir aos caras da Fanáticos (torcida do Atlético-PR) para recuarem”. Os caras do Vasco foram também. Foi aquele desespero, gritando “Volta, volta”. Até que uns atenderam e voltaram, mas aí que está o problema. Quem estava muito dentro da briga não viu o pessoal voltar e foram os mais prejudicados. Se estivesse mais cheio (o estádio), ia ser pior ainda.

Como foram os 73 minutos antes do jogo recomeçar?

Quem me acalmou foi o Moraci (Sant’Anna, preparador físico). O Paulo Baier estava tão nervoso que falou: “Não tem condições de jogar mais.” Eu falava: “Emocionalmente não estou bem, não dá para jogar”. E todo mundo falando aquilo. O Moraci e nosso treinador (Vágner Mancini) foram acalmando um a um. Se voltasse uns 20 minutos depois, não voltaríamos tão concentrados. Pelo fato de ter passado uma hora, foi acalmando.

Havia condições de jogo?

Sim. Tinha policiamento na arquibancada. Em volta do campo, nunca vi tanta polícia.

Como foram os preparativos dessa partida?

Saímos no sábado de Curitiba, depois do almoço. Devido ao jogo, o hotel em Joinville estava cheio e não tinha como colocar todos os jogadores no mesmo andar. Ficaram uns no segundo e outros no terceiro andar. No nosso andar havia hóspede lá que era torcedor do Vasco. Quatro horas da manhã, eles chegaram cantando o hino do Vasco no corredor porque sabiam que a gente estava concentrado ali.

Fizeram algo com vocês?

Bateram lá na porta, tocaram a campainha. Gritaram: “Vasco!” No quarto ficavam eu e Felipinho (reserva), e a gente acordou. Era aquele negócio de não deixar os jogadores dormirem. Falei: “Não vou nem levantar, deixa os caras”. Os seguranças foram, conversaram e eles se acalmaram.

Torcedores organizados?

Não, torcedor normal.

Qual é a relação do jogador com as organizadas?

Particularmente, eu não tenho nenhuma, mas, na questão de arquibancada, se o torcedor paga o ingresso tem direito a vaiar, mas violência, não. Pode fazer o protesto que quiser, xingar.

Já esteve em reunião com torcedor organizado?

Reunião, sim. No Flamengo, várias vezes. No Fluminense, de (torcedor organizado) estar no vestiário, mas nada de agressão. No Fluminense, foram muitos protestos. Eu estava lá na época do tiro em 2009. (Quando torcedores agrediram Diguinho e um segurança do goleiro Fernando Henrique deu tiros para o alto).

Acredita em mudança?

Tenho esperança que mude algum dia. Não sei se vai ser com minha mensagem, dos jogadores, com atitude do poder público, da CBF, se liberarem mais policiais. Quem tem esse poder tem que fazer alguma coisa urgente. Aquele jogo contra o Vasco foi assim, mas está sujeito a acontecer coisa pior e em estádio muito mais cheios. Os estádios novos brasileiros são muito livres para tudo. Para entrar dentro de campo, o acesso é muito fácil até os jogadores. Há facilidade para se circular entre as torcidas.

Você se sente inseguro nos novos estádios?

Para ser sincero, sim. Se acontecer alguma coisa como em Joinville, o acesso aos jogadores corre risco. Num estádio mais cheio, vou ser o primeiro a correr para o vestiário. Isso se o vestiário tiver segurança. Não só eu, muitos jogadores. A gente conversa entre a gente. Por isso que falo que tem que ser tomada uma atitude. Na comemoração de gols, é muito fácil. Da mesma forma que o torcedor vai lá e abraça o torcedor, se as coisas não estiverem acontecendo, entra um torcedor, dois, três...

Fonte: Globo Online