Juninho fala sobre passagem pelo Vasco e elogia Paulo Autuori

Terça-feira, 26/03/2013 - 14:40

No filme “Um Príncipe em Nova York”, clássico de Hollywood dos anos 80, o ator Eddie Murphy interpreta o herdeiro do trono de um fictício país da África que decide dar um tempo na vida de luxo e ser um cidadão comum na “capital do mundo”. Juninho Pernambucano não é astro de cinema, mas passa por uma situação que, em analogia, é semelhante. No fim do ano passado ele deixou de lado a condição de Reizinho e ídolo do Vasco para ser mais um a caminhar pelas ruas de Manhattan. Aos 38 anos, encarou o desafio de fazer parte de um esporte que ainda busca seu espaço junto ao público dos Estados Unidos, defendendo o New York RB. Uma opção que, além da questão profissional, foi motivada pela qualidade de vida.

Em pouco mais de dois meses, Juninho sentiu o que é ser mais um morador de Nova York. Sem o assédio do público, é pouco reconhecido nas ruas e caminha quase que anônimo ao lado da mulher Renata e das filhas Giovanna, Maria Clara e Rafaela. Em seu clube, apesar da condição de astro, não conta com o mesmo status salarial do atacante francês Thierry Henry e do meia australiano Tim Cahill. Mas para ele, após 20 anos de dedicação quase que exclusiva ao trabalho, aquela que pode ser sua última temporada como jogador profissional é também o momento de dividir a obrigação com a diversão.

O GLOBOESPORTE.COM esteve com Juninho em Nova York e acompanhou sua nova rotina. Ele divide o tempo entre treinos e jogos com as tarefas paternas – como levar as filhas ao colégio a pé – e a diversão – como passear no Central Park e assistir a musicais na Broadway. O idioma não é problema. Sempre ajudado pelas filhas, ele se vira com o que aprendeu em poucas aulas quando jogava no Catar.

- No inglês eu me defendo - brinca.

Mesmo de longe, não deixa de acompanhar o Vasco, mas prefere sempre pensar muito e escolher bem as palavras quando se refere ao clube. Vibrou com a contratação de Paulo Autuori e mostra confiança em dias melhores. Até porque prefere nunca descartar um retorno, embora pense não ser o momento de falar sobre o assunto. Ao analisar o clube, lembra que o conturbado ambiente que contribuiu para sua saída é algo mínimo se comparado ao prazer por ser um dos principais nomes da história de São Januário.

O New York RB começou a temporada ainda sem vencer. Em quatro partidas (sendo que três fora de casa), foram duas derrotas e dois empates. Juninho ficou fora do compromisso pela segunda rodada por causa de dores na panturrilha e, por conta disso, entrou no segundo tempo do único jogo disputado no Red Bull Arena.

GLOBOESPORTE.COM - Após dois meses, qual a análise que faz da liga americana de futebol? É algo diferente do que você esperava?

JUNINHO - Não coloquei muita expectativa. Acompanhava algumas coisas e sabia que havia muito investimento, principalmente desde a chegada do Beckham e depois com outros jogadores de nome. Mas sabia que não era uma liga considerada superimportante. Achei uma competição com jogadores muito bem preparados fisicamente, pois o americano é muito voltado para isso. Muita gente dizia que aqui as pessoas não frequentavam os jogos, mas até agora vi os estádios quase completos, com um público bem participativo e uma festa bonita. A parte técnica não é brilhante como a nossa, mas tem coisas boas. Mesmo assim, também não foi por ser um grande liga ou não que escolhi vir.

Então por que decidiu defender o New York RB?

Quando acabou meu contrato no Qatar, em 2011, tinha oferta para renovar por dois anos. Mas quis voltar para o Vasco fazendo um contrato de seis meses e depois veria o que eu faria. Acabei ficando um ano e meio. Em outubro do ano passado houve o primeiro contato do clube americano, que me ofereceu um contrato de dois anos, mas sem os ganhos acima do teto estabelecido pela liga. Eu viria com um contrato de jogador local, um pouco maior. Conversei com muita gente e vim aqui em dezembro. Aos 38 anos, achei que seria uma oportunidade familiar que eu não poderia deixar passar. Já estou apaixonado pela cidade, morar aqui é muito fácil. Com essa qualidade de vida é mais fácil adaptar. Minhas filhas estão felizes, e sei que essa escolha vai contar para o resto da vida delas.

O que encontrou de especial em Nova York? Tem conseguido aproveitar o que a cidade oferece?

Já levei minhas filhas para assistir ao musical “O Rei Leão”, na Broadway. Também passeamos no Central Park e saímos muito para jantar, pois tem tudo aqui perto de casa. Está sendo bom começar uma vida nova. Morei oito anos na França e joguei em todos os países da Europa pelo Lyon. Foram dois anos no Qatar, um país com cultura completamente diferente. Nasci em Recife e passei sete anos no Rio, disputei todos os campeonatos que se possa imaginar no futebol profissional. Como poderia deixar passar a oportunidade de viver nos Estados Unidos como jogador profissional por um ano? Seria um risco muito grande da minha parte. Nunca dei muito valor a algumas coisas. Morei todo aquele tempo na França e nunca subi na Torre Eiffel, por exemplo. Sempre me concentrei no meu trabalho, em treinar, jogar e descansar. Então nunca dei muito valor a outras coisas. Mas não poderia deixar passar essa oportunidade. Vejo como um prêmio viver em cidade como Nova York jogando futebol e aproveitando tudo o que ela oferece de bom. Aqui minhas filhas vão à escola a pé e eu também não preciso de carro para buscá-las. Eu me sinto na obrigação de aproveitar a cidade, mais do que nos tempos de Lyon, por exemplo. Estou sofrendo pressão da minha família para isso.

Você é anônimo em Nova York?

Só me pararam nas ruas no máximo umas cinco vezes. Foram dois franceses, um grego e um argentino. O argentino me desejou boa sorte e eu cruzei os dedos, porque sorte de hermano... sei lá (risos). Mas aqui eu sou totalmente anônimo.

Sentia falta dessa privacidade?

O que sempre me incomodou é que eu nunca fui um jogador fora de campo. Não é o assédio que me incomoda. Falta de privacidade é um termo muito forte. Sei lá... Viver 24 horas como um personagem, um jogador, isso me incomoda. Acabou o jogo ou o treino, quero ir para casa. Sou um ser humano com direitos e deveres, então essa relação sempre foi muito difícil para mim. Sempre guardei uma distância. Mas é claro que gosto de ter uma relação com o torcedor, quando existe respeito. Não me incomoda fazer uma foto, mas às vezes existem alguns que passam do limite, então não aceito. Mas não tenho o que reclamar da torcida do Vasco. Em um ano e meio foi só agradecimento.

Então, com esse bom ambiente, pensa em estender sua permanência nos Estados Unidos, ou voltar para o Brasil está nos seus planos?

Fico pensando se vale a pena ficar mais um tempo aqui, já que inicialmente me ofereceram um contrato de dois anos. Mas também ano que vem vai ter Copa do Mundo no Brasil e eu gostaria de estar mais próximo. Se eu ficar aqui não vou ver a competição, mesmo se tiver uma folga. Provavelmente não serei mais atleta ano que vem, mas gostaria estar perto para participar da Copa e da Olimpíada. Existem contatos para que faça comentários. Não estudei jornalismo, mas me sinto em condição de falar de futebol porque para mim é facil e eu gosto. Talvez seja esse o caminho, mesmo ainda não decidindo onde, nem como, nem se vai ser isso. Mas depois de 20 anos de carreira, acho que seria o ideal para começar uma nova vida. Teria pressão, mas não aquela por resultados. Seria bacana talvez voltar para o Brasil e viver a Copa de perto.

E jogar novamente no Brasil? Existe a possibilidade?

Muitas pessoas me falaram para jogar o estadual no ano que vem. Mas se eu digo para você que vou fazer, já se cria uma expectativa. Então prefiro não dizer nem que sim, nem que não. Vamos deixar o tempo passar. Se no fim deste ano eu estiver me sentindo bem, jogo mais um pouco. Se não estiver bem, eu fecho a temporada da melhor maneira aqui e volto para o Brasil.

Você voltaria a trabalhar no Vasco, mesmo fora de campo?

Não sei. Só vou se... (pausa). Hoje eu digo que conheço o Vasco. Na minha primeira passagem eu era muito novo.

É possível dizer que você conheceu mais o Vasco em um ano e meio do que nos cinco anos e meio da sua primeira passagem?

Sim. Lógico que em 1995 cheguei ainda buscando meu lugar. Agora tenho outra vivência de futebol.

Quando você deixou o New York RB, falou sobre sua insatisfação no Vasco. Quando veio conhecer o clube, em dezembro, já voltou ao Brasil decidido a não permanecer em São Januário?

Havia a possibilidade de continuar no Vasco e possibilidade de jogar e morar aqui. Então fiquei na dúvida se era melhor encerrar a carreira no Vasco correndo o risco de ter um time não tão forte como eu imaginava, disputando a temporada correndo o risco de não jogar o que joguei durante um ano e meio. Sabia que o Vasco faria um esforço para me contratar, mas a briga política no clube é muito grande. Se fosse uma briga em que os jogadores fossem protegidos de alguma forma, tudo bem. Mas se os principais atletas não se envolviam, as pessoas buscavam um jeito para atingir. Eu não me envolvo em política, e como eu não dava brecha porque rendia em campo, era muito disse me disse. Havia muitos conselheiros que estavam lá todos os dias e entravam no vestiário. Não sabia o nome de algumas pessoas e nem o que faziam lá. Passei dez anos fora. Às vezes eu cumprimentava pessoas que nem sabia quem eram e qual a função que exerciam. Não era por maldade. Não acreditava que essas coisas ainda aconteciam no Brasil e especificamente no Vasco. Mas não foi só isso ou a saída de jogadores importantes no ano passado que me fizeram sair. De repente se estivesse tudo bem eu diria que recebi uma proposta para morar um ano nos Estados Unidos e também viria. Mas não posso negar que esse ambiente político de São Januário é muito chato. Vocês não viam, mas o ambiente do dia a dia era muito carregado, não era uma coisa positiva. Eu não via as pessoas felizes. De qualquer maneira, não tenho como não gostar do Vasco. Lamento não ter sido campeão de novo, nem que fosse da Taça Guanabara ou da Taça Rio. Mas fiz o melhor que podia no campo.

E fora de campo?

A única coisa que lamento é que poderia ter ajudado mais os treinadores. Mas o pouco que fizesse, criariam um disse me disse em cima. Minha liderança foi única e exclusivamente técnica. Não foi muito de vestiário porque não fluiu naturalmente. Como já tinha reconhecimento grande e tinha certo ambiente político que entrava no vestiário, então evitava ao máximo. Cobrava da diretoria, mas poderia estar mais próximo da comissão técnica. O Henry faz isso aqui. Eu fiz o mínimo possível, poderia ter ajudado mais, mas o ambiente não deixava.

Mesmo com toda essa vivência, você pode dizer que essa nova etapa da sua carreira é um aprendizado?

Claro. Ainda estou aprendendo coisas novas. Somente assim vou poder passar alguma coisa quando parar. A turma dos velhinhos tem eu, Rogério Ceni, Zé Roberto, Marcos Assunção, Deco, Gilberto Silva, Cris... Quem estiver nos 35 anos está no nosso grupo (risos). Temos uma característica de possuir algo mais de dentro. Não se pode só confiar no talento. Não dá para chegar numa liga como essa dos Estados Unidos, que dizem que é fraca, e não estar em forma. Porque vai ser atropelado.

Mas você já tem planos sobre o que pretende fazer quando se aposentar?

Quero estar próximo do futebol. Estar mais perto do futebol é mais gostoso. Gostaria de sentir o cheiro da grama...

Mas aguentaria novamente essa pressão do futebol, mesmo como dirigente ou técnico?

Eu aguento, mas não em seguida. Pressão tem que sentir sempre, mas a pressão sadia, normal. Essa não me incomoda. Mas logo em seguida talvez eu não terei esse algo mais que tenho como jogador. Talvez eu precise de um pouco de tempo para aproveitar a aposentadoria. Mas quero estar perto do futebol. Gosto de falar sobre futebol, passar alguma coisa.

Pensou exatamente onde você poderia se inserir nesse contexto?

A grande mudança no futebol brasileiro tem que ser na base. É igual à educação em casa. Quando você ensina o melhor para os filhos, maior a probabilidade é de eles fazerem as melhores escolhas. Por exemplo, no Brasil, desde criança a gente aprende que cavar falta é ser malandro. Quando cheguei à França eu cavava falta também, só que eu levei vaia e os adversários vinham para cima de mim. Mas me policiei e parei. No Brasil a gente aprende que ser malandro é legal, mas não é. Cavar pênalti é antijogo. Esse estilo de parar muito os jogos faz o Brasil não atrair tantos olhares como poderia. É lindo o nosso jogo, mas para tanto que às vezes é chato. Então isso tem que começar de baixo para cima. Acho que a base tem que ser unificada, e a CBF tem precisa ter um controle maior e formar ligas mais fortes. Talvez pudesse haver um acompanhamento maior. Mas desde cedo existe uma pressão por resultados.

Acha que poderia, então, fazer um bom trabalho nas categorias de base?

Se eu tivesse tempo para passar o que aprendi de bom, implementar uma filosofia, eu gostaria de trabalhar na base, sim. Acho que faria um bom trabalho. Desde que tivesse tempo. Mas, olha, não estou cavando. Um jogador de 18, 19 anos precisa saber se posicionar em campo. Por exemplo, os garotos que subiram no Vasco no ano passado têm muito talento, mas taticamente eram fracos. E eu os ajudei muito. Infelizmente a diferença cultural em relação ao jogador estrangeiro é muito grande. Aqui no meu time tem dois jogadores que acabaram de se formar na universidade. Um recebeu uma proposta da Samsung e pensou em aceitar, mas acabou ficando no futebol. Então, se a formação dos nossos jogadores puder ser comandada como é o futebol profissional, será melhor. Mas claro que nós temos grandes jogadores. Poucos apostam que o Brasil vai ser campeão em 2014, mas em 94 e 2002 a Seleção saiu sem confiança e conquistou o título. Em 2006 o Brasil era favorito e jogou bem.

Já que falou de Vasco novamente, tem acompanhado a equipe? Está preocupado com a temporada?

Não tenho acompanhado muito, só assisti aos jogos contra Duque de Caxias e Botafogo. Não posso fazer uma análise. Mas pelo que vi, se foi da euforia ao fundo do poço muito rapidamente. Era o melhor time do Rio e depois da final da Taça Guanabara disseram que era mesmo a quarta força. Vi coisas boas. A melhor característica foi o coração. O Vasco venceu alguns jogos na raça. Sobre estar preocupado... (pausa). Quero jogar aqui... Mandei mensagem para o René Simões no início do ano desejando sorte. Se o Vasco precisar de alguma ajuda de alguma forma, de repente referências sobre um jogador... faço sem problema algum. O clube está se reestruturando para ser do tamanho do Vasco. Por isso é preciso paciência.

Mas a contratação de Paulo Autuori é uma esperança?

Não tinha ninguém melhor neste momento para assumir o Vasco. Nunca ouvi ninguém falar mal do Autuori. Espero que ele consiga fazer um trabalho a longo prazo. É um grande treinador e líder.

Ao relembrar sua carreira, acha que faltou alguma coisa ou sente-se totalmente realizado?

Faltou atingir na Seleção o que fiz nos clubes. Fui bem em alguns jogos, fui titular durante um ano, mas faltou conquistar um título de expressão, ter sido campeão mundial. Mas minha história era essa, era o meu destino. Ninguém pode ter tudo. Se perguntassem se eu preferia ter sido campeão do mundo e não ter essa história no Vasco e Lyon? Não sei se escolhia a primeira opção, com toda honestadidade. Não é vaidade. Mas minha trajetória foi muito forte para marcar a história de um clube, não importa qual. Há muitos jogadores que foram campeões do mundo e que infelizmente vão passar no clube onde jogaram e, de repente, ninguém vai lembrar que estiveram lá. E graças a Deus, em qualquer história do Vasco eu vou estar dentro, mesma coisa no Lyon. Isso me conforta, mas no fundo reconheço que minha personalidade, em algum sentido ou outro, minha timidez me atrapalhou na Seleção. No sentido de vivência do grupo. Eu preciso de tempo. Tanto é que quase fui devolvido pelo Vasco depois de seis meses (risos). Preciso de tempo, é minha característica. Tem que vir de dentro. Na Seleção você vai e volta, algumas vezes não joga... Foi difícil eu me instalar naquela geração.

Existiu a chance de você disputar a Copa do Mundo de 2002, da qual o Brasil foi campeão...

Eu ia para a Copa de 2002, mas aquela parada me prejudicou porque entrei na Justiça. Saí do Vasco em janeiro e só fui estrear pelo Lyon em 27 de julho de 2001. Naquele meio tempo houve as eliminatórias, e o Felipão definiu o grupo. Quando fui à Copa América eu estava há seis meses sem jogar e fui muito mal. Então o Felipão fechou o grupo ali. Era para eu ir. Mas, novamente, quando vejo, era a minha história. Também nunca imaginei chegar no Lyon e ser campeão nacional sete vezes seguidas. Não posso reclamar em relação a títulos. Na minha carreira profissional, somente em 1996 e 2012 não ganhei nada. Espero que neste ano, aqui nos Estados Unidos, eu volte a viver esses grandes momentos.

Juninho com as filhas na Times Square, centro turístico de Nova York


Fonte: GloboEsporte.com