Com adiamento e recursos, decisão do julgamento do Sport no STJD deve se arrastar
Quarta-feira, 02/11/2022 - 19:41
A classificação final da Série B do Campeonato Brasileiro deverá ser definida nos tribunais. Nesta quinta-feira (3), a 4ª Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) vai julgar o Sport pelos incidentes ocorridos na partida contra o Vasco, pela 35ª rodada da competição. Por conta da gravidade dos acontecimentos, o Leão pode perder até dez mandos de campo, multa e sofrer também a retirada do ponto da partida, colocando o Cruz-Maltino como vencedor por 3 a 0.

Caso essa hipótese se concretize, o Vasco somaria mais três pontos e estaria com o acesso à elite do futebol brasileiro garantido. Já o Sport, não teria mais acesso à Série A. Além disso, a decisão do STJD também pode afetar as possibilidades de acesso para Bahia e Ituano, que ainda brigam pelas duas vagas restantes. Especialistas ouvidos pelo Lei em Campo explicam que o processo dificilmente se encerra nesta quinta, uma vez que da decisão cabe recurso.

"Existe a possibilidade de o Vasco subir para a primeira divisão sem entrar em campo no final de semana ganhando os pontos da partida contra o Sport, fazendo com que a partida decisiva, a depender do resultado do julgamento, a princípio, tenha importância apenas para o Ituano disputar eventual vaga com o Bahia. Digo a princípio porque o julgamento será realizado pela 4ª Comissão Disciplinar do STJD, que é um colegiado de primeira instância. Da decisão, no plano nacional, ainda cabe recurso ao Pleno do tribunal, com a possibilidade teórica de pedido e concessão de efeito suspensivo. Qualquer que seja a decisão, os clubes não poderão 'contar' com ela como algo definitivo", escalrece Carlos Henrique Ramos, advogado especialista em direito desportivo.

Gustavo Lopes, advogado e colunista do Lei em Campo, destaca também que uma decisão determinando a vitória do Vasco pode implicar em uma ação na Justiça Desportiva do Ituano, como terceiro interessado.

Os especialistas entendem que há caminho possível para perda mudança do resultado, mas que esse é um caminho menos provável. Primeiro, é preciso entender o que dizem os regulamentos esportivos.

Denúncias contra o Sport/ o que dizem os regulamentos esportivos

Devido a invasão do gramado da Ilha do Retiro, a Procuradoria do STJD denunciou o Sport em três artigos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (artigos 205, 211 e 213) e também nos artigos 19 e 20 do Regulamento Geral de Competições (RGC) da CBF.

Artigo 205. Impedir o prosseguimento de partida, prova ou equivalente que estiver disputando, por insuficiência numérica intencional de seus atletas ou por qualquer outra forma.

Pena: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil, e perda dos pontos em disputa a favor do adversário, na forma do regulamento.

Parágrafo 1º A entidade de prática desportiva fica sujeita às penas deste artigo se a suspensão da partida tiver sido comprovadamente causada ou provocada por sua torcida.

Artigo 211. Deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para sua realização.

Pena: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil, e interdição do local, quando for o caso, até a satisfação das exigências que constem da decisão.

Artigo 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir:

I - desordens em sua praça de desporto;

II - invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo;

III - lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo.

Pena: multa, de R$ 100 a R$ 100 mil.

Parágrafo 1º - Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.

Parágrafo 2º - Caso a desordem, invasão ou lançamento de objeto seja feito pela torcida da entidade adversária, tanto a entidade mandante como a entidade adversária serão puníveis, mas somente quando comprovado que também contribuíram para o fato.

Artigo 19. Uma partida só poderá ser adiada, interrompida ou suspensa caso ocorra, pelo menos, um dos seguintes motivos:

I - falta de segurança;

V - conflitos ou distúrbios graves no campo ou no estádio;

Artigo 20. Quando a partida for suspensa por quaisquer dos motivos previstos no art. 19 deste RGC, assim se procederá após julgamento do processo correspondente pelo STJD:

I - se o Clube que deu causa à suspensão da partida estava vencendo ou a partida estava empatada, tal Clube será declarado perdedor pelo escore de 3 a 0 (três a zero).

Especialistas explicam o que pode ser levado em conta no julgamento

"É difícil fazer um prognóstico definitivo, pois a complexidade do caso reside na análise das imagens, do teor da súmula do árbitro e das demais provas para a definição das responsabilidades. Como o Sport era o mandante da partida, sendo responsável pela segurança do evento e, levando em conta que a invasão ocorreu por parte de sua torcida, a aplicação das penas de multa e de perda de mando de campo me parecem as mais certas pelo fato de o clube não ter disponibilizado infraestrutura de segurança suficiente (art. 211 do CBJD). A dificuldade maior diz respeito à aplicação do art. 205, § 1º, do CBJD, que prevê possibilidade a aplicação da pena de perda de pontos em favor do adversário caso a interrupção da partida tenha sido comprovadamente causada ou provocada por sua torcida", analisa Carlos Henrique Ramos, que acrescenta:

"A análise do nexo causal é que será a chave do problema. Este, aliás, foi um dos pontos de divergência entre os auditores que julgaram o caso da confusão no jogo do Ceará, ocorrido no mesmo dia. Como dois atletas do Vasco foram denunciados por conduta antidesportiva e por provocação à torcida do Sport, será preciso analisar em detalhes todas as provas constantes nos autos para definir se os jogadores não 'passaram do ponto' e se a eventual provocação é que teria provocado a fúria da multidão ou, ao menos, concorreu para tal. Como defendo uma atuação minimalista da Justiça Desportiva que preze pela menor interferência possível no mérito das competições, a Comissão Disciplinar deve ter muita parcimônia ao analisar tal ponto, ainda mais em um julgamento cercado de pressões", complementa Carlos.

"Entendo que para aplicar o 205, há de se provar ação ou omissão do clube (Sport). Pelas imagens não identifico ação do Sport, pelo contrário, vejo provocações por parte de atletas do Vasco (que penso serem do jogo e não serem passiveis de punição, apesar dos cartões amarelos recebidos por eles). A omissão haverá se o Sport não tiver adotado as cautelas de praxe pra garantir a segurança da partida. Logo se o Sport adotou as mesmas medidas nas outras 15 partidas e nas outras tudo correu bem, não vejo culpa do clube pernambucano", avalia Gustavo Lopes, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.

"Os artigos denunciados, descrevem tipos infracionais que podem levar individualmente a cada uma das infrações em condenação pecuniária de até 100 mil reais cada, além de perda dos pontos em disputa a favor do adversário (art. 205 CBJD), interdição do local (art. 211 CBJD) e perda do mando de campo de até dez partidas (art. 213 CBJD)", afirma Alessandra Ambrogi, advogada especializada em direito desportivo.

Andrei Kampff, advogado e colunista do Lei em Campo, explica que "o princípio do pro-competitione é sempre levado em consideração na Justiça Desportiva. Ou seja, a prevalência do resultado de campo que garante a estabilidade do campeonato. Precisa ser assim para o Tribunal não se tornar o terceiro tempo do jogo. Não que não se possa mudar resultado de campo, mas para isso é preciso que a responsabilidade seja clara, incontestável e determinante para o fato tipificado".

Nesta semana, o Lei em Campo contou que o Sport está tomando algumas atitudes para se livrar de punições mais pesadas no tribunal.

Processo pode continuar após julgamento da Comissão Disciplinar

O julgamento desta quinta-feira será conduzido pela 4ª Comissão Disciplinar do STJD, ou seja, a primeira instância. Após isso, o caso pode seguir para o Pleno do tribunal, a segunda instância da Justiça desportiva nacional, e posteriormente para o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS), a última instância da Justiça Desportiva mundial.

"O STJD é constituído de Comissões Disciplinares para atenderem os procedimentos instalados, sendo certo que suas decisões poderão ser devolvidas ao Tribunal Pleno, em forma de recurso, para reapreciação da matéria e revisão das sanções aplicadas, se as partes assim entenderem. Desta forma, da decisão das Comissões Disciplinares, caberá recurso ao Pleno Pleno e depois, se o clube entender, ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS)", explica Alessandra Ambrogi.

O advogado Gustavo Lopes cita que o Ituano, por estar disputando uma das vagas e que terá confronto direto com o Vasco na última rodada, pode intervir no processo.

"Considerando que há uma disputa direta (inclusive com confronto direto) entre Ituano e Vasco, penso que o Ituano possa intervir no processo como terceiro interessado ou até mesmo como Amicus Curae (Amigo do Juizo), eis que sofrera diretamente os efeitos da decisão", afirma.

Nesta semana, o Sport ingressou com um recurso no STJD para que o julgamento do caso seja adiado. De acordo com o Leão, o pedido tem o objetivo de impedir que a decisão do tribunal influencie na competição.

Fonte: Blog Lei em Campo - UOL