Relembre momentos da carreira de Walfrido, falecido na última 5ª-feira
Segunda-feira, 10/02/2020 - 03:02
Da lua para o céu

A situação era por demais dramática para o Vasco.

Faltavam duas rodadas para terminar o turno do Campeonato Carioca de 1967 e o risco real de o clube não estar classificado para o returno da competição e ser obrigado a passar os últimos meses da temporada sem competição oficial alguma para disputar, maior.

Talvez alguns amistosos, talvez uma excursão pelo interior do Brasil. Mas, como viver aquele final de temporada sem condições financeiras ideais? Buscar-se-ia o "livro de ouro" para sócios abastados cobrirem o custo? O presidente João Silva teria de se virar para pagar as contas e uma grande crise política se avizinhava.

O torcedor, insatisfeito com tudo o que via, já sem esperança de sair da fila, que aumentaria para nove anos sem a conquista de um título carioca, era só cobrança.

Na tabela o Vasco figurava na nona colocação, junto ao Madureira, ambos com sete pontos. À frente dele o Olaria aparecia com oito, América, Campo Grande e Bonsucesso tinham nove. A vitória valia dois pontos e o Gigante da Colina só dependia de si porque Olaria e Campo Grande ainda se enfrentariam. Para garantir a classificação, bastaria vencer seus últimos dois jogos.

O problema era contra quem seriam disputadas as partidas: Botafogo, líder, e Flamengo, terceiro colocado, além de ser o maior rival do clube.

Primeiro viria o Botafogo, de Manga, Leônidas, Nei Conceição, Afonsinho, Jairzinho, Gerson, Roberto Miranda e, também, do garoto PC Caju (na época Paulo César Lima apenas).

Embora notório freguês do Vasco, naqueles anos 60 o alvinegro mostrava-se como um algoz dos cruzmaltinos. Quatorze vitórias do Botafogo contra nove do Vasco. Na temporada de 1967, duas vitórias vascaínas (1 x 0 e 3 x 2), mas com pouca expectativa de uma terceira seguida, o que não ocorria desde 1954.

Depois seria a vez do Flamengo, tradicional rival, e talvez a vitória, dependendo de outros resultados dos seus concorrentes, pudesse ser fundamental.

Naquele campeonato a equipe cruzmaltina já havia sido derrotada pelo forte Bangu (que seria o vice-campeão ao fim da competição), Fluminense, Olaria, Campo Grande e Bonsucesso, deixara a vitória escapar diante do América, após ter aberto 2 x 0 no placar e passara por três equipes pequenas (Portuguesa, Madureira e São Cristóvão), mas a realidade era de cinco jogos sem vitórias e quatro derrotas consecutivas.

O paraibano Erandy, trazido entre a segunda e a terceira rodada da competição junto ao Santa Cruz-PE, havia estreado na equipe, prometendo ser um ótimo fazedor de gols, mas após a estreia auspiciosa contra o Madureira e gols marcados diante de São Cristóvão e América, mostrara-se praticamente nulo, tanto quanto inconvincente nas partidas seguintes e ainda se contundira.

Ademir Menezes, treinador da equipe, tentou mais uma vez a dupla Nei Oliveira e Adilson (irmão de Almir Pernambuquinho), mas diante do Bonsucesso definitivamente não havia dado certo. Um problema aparentemente sem solução e com o Vasco precisando de gols.

Ademir, o famoso "Queixada", vinha observando um jovem com faro de gol e muita vontade de acertar.

Walfrido treinava e jogava entre os reservas, atuava nas preliminares e participara com Garrincha de um amistoso contra a Seleção de Cordeiro, única partida do emblemático ponteiro direito com a camisa do Vasco, deixando inclusive sua marca de artilheiro naquele 20/07. Mas agora teria a sua grande chance. Era hora de agarrá-la.

O jovem centroavante, nascido em 17/12/1947, iniciara sua carreira no Sport-PE e ainda juvenil foi para o Santa Cruz-PE. Em 1966 chegava ao Vasco, com 18 anos de idade, buscando seu espaço.

No domingo, dia 05/11/1967, Walfrido viveria o maior teste de sua incipiente carreira, atuando contra o líder Botafogo, sem Jairzinho e Gérson, mas com os demais cobras da equipe inteiros.

Aos 27 minutos da etapa inicial ele mostraria seu cartão de visitas para o público presente ao estádio.

Lançado por Averaldo, o centroavante deu um lençol no zagueiro Zé Carlos e encobriu o goleiro Manga para abrir o placar. Delírio da galera cruzmaltina.

Veio o segundo tempo e com ele o tento número dois cruzmaltino. Danilo Menezes manobrou pela meia, girou o corpo e entregou a Walfrido, que avançou em direção à área e atirou forte, certeiro, fechando a conta.

A vitória improvável tinha um herói surpreendente e o Vasco uma nova opção de centroavante.

Na semana seguinte, a primeira vez de Walfrido contra o Flamengo e uma goleada de 4 x 0 dos cruzmaltinos, com ele próprio fechando o placar aos 39 do 2º tempo.

Em 1968 o atleta não figurou entre os titulares no início da temporada, marcou apenas um gol no Campeonato Carioca, em três partidas e mais dois tentos na Taça Guanabara.

A 23 de junho assinalou pela primeira e única vez, com a camisa do Vasco, entre os profissionais, três gols numa única partida. O hat-trick ocorreu frente ao Rio Negro-AM. Por sinal, somando essa e outras pelejas amistosas naquela temporada, foram sete gols ao todo marcados pelo artilheiro.

Naquele mesmo ano, no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, competição nacional oficial da época, Walfrido fez 11 gols, marcando dois deles na vitória cruzmaltina sobre o Botafogo por 2 x 1, outros dois frente ao Santos, de Pelé (triunfo vascaíno por 3 x 2) e um diante do Flamengo, na estreia de Garrincha com a camisa rubro-negra (2 x 0 Vasco o placar final). Duas vezes marcou ainda o artilheiro contra o Internacional-RS, na primeira fase (Inter 2 x 1) e no quadrangular final (Vasco 3 x 2), fora tentos assinalados diante dos seguintes clubes: Atlético-PR (3 x 2), Corinthians (1 x 2), Palmeiras (1 x 3) e Portuguesa de Desportos (2 x 0).

Diante da bela performance na principal competição nacional da época, Walfrido foi convocado para a Seleção Brasileira no final da temporada, há poucos dias de completar 21 anos de idade, embora não tenha chegado a atuar com a amarelinha.

O centroavante viveu um ano de 1969 com mais gols, apesar das fracas campanhas do Vasco nas competições das quais o clube participou.

No Campeonato Carioca o "Espanador da Lua", carinhoso apelido dado a ele pelo locutor de rádio Waldir Amaral, marcou cinco vezes; na Taça Guanabara, disputada em seguida, balançou as redes uma vez, diante do Botafogo (vitória cruzmaltina por 3 x 0) e no Torneio Roberto Gomes Pedrosa faturou três vezes, duas delas no empate diante do Fluminense (2 x 2). Fora isso, assinalou gols em cinco oportunidades (jogos amistosos), somando, ao final da temporada 14 tentos.

O ano de 1970, entretanto, seria o de glória para o atleta, vestindo a camisa do Vasco.

O atacante iniciou a temporada na reserva, quando da disputa da Taça Guanabara, competição prévia à Copa do Mundo daquele ano. Foi ganhando espaço com o novo treinador cruzmaltino Tim aos poucos, mas sem ainda garantir a condição de titular.

O Campeonato Carioca viria a ser a primeira disputa oficial do clube, após a conquista definitiva da Taça Jules Rimet, obtida pela Seleção Brasileira no México. E naquele certame Walfrido apareceu em momentos importantíssimos.

Após marcar contra Madureira, Bangu e Olaria (vitórias vascaínas por 2 x 1, 4 x 2 e 3 x 1), uma partida chave na competição estava por vir. Pelo sorteio, Vasco x Flamengo seria o primeiro clássico do returno, a ser realizado logo na segunda rodada.

O jogo do turno fora duríssimo, definido pelo cruzmaltino Silva marcado aos 41 minutos da etapa final, após grande jogada individual do parceiro Walfrido, que driblara dois contrários antes de servir ao companheiro. Um a zero foi o placar final.

Foi no dia 30 de agosto, contra o rubro-negro da Gávea, que o "Espanador da Lua" começaria a construir de vez seu nome na história do clube.

Numa partida debaixo de chuva, o centroavante aproveitou uma bola que parara na poça d`água, após disputa com o zagueiro rubro-negro Washington, e marcou o gol único do jogo, aos 17 minutos do segundo tempo. Delírio total dos vascaínos no Maracanã.

Algumas rodadas depois, mais um gol, frente ao Campo Grande (goleada vascaína por 4 x 0), e quis o destino que fosse dele o tento que garantiria o título carioca por antecipação, após 11 anos de jejum.

Com a ajuda de Moisés, zagueiro alvinegro, o chute do centroavante foi encontrar as redes alvinegras no segundo gol cruzmaltino da vitória conquistada por 2 x 1 (o Botafogo descontaria próximo ao fim do jogo, enquanto Gilson Nunes abrira o placar em cobrança de falta).

Curiosamente foi a última vez que Walfrido balançou as redes adversárias com a camisa do Vasco. A chegada do centroavante Dé, oriundo do Bangu, fez o artilheiro perder espaço na equipe, mas sua participação naqueles dois clássicos em 1970, contra os mesmos adversários diante dos quais brilhara em 1967 (Botafogo e Flamengo), permaneceram por anos nas mentes e histórias do torcedor vascaíno sobre o jogador.

Após quase um ano sem balançar as redes, o "Espanador da Lua" desembarcou em Recife para retornar ao Santa Cruz, vestindo a camisa "cobra coral" no Campeonato Brasileiro de 1971, emprestado que foi pelo Vasco na ocasião para a disputa daquela competição. Entre agosto e dezembro Walfrido marcou cinco gols pelo Santa, três no Torneio Roberto Gomes Pedrosa e dois numa partida amistosa, frente ao CSA-AL.

Em 19/02/1972, após alguns treinos pelo Vasco dos quais participara, o atleta foi negociado em definitivo com o América, vindo o lateral Paulo César Puruca dos rubros para o Vasco na troca.

Na equipe americana jogou o Campeonato Carioca e marcou três gols, todos no primeiro turno, um deles contra a conhecida vítima Botafogo, em vitória de sua equipe por 3 x 0 (partida realizada no Estádio Vasco da Gama). Em 20 de outubro, após vários meses sem marcar, recebeu passe livre do América.

Dali por diante atuou no Toluca-MEX, Vera Cruz-MEX, Ypiranga-BA, Paysandu-PA, Noroeste-SP, Volta Redonda, Estrela do Norte-ES, Fluminense de Nova Friburgo, Portuguesa de Acarigua-VEN, terminando sua carreira pouco depois. Tempos mais tarde trabalharia nas divisões de base do Vasco (futebol/futsal masculino e futebol feminino).

Em sua passagem pelo Paysandu, sagrou-se Campeão Paraense de 1976 e vice artilheiro do campeonato. Já na Venezuela terminaria o campeonato nacional de 1980 como artilheiro da competição e vice campeão, defendendo as cores da Portuguesa de Acarigua.

Pelo Vasco, seu principal clube, no qual conquistou, também seu mais importante título, Walfrido marcou 45 gols, curiosamente apenas 8 de cabeça, embora exatamente sua impulsão nas bolas altas tenha lhe trazido o apelido de "Espanador da Lua".

De qualquer forma, a impulsão e coragem para enfrentar obstáculos e desafios, impulsionado pela crença em si próprio e na sua capacidade de superação, certamente o põem mais próximo do céu, onde chegará misturando português com castelhano, em ritmo de samba, para os que acreditam em céu, samba, alegria e, também, na paz eterna.

Valeu, guerreiro.

Sérgio Frias

Fonte: Casaca