Diretor da base, Álvaro Miranda fala sobre o trabalho no Vasco e elogia a geração de 1998

Quinta-feira, 04/05/2017 - 07:18
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Em meados de 2016, Jorginho, então técnico do Vasco, precisava de um volante. A indicação da base foi Jussa, titular e capitão da equipe sub-20. Mas o garoto teve um problema no púbis, ficou três meses parado. Em seu lugar subiu Douglas, que aproveitou a chance e hoje é um dos principais jogadores do elenco profissional. Jussa, que jogou o Carioca emprestado ao Bonsucesso, procura outro clube para atuar na temporada.

Esta história é um exemplo usado por Álvaro Miranda, diretor da base do Vasco, para ter cautela com o atual time sub-20 cruz-maltino. Com o título da Taça Guanabara e a boa campanha na Copa do Brasil – está nas quartas de final -, cresce o clamor pela presença de Ricardo, Alan, Andrey, Bruno Cosendey, Mateus Vital e Paulo Vitor, entre outros, na equipe principal. Mas Álvaro não quer atropelar a ordem das coisas.

Filho de Eurico Miranda, Álvaro é o diretor responsável por cuidar da toda a base do Vasco. Orgulha-se de ter construído relação próxima com a maioria dos atletas, inclusive muitos que estão no exterior, como Alex Teixeira, Alan Kardec e Phillippe Coutinho, a quem chama de Phillippinho. E é justamente o meia do Liverpool uma das referências para os garotos de agora, a badalada geração de 1998, vista como a mais promissora do clube.

O cuidado, agora, é fazer a transição dos meninos para o profissional. E evitar que eles saiam tão jovens quanto Coutinho, sem dar o retorno técnico esperado ao Vasco. Esta geração tem garotos que começaram ainda crianças em São Januário, e o objetivo do clube é tê-los todos a médio prazo na equipe de cima.

Confira a entrevista:

GloboEsporte.com: A geração 1998 é tida como a mais promissora do clube. Como fazer com que eles cheguem bem ao profissional?

Álvaro Miranda: Esse projeto vem de muito tempo. Do time que jogou a final, tirando o Mayck, todos os meninos chegaram com 10, 11 anos, até menos. Eu, particularmente, tenho muito carinho e acho que tem que ser olhado de perto e investido muito nisso. Porque vai muito de encontro com o que a gente pensa, que é a identificação com a instituição. O menino viveu todas as fases, os segmentos durante a carreira dele, desde a adaptação ao futsal até transição para o campo. Passou por diversos altos e baixos, mas conseguiu construir uma trajetória dentro do clube.

O que queremos que todos entendam, desde os menininhos, é que nosso critério vai ser desempenho, performance, identificação com o clube, e essa geração tem isso. Além de ser vencedora, são meninos que têm raiz dentro do clube. Por isso a gente dá muita atenção a essa geração, e eu quero transformar ela como exemplo para as outras que vêm atrás. Meninos que tiveram a origem no futsal e foram construindo através do dia-a-dia uma história e hoje estão chegando perto do profissional através dos méritos deles.

Você fala da importância de trazer os meninos ainda novos. Como está o processo de captação do Vasco?

A gente está se adequando. Temos um viés muito forte, que é o futsal. O garoto chega com cinco anos, e o Vasco é referência no futsal até 13 anos. Nossa captação infantil basicamente é por aí, mas já estamos com iniciação no campo a partir do sub-8, com treinos duas vezes por semanas. Começa a captação em cima de competições. Os meninos do sub-12, sub-11 estão com muita visibilidade, assessoria, e as coisas estão acontecendo mais rápido do que era antes. A captação tem que ser feita o quanto antes.

Tem o projeto novo, Descobridores...

A gente vai utilizar os ex-atletas do clube no Brasil inteiro fazendo essa captação para a gente. Como hoje não temos poder financeiro para ter captação no Brasil todo, que tem um custo alto, vamos utilizar esses ex-ídolos do clube que têm projetos sociais em alguns estados e vão fazer essa captação. Através disso vamos criar contrapartidas em relação ao aproveitamento dos meninos. Se for aprovado, damos retorno financeiro, assistência ao projeto.

A repercussão tem sido muito boa, porque a gente sente que esses ex-atletas que passaram por aqui e viveram a história ainda não conseguem se desvincular da instituição, se sentem muito próximos ainda. Vão vir aqui, passar período, conhecer estrutura, o nível dos atletas. Acho que tem tudo para dar certo. Vamos passar todos os procedimentos que a gente utiliza aqui.

E como funciona a captação no Rio? Porque há a concorrência de outros três grandes clubes, o Nova Iguaçu é muito forte na Baixada Fluminense...

A gente tem a concorrência dentro e fora, porque Grêmio, Internacional, Atlético-PR vêm muito aqui pegar jogador na Baixada, São Gonçalo. A gente procura monitorar essas áreas todas, as competições do futsal são muito grandes, conseguimos monitorar todas as equipes. Mas é complicado. Depende muito da força de vontade da comissão, dos treinadores, de correr atrás. Minha ideia, ainda embrionária, é criar projeto dentro das comunidades carentes. Vamos dar assistência técnica e criar algumas contrapartidas para ter preferência nessa captação. A gente não fecha portas para sub-20, sub-17, mas fizemos levantamento:

Todos os meninos que tiveram ascensão dentro do clube começaram aqui pequenos, com nove, 10 anos. A gente entende que esse comprometimento com a instituição, essa vivência são o diferencial.

O Phillippe Coutinho hoje é uma referência no Vasco pelo status que alcançou. Algum desses meninos de hoje pode chegar ao nível dele?

Comparar é complicado, porque o Phillippinho sempre foi referência na base. Mesmo assim foi para fora, teve período de adaptação, com certeza teve período de incerteza. Mas a gente nunca teve dúvida do potencial dele. A gente não tem dúvida alguma do potencial desses meninos. Agora, se vão chegar ao nível que o Philipinho chegou, do Alex Teixeira, a gente não tem como saber. Tomamos como contrapartida uma comparação com os demais, estão sempre em evidência, convocados para as seleções, o feedback das pessoas fora do clube.

Acho que depende muito de momento, do processo estar certinho, sorte, e a cabeça dos meninos. O que me preocupa hoje no futebol é o seguinte: o GloboEsporte.com fez transmissão do Campeonato Carioca e teve repercussão gigante. Tem a parte positiva do negócio, é bom para eles, para o clube, mas ao mesmo tempo tem a parte negativa, porque tem muita influência externa. Ele lidar com esse tipo de assédio, de compromisso, pressão, de repente é complicado.

Hoje o sub-20 está quase se equiparando ao profissional pela necessidade do torcedor de ter novos ídolos, garotos despontando. Torcedor quer jogadores jovens, ousados, que o time esteja sempre se renovando, mas ao mesmo tempo existe pressão pelo desempenho. As vezes o menino não construiu carreira sólida ainda e não aguenta esse tipo de pressão. Faz estreia no profissional. Se não for bem, pode ir tudo por água abaixo. Fico preocupado com essa exposição na categoria.

Como fazer essa transição para o profissional? Como o Milton Mendes participa?

O que temos feito é procurar ficar sempre em comunicação com o treinador, a comissão, o diretor de futebol, a presidência, para essa transição estar o mais próxima possível. Ele foi num jogo. É muito difícil isso acontecer. O treinador do profissional tem outras obrigações. Ele está sendo a parte mais interessada nesse processo. Estamos tendo algumas conversas, o Milton conversou com o treinador do sub-20, estamos para fazer algumas reuniões com ele com todas as comissões, do sub-13 ao sub-20. Eu vejo isso como fator fundamental no processo. Outro é ter cuidado nesse aproveitamento. Tem que ser coisa gradativa. Ele tem gostado de alguns meninos. A gente tem conversado. Só se o garoto estiver muito acima do processo, mas tem que respeitar a hierarquia de idade, de títulos, conquistas, do que o cara construiu, para não criar um mal-estar.

Dá para esperar a utilização desses meninos do sub-20 já no Brasileiro?

A gente carimbar é meio complicado. Eu acredito que alguns desses meninos vão ser aproveitados a curto e médio prazo, mas tudo depende. São vários fatores. Ele puxou o (Mateus) Pet porque tem dois, três jogadores machucados. Ele está vendo uma brecha numa situação. Clube de futebol depende muito de resultado, das coisas estarem andando e os meninos não sentirem muito esse baque. A gente está fazendo de tudo, aproximando ao máximo para que não tenha muito essa barreira de sub-20 e profissional.

Quem você vê mais pronto?

Os jogadores que estão há mais tempo treinando (Nota da redação: Alan, Andrey, Mateus Vital e Ricardo já passaram pelo profissional). O jogador que eu visualizava que tinha mais chance de ser aproveitado a curto prazo era o Caio (Monteiro, atacante), mas ele está passando por problemas de ordem médica, não está numa fase boa fisicamente. Tem o Pet, o Andrey, o Evander. São jogadores que hoje temos um aproveitamento mais rápido. Paulo Vitor está pedindo passagem. O Bruno voltou diferente de Portugal, é um jogador que tem muito potencial. Tem o Ricardo. Vai depender muito do dia-a-dia.

Queria que você falasse sobre a situação do Bruno Cosendey. Ele teve um episódio do áudio do pai dele (reclamou de favorecimento na base do Vasco), foi emprestado ao Vitória de Guimarães, de Portugal, voltou agora...

O Bruno é um menino que começou comigo com 10, 11 anos. Ele passou por todo esse processo que os meninos passaram, de ser sempre especulado como a joia, o novo craque da base, e quando a gente retornou (em 2015, na atual gestão de Eurico Miranda), ele tinha status aqui de estrela. A gente teve alguns problemas, ele sempre foi um menino dedicado, disciplinado, mas a sabemos que esse processo é complicado. Ele já estava meio desgastado na época, depois aconteceu o episódio do pai dele, um cara com quem me dou super bem.

Ficou meio complicada a situação dele, não por culpa dele, mas desses fatores externos. A gente acaba se excedendo em algumas situações. Não podemos esconder. Existem problemas. Com pais, empresários, exigência de jogador. O que eu entendi é que ele teria que dar uma saída para espairecer, viver outra coisa e, se fosse por bem, voltava. Foi o que aconteceu. Foi para lá, viveu outra realidade, conheceu outro futebol, voltou muito mais humilde do que era, entendeu o futebol. Sempre foi diferente na questão técnica e mental.

Hoje ele está conseguindo entender o jogo melhor. Ele me procurou junto com o Ricardo na época para voltar, e eu sempre confiei no talento dos meninos. Eles têm talento. Expliquei o processo, falei que nossa ideia é que não tenha mais problema, que tenha foco só em jogar. Hoje estou feliz porque o desempenho foi lá para cima. Acho que só depende deles, de terem aproveitamento, estarem jogando no profissional.

Tem também a questão do Paulo Vitor, que era do Vasco, foi para o Fluminense, saiu de lá em litígio.

Ele começou com a gente com nove anos, eu participei diretamente desse processo. Tinha ligação muito forte com ele. Nesse período que a gente saiu ele teve alguns problemas e foi para o Fluminense. Na nossa volta, coincidentemente a gente se encontrou, perguntei se tinha interesse de voltar, ele disse que tinha. Veio o imbróglio. A gente achava que ele estava livre, mas não estava. Esse é um assunto superado. A origem dele é do Vasco, então eu queria ele no Vasco de qualquer maneira. Nossa situação com o Fluminense está resolvida, fico feliz de ter brigado por ele, porque hoje não me arrependo em nada. É um menino completamente identificado com a gente. Vejo muito potencial, tem muito o que evoluir na parte mental, precisa amadurecer ainda, mas, desde garotinho, vislumbramos jogando em nível profissional. Deu certo. Foi uma escolha minha que deu certo.

Recentemente, o Vasco renovou o contrato do Hugo Borges, mas só até 2018. Geralmente se renova com jogadores mais promissores por mais tempo. Por que essa opção?

Nossa filosofia hoje é dar o maior lastro possível para o atleta. Ele tem que estar no ano da categoria pedindo passagem. O Hugo teve muitos altos e baixos. É indiscutível a questão técnica dele. Agora, tem que amadurecer como atleta. Deixei bem claro para ele. Não estou preocupado com essa renovação. Renovei até o fim do ano dos juniores. Quando começar janeiro, tem que estar no profissional, e aí a gente conversa sobre renovação. Não foi questão definitiva, foi questão de motivá-lo a entender que tem que se dedicar, trabalhar para as coisas virem a ele.

Diminuímos esse problema. Estamos fazendo contrato com os meninos até o último ano dos juniores, mas nada impede que antes desse período a gente renove. Mas tem que estar pronto para jogar no profissional. Não adianta renovar contrato de um menino estourando a idade e o treinador falar que não serve agora. Queremos que quando o jogador esteja no último ano esteja com a vida resolvida. Não podemos ter o Hugo com 20 anos e outro com 17 o atropelando no processo.

O Douglas hoje é titular absoluto do profissional, mas não era o cara mais badalado da base. Surpreendeu a forma como ele se firmou?

Não. Tecnicamente o Douglas sempre foi diferente. E tinha personalidade diferente. A gente não pode atropelar o processo. Quem atropela o processo é o atleta. Ele sempre foi titular do infantil, do juvenil. Quando subiu no primeiro ano era titular dos juniores, porque o Andrey estava no profissional. O processo era esse. Andrey sempre foi convocado para as seleções. A gente tem que respeitar essa situação. As pessoas falam que o Douglas era renegado. Não é bem assim. Ele sempre foi titular, jogou até de lateral. Ele era um menino que oscilava o jogo dele. Acho que o jogo dele se adaptou mais ao profissional do que aos juniores, porque é outro tipo de jogo. Chegou com personalidade, aproveitou a chance que teve e foi bem. É mérito dele. Não é que ele tenha sido sempre descartado na base. Aqui no clube a gente não costuma diferenciar ninguém. Ele hoje está construindo a história dele no clube através do desempenho.

O Phillippe Coutinho é sempre citado como exemplo de sucesso da base. Mas saiu muito cedo. Sabemos que é preciso vender os jogadores por causa da questão financeira, mas como fazer com que eles deem mais retorno técnico desta vez?

Coutinho foi na época do início da Lei Pelé, em que não tínhamos como segurar o jogador. Ou você vendia ou perdia. Hoje temos processo para segurar o jogador, através do contrato. Só sai através da multa. Problema hoje é a questão financeira. Não tem como a gente competir com proposta que venha de 10, 20, 30 milhões. Nossa ideia é manter os meninos o maior tempo possível, porque a gente quer construir um legado dentro do clube de vitorias. A gente tendo o maior número de jogadores que entendam esse processo do Vasco, que vivenciem esse dia-a-dia, a gente consegue criar time vencedor. Mas é complicado. A gente fica meio que refém na questão das propostas estrangeiras.

Fonte: GloboEsporte.com