Filme sobre a vida de Heleno de Freitas revive briga com Flávio Costa

Terça-feira, 06/03/2012 - 15:07

“Eu era mais feliz quando tinha raiva”, diz Heleno de Freitas pela voz de Rodrigo Santoro. Verdade. O Heleno de Freitas da vida real era muito mais feliz antes de a sífilis e o éter transfomarem raiva em loucura. Sua história, das mais dramáticas vividas por um jogador de futebol no Brasil, é a de um ídolo — bonito, elegante, inteligente, rico, famoso, excepcionalmente bom de bola — que em pouco tempo perdeu tudo isso para viver seus últimos anos entre as paredes de um sanatório em Barbacena. Nisso, e pela consciência que tinha de sua derrocada, a história de Heleno é mais triste que a de Garrincha.

Sua raiva era a de um craque diferente, pela vontade de ganhar, pelo desespero com que buscava a perfeição, pela intolerância com os pernas de pau, pela aversão aos adversários desleais e pela reação explosiva aos árbitros incompetentes. O futebol era a sua vida. E quando o domínio da bola começou a perder-se nos pés do homem de nervos estropiados, foram-se a raiva e a felicidade.

Na época, chamavam-no de “temperamental”, poucos percebendo, por trás dos destemperos com os adversários e com os próprios companheiros, vestígios da paralisia progressiva que começava a miná-lo.

“Eu sou a própria vontade de vencer”, diz Heleno novamente pela voz do ator que o representa soberbamente no filme de José Henrique Fonseca. Um filme que enfatiza a derrocada do ídolo em relação à glória de Heleno como centroavante clássico, de passes e chutes precisos, excelente cabeceador, titular do Botafogo, da seleção carioca e do escrete brasileiro, no tempo em que se escrevia scratch.

Em mais de uma cena, fica-se sabendo do sonho (na verdade, obsessão) de Heleno em relação à Copa do Mundo que se realizaria no Brasil em 1950. Outra vez, verdade. Heleno tinha sido um dos grandes nomes do Campeonato Sul-Americano de 1945, no qual, com Tesourinha e Zizinho de um lado, Jair e Ademir do outro, formara um ataque “cheio de luzes”, como o definiu a revista argentina “El Grafico”. Tinha cumprido, também, excelentes temporadas de 1946 a 1949. Neste último ano, com a camisa do Vasco, pelo qual sagrou-se campeão invicto (triste ironia para um botafoguense que jamais passara de vice em seu clube de coração). Enfim, com Leônidas da Silva perto de aposentar-se e sem outro centroavante de seu nível à vista, Heleno tinha todo o direito de sonhar.

A quem assiste ao filme — sem ter tido a oportunidade de viver aquela época — talvez ocorra uma pergunta: não fosse a briga com Flávio Costa, técnico do Vasco e da seleção brasileira (briga de revólver que o filme revive), será que Heleno teria realizado seu sonho? E, com ele no ataque, o Brasil teria melhor sorte?

Resposta negativa para as duas perguntas. A briga com Flávio já era atestado de que a raiva de Heleno dera lugar à loucura. E o admirável craque que ele tinha sido já saíra de campo para não mais voltar. No final, no sanatório, sequer lhe restavam as lembranças de quando fora feliz.

Rodrigo Santoro na pele de Heleno de Freitas: ‘Eu era melhor quando tinha raiva’


Fonte: O Globo online