Da Diagonal ao 4-2-4

Luiz Mendes

Extraído do livro "As Táticas do Futebol Brasileiro - Da Pelada ao Pelé", de Luiz Mendes, Edições de Ouro, 1963 (com algumas adaptações e a adição de notas de rodapé).

"Diagonal" igual ao "WM"

O jornalista e técnico esportivo Cândido de Oliveira, muito prestigiado em Portugal, conta em seu livro "WM" que esperou ansiosamente a visita do Vasco da Gama a Lisboa, porque desejava conhecer a famosa "diagonal" brasileira.

Cândido (já falecido) era um estudioso do futebol. Inclusive, depois de haver sido selecionador português, andou pelo Brasil como técnico do Flamengo. Veio apenas para um período curto, dizia-se na época que para colocar as coisas nos lugares lá pela Gávea. Realmente manteve-se invicto o time rubronegro por cerca de 40 dias. Cândido ia retornar a Portugal, mas os jogadores e dirigentes do Flamengo o homenagearam com um banquete e fizeram-lhe um apelo para que permanecesse em terras brasileiras e consequentemente continuasse como treinador. Cândido aceitou.

E como o futebol está cheio de esquinas traiçoeiras, o Flamengo não mais ganhou até que o bondoso e experimentado técnico viu-se obrigado a sair.

Depois que Cândido de Oliveira regressou a Portugal, muitos técnicos foram deuses nos dias de vencer e rolaram como Judas em sábado de Aleluia nos momentos desagradáveis dos reveses.

Mas eu lhes dizia: Cândido de Oliveira esperou ansioso a visita do Vasco para conhecer a "diagonal". Bem antes de ter vindo para o Brasil, é claro1. Na Europa todos jogavam no "WM" - três "backs", dois médios volantes, dois meias recuados, três dianteiros avançados2. Como seria a "diagonal"? Em seu livro, Cândido nos conta que experimentou tremenda decepção ao verificar que a "diagonal" era um "WM" com o "W" do ataque torto de uma perna. E achou curiosa a forma de numeração adotada pelo treinador do Vasco da Gama - então Flávio Costa - que era diferente da do WM", embora a disposição dos jogadores fosse igual, exceção feita da tal perninha torta. Assim é que no "WM" os jogadores obedeciam a seguinte numeração:

WM

Essa era a numeração, obedecendo-se rigorosamente, como está aí, a colocação dos jogadores no campo.

E a "diagonal" no Vasco era assim3:

diagonal pela esquerda

Note-se que a colocação dos homens era igual num e noutro sistema, ou seja, no "WM" e na "diagonal". Só na ofensiva é que se adiantava um meia, mas isso era feito para aproveitar, no caso precípuo do Vasco, a maneira personalíssima de jogar do extraordinário Ademir Menezes, homem de área, de velocidade estupenda. Então a única diferença existente na "diagonal" do Vasco da Gama em relação ao "WM" europeu estava nisso: O "quadrado mágico" não existia na "diagonal" vascaína, pois só o meia-esquerda atuava na meia-cancha, ficando o trabalho de meio de campo entregue a três homens e não a quatro como no "WM".

E aí é que o "W" da linha de frente no esquema da "diagonal" ficava com uma perna mais curta... Cândido de Oliveira chegou à conclusão de que a "diagonal" nem chegava a ser mesmo uma variação do "WM". Para ele, "diagonal" e "WM" eram uma e a mesma coisa, com diferença apenas na designação (e numeração) das posições, pois o "center-half" do "WM" era o mesmo que o "back" central da "diagonal"; o "back" esquerdo era igual ao "half" esquerdo e o "half" esquerdo a mesma coisa que o "center-half".

Terá a mesma opinião quem viu o Flamengo jogando também em "diagonal", mas colocando seus jogadores exatamente como o "WM". Senão vejamos:

diagonal pela direita

Notem que apenas havia uma diferença de numeração, mas a designação de "diagonal" se dava pelo fato de que os três médios, ou pelo menos os três que recebiam a designação de médios, jogavam numa linha diagonal que começava no nº 4 - Biguá e terminava no nº 6 - Walter4.

Nesse tempo, portanto, havia a "diagonal" pela direita e a "diagonal" pela esquerda. No Flamengo era pela direita, no Vasco pela esquerda. O que estabelecia a "diagonal" era a linha média.

Teimava-se em falar de três médios, embora eles já estivessem reduzidos a dois. Os cronistas publicavam as escalações com três "halves" - Biguá, Bria e Jayme (Flamengo) - Ely, Danilo e Jorge (Vasco) - Bauer, Ruy e Noronha (São Paulo) - etc., etc. Só por tradição, cremos5. Porque já se delineara, claríssima, a linha dos três "backs", bem como a outra dos dois médios. E assim, conscientemente, ninguém mais podia dizer que Biguá era médio ou que Noronha e Jorge não eram zagueiros.

Em realidade, porém, Cândido de Oliveira tinha razão. Dava-se uma numeração diferente, mas se jogava exatamente como os europeus em seu "WM". Menos o Vasco, é bom frisar, porque o Vasco tinha Ademir e por isso adiantava um atacante, deixando a meia-cancha com três homens. E essa característica de Ademir iria dar as primeiras luzes para a colocação dos quatro "backs", hoje consagrada no futebol internacional.

A confusão

Essa história de se usar "diagonal" pela direita ou pela esquerda estabeleceu tremenda confusão entre os adeptos do futebol em nosso país. Na época da convocação para a seleção, o público respondia às consultas dos jornais da maneira mais confusa possível. Alguns órgãos da imprensa faziam concursos perguntando: "Qual a sua seleção?" Os leitores arvoravam-se em selecionadores e mandavam as mais estapafúrdias relações de jogadores, confundindo posições e nomes, graças àquele conto de se chamar "diagonal" ao "WM" e de dar numeração diferente daquela adotada pelos europeus.

Assim, era comum ver-se na relação enviada para o quadro "A" o nome de Ely do Amparo e na do quadro "B" o nome de Biguá. Como os de Augusto e Newton para "back" direito. Na Copa do Mundo de 1950, ninguém entendia a convocação de Nílton Santos, "back" esquerdo do Botafogo, para jogar na mesma posição de Noronha e Bigode, médios esquerdos do São Paulo e do Flamengo.

Ademir e Zizinho eram apontados para a meia-direita, mas todos devem estar lembrados de como jogavam os dois. Um - Ademir - ponta-de-lança, que foi a nomenclatura nova que se deu mais tarde ao meia avançado; outro - Zizinho - era meia armador, designação nova também, aplicada ao meia que atuava no centro da cancha.

Em verdade, Biguá era "back" lateral direito, tanto quanto Augusto, e não "half" direito como indicava a sua numeração. Assim, também, Noronha "back" lateral esquerdo, o mesmo que Nílton Santos, embora na escalação se desse a Noronha a posição de médio esquerdo. E assim, sucessivamente.

Só bem mais tarde, quando os jornais começaram a publicar a escalação dando as posições dos jogadores em campo, é que o público passou a entender melhor essa história. Agora já não se liga muito para os números e é comum ver-se uma equipe jogando com numeração seguida.

Os quatro "backs"

Dissemos, linhas atrás, que Ademir foi a razão dos primeiros albores dos quatro "backs". A "diagonal", tanto quanto o "WM", aplicava a tática dos três zagueiros. Ondino Viera estava como técnico do Botafogo em 1947 e Ademir militava no Fluminense desde 1946. Nesse ano, fora campeão o Fluminense. Gentil Cardoso, então treinador do Fluminense, tivera uma frase famosa: "Dêem-me Ademir e eu lhes darei o campeonato". Ademir estava no Vasco, era campeão de 1945. O tricolor, atendendo ao apelo de seu técnico, foi buscá-lo. E Gentil cumpriu a promessa.

Não era difícil uma equipe se fazer campeã contando com Ademir. Perácio havia sido um jogador de "rush", que atuava recuado e partia dessa posição em arrancadas estupendas. Marcava tentos inesquecíveis com um chute dos mais fortes já vistos no nosso futebol. Mas não dava ao ataque de que fizesse parte, o mesmo esquema de jogo que depois se viu com Ademir.

Ademir foi o homem que inventou uma nova posição - a de ponta-de-lança6. Jogava na frente, e um lançamento feito para a área, atrás dos "backs", era sempre alcançado por Ademir, cuja velocidade se fez famosa. Ninguém o dominava nesses lances e ele marcava gols notáveis, mercê de uma segurança incomparável nos tiros ao arco, com pontaria e calma para fazê-lo. Era um pânico para qualquer equipe jogar contra o time que contasse com Ademir Marques de Menezes.

Voltando a Ondino Viera, ele estava no Botafogo em 1947. Percebendo o perigo de enfrentar o Fluminense, ou melhor, de enfrentar Ademir, Ondino imaginou um plano de jogo. Tirou do zagueiro Gérson a tarefa verdadeiramente amarga de cuidar a um só tempo de Simões e Ademir - ambos jogando na porta da área alvinegra. Para cuidar de Ademir, recuou um dos médios e escolheu na reserva botafoguense o homem que melhor característica possuía para esse trabalho. Um jogador que nunca foi um craque, mas que cumpria uma determinação tática com aplicação severíssima. Chamava-se Newton e podem crer que esse rapaz foi o primeiro quarto-zagueiro do futebol brasileiro.

As coisas se foram tornando mais difíceis para Ademir, já que a tarefa dos outros três "backs" ficava mais desafogada. O trabalho de ligação, na meia cancha, permanecia a cargo de três homens e não de quatro, como antes. No caso do Botafogo, Juvenal, Geninho e mais o veterano Tim.

No entanto, por toda parte, assimilava-se o estilo de jogo de Ademir, adaptavam-se jogadores à nova posição - a ponta-de-lança. No Sul ia surgindo Hermes, cuja velocidade lhe dava meios para jogar na frente como homem-gol, denominação que passou também a ser dada ao ponta-de-lança. No Botafogo, surgiu Otávio; no próprio Vasco apareceram Vasconcellos e Edmur, este vindo do Canto do Rio, onde mostrara as características inauguradas por Ademir. Em São Paulo, Pinga aparecia como o mais sério rival do jogador pernambucano.

Enfim, por toda a parte, brotavam os homens de área que passaram a fazer dupla com o centroavante nas brigas pelo gol. E os técnicos começaram também a planejar a maneira de não deixar para quatro atacantes apenas três zagueiros, ficando o central com a mais difícil tarefa - a de cuidar de dois homens. Foi sendo seguido o exemplo de Ondino - passou-se a recuar um médio para marcar o ponta-de-lança - e aí então se desenhou nitidamente a linha dos quatro zagueiros, e como todos adotaram um meia avançado, tinha-se também uma linha de quatro atacantes. Mas um meia ficava recuado, com uma tarefa estritamente de armação (o meia-armador), e um médio se projetava com a mesma missão do meia (o médio-volante) - e daí se entregar a apenas dois homens o que antes cabia a quatro, pouco depois a três - a organização das jogadas no meio do campo.

Convém que se diga que isso foi aparecendo aos poucos, de 1946-47 para cá. Não havia rigor nessa esquematização. Pelo menos, nem todos os quadros jogavam assim. O Vasco, por exemplo. Ademir voltou para São Januário, o time cruzmaltino seguiu como base da própria seleção brasileira, porém jogando com três zagueiros, três homens de meia-cancha e quatro dianteiros avançados. Só em 1950 é que o Vasco adotou o quarto "back". Ely deixou de ser homem de meio-campo e foi recuado, formando a linha dos quatro "backs"7.

O "tico-tico no fubá" do America - China, Maneco, Dimas, Lima e Jorginho8 - também deixara de jogar com os dois meias recuados como fizera até 1949, adiantando Maneco.

No jogo final (Vasco 2 x America 1) que decidiu para o Vasco o certame de 1950, Ely jogou entre Laerte e Jorge, na esquerda, cuidando só de Maneco. Flávio Costa era técnico do Vasco e foi nesse ano que ele usou pela primeira vez a linha dos quatro "backs", dos três armadores e dos três dianteiros. Pouco antes - quando perdemos a Copa do Mundo para os uruguaios - a equipe nacional jogou estritamente no "WM", especialmente nos jogos da fase final do campeonato.

O 4-2-4 em Minas

A seleção nacional brasileira em 1950 só tomou uma formação definitiva depois do jogo com a Iugoslávia. Ademir, que fora sempre ponta-de-lança, passou a ser centroavante e assim se aproveitou a grande dupla de meias, Zizinho e Jair.

Então observe-se: À frente de Barbosa jogaram três zagueiros - Augusto, Juvenal e Bigode. Na meia-cancha, como médios volantes, apareceram Bauer e Danilo. Um pouco mais à frente desses dois e às vezes até paralelamente a qualquer deles, víamos Zizinho e Jair. Projetados na frente, Friaça, Ademir e Chico. "WM" típico, mas com a numeração de diagonal9. Assim:

diagonal da selecao de 1950

Flávio Costa era o técnico do quadro brasileiro. Logo depois, perdido o certame, voltando ao seu clube - o Vasco - Flávio modificou a missão do médio direito - Ely do Amparo - fazendo-o recuar, como demonstramos no capítulo anterior. Veja-se que desde 1946 já se procurava jogar no Brasil com quatro avançados e às vezes com quatro "backs". Voltava-se, porém, sempre aos três "backs".

Na seleção de 1950 executou-se um "WM" exatamente porque as características de Zizinho e Jair eram de meia armador. Ninguém pensava que Zizinho pudesse ser homem de área, pois desde que se projetara no futebol vinha jogando no meio de campo. E Jair também. Só mais tarde, com Ondino Viera no Bangu, Zizinho foi tentado como ponta-de-lança e brilhou de tal forma que se fez artilheiro do campeonato carioca de 1951. Foi pena que não se pudesse arriscar uma experiência em 50, fazendo-o jogar na frente com Ademir e deixando a armação para Bauer, Danilo e Jair.

Vale insistir, todavia: Apesar de se ter visto o 4-2-4 algumas vezes antes de 1953, foi nesse ano que ele se fez definitivo no Rio. Entre 1950-53 usou-se mais variações do "WM" ou da "diagonal" se quiserem. Em 53 o 4-2-4 tomou forma e ganhou as simpatias dos treinadores. Lembre-se, no entanto, que em 1952, duas equipes mineiras já adotavam esse sistema: Vila Nova - com Martim Francisco como técnico - e Atlético, com Yustrich.

Tendo eu ido a Minas para transmitir um torneio de que participou um time carioca, lá vi esses dois clubes adotando em suas equipes o sistema hoje vitorioso em nosso futebol. Martim Francisco me disse nessa ocasião que o fez para poder aproveitar no Vila Nova dois zagueiros centrais esplêndidos com que contava. Se jogasse com três "backs", um destes dois centrais teria que ficar de fora. E como o seu maior rival de então - o Atlético - jogava com um ponta-de-lança - Carlyle -, ao invés de recuar um médio para fazer o trabalho de quarto zagueiro, Martim colocou ali um zagueiro de verdade. E o Vila Nova foi campeão10.

No Atlético, Yustrich fez o mesmo. Adiantou um de seus meias e recuou um de seus médios, executando (dizem os mineiros que pouco depois de Martim Francisco) o mesmo esquema de jogo.

No Rio, entretanto, só em 1953, com o Flamengo de Fleitas Solich viu-se a aplicação, digamos, definitiva, do sistema. E a denominação "4-2-4" quem deu fui eu: olhando, numa transmissão de jogo, a disposição dos jogadores, observei que havia uma linha de quatro "backs", outra de dois médios e uma terceira de quatro avançados. E disse: "Este é um sistema de jogo que se poderá chamar 4-2-4".

Dali para a frente, o batizei assim e escrevi na revista "Esporte Ilustrado" muitas crônicas de jogo em que apontava aquele sistema com essa denominação. Albert Laurence, em suas crônicas nos jornais "Última Hora" e "Jornal dos Sports", engrossou a determinação. Ela pegou e ficou para valer no mundo inteiro. Também porque Geraldo Romualdo da Silva a adotou, fazendo-a circular em seus magníficos comentários.

Notas: