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Feminino: Conheça a promessa Byanca Brasil, que joga no Vasco


Domingo, 15/05/2011 - 20:40

É tarde de uma sexta-feira e Byanca Brasil está furiosa. Para não perder a linha, ela prefere ficar em silêncio. Os olhos, entretanto, transmitem a irritação da adolescente. Um mau humor justificado: por causa da entrevista para a Revista O GLOBO, ela teve de perder o treino no time de futebol feminino, da categoria sub-17, do Vasco da Gama.

A equipe de reportagem chegou com uma hora de atraso ao local marcado, após enfrentar um trânsito de duas horas do Centro até Campo Grande. O que não serve como desculpa. Byanca, de 15 anos, tem razão. E sua raiva, de certa forma, traduz a paixão que sente pelo futebol.

Jogando como atacante, ela foi artilheira do Bangu no campeonato carioca conquistado em setembro passado na categoria que reúne jogadoras com menos de 17 anos. Também foi artilheira, no mesmo semestre, do torneio voltado para meninas abaixo dos 15, já usando a camisa do Vasco.

Além de chamar a atenção pelos gols marcados, Byanca se destacou pelas jogadas de efeito. Ela executa com perfeição o drible conhecido como lambreta, em que o jogador lança a bola de calcanhar, dando um desconcertante lençol no adversário.

— Mas ela não é malabarista. Chuta com as duas pernas. É boa em todos os fundamentos — elogia Átila Alves de Araújo, de 39 anos, pai declaradamente coruja de Byanca. — E ainda sabe dar elástico (drible inventado pelo ex-jogador Rivellino) e pedaladas.

Enquanto ele lista as qualidades da filha, ela segue olhando para o chão. Não quer papo. Já Átila fala bastante, e com entusiasmo, sobre o potencial da menina. Morador de Campo Grande, ele enfrentou uma separação há três anos e passou a criar sozinho os quatro filhos: Junior, de 18 anos, Fernando, de 12, Rafael, de 7, e Byanca Beatriz. O “Brasil” surgiu como sobrenome “artístico" por sugestão de Claudino de Melo, ex-técnico da jogadora no Bangu e amigo da família. Ao assistir ao programa “Big Brother Brasil”, ele associou BBB à BB, à Byanca, à Beatriz, e, numa conjunção de trocadilhos, surgiu Byanca Brasil. Em vídeos no YouTube, ela também é identificada como “a rainha das lambretas”.

— No futebol masculino, ninguém dá lambreta, porque o drible é considerado um abuso pelo adversário. Mas o feminino é mais romântico, cabe uma lambreta — diz Claudino.

Aos 28 minutos de entrevista, Byanca dá uma trégua e responde à primeira pergunta:

“Onde você aprendeu esse drible?”

— Em casa, na escada — resume a menina.

No quintal da casa onde morou na infância, ela repete o drible consagrado nas quadras pelo jogador Falcão, da Seleção Brasileira de Futsal. Átila chegou a gravar em vídeo uma cena em que o craque dá uma lambreta num jogo. Byanca viu várias vezes o movimento e, depois, iniciou o treinamento, tendo como adversária uma escada velha de madeira.

— Hoje, em cada dez lambretas, ela acerta dez — diz o pai, que atualmente mora com os filhos em Realengo.

Como de praxe, o surgimento de um jovem talento resulta em avaliações prematuras baseadas nos exemplos de grandes ídolos. No caso, observadores mais empolgados chegam a comparar Byanca à jogadora Marta, eleita melhor do mundo nas últimas cinco eleições da Fifa. O atual técnico da seleção brasileira feminina, Kleiton Lima, reconhece seu talento, mas considera um equívoco criar tal expectativa.

— Ela tem um repertório de dribles muito bom. Mas daí a considerá-la uma nova Marta vai uma distância muito grande — avalia.

— A Byanca ainda precisa adquirir experiência em competições. Por enquanto, ela é uma promessa. O técnico destaca um problema crônico do futebol feminino: ganhar ritmo de jogo é um desafio e tanto na estrutura atual do esporte, ainda amador.

Nos clubes, não há continuidade nos projetos. As jogadoras são contratadas por torneio. Ao fim de cada um, são dispensadas e recontratadas na temporada seguinte. Sem dinheiro, muitas acabam seguindo outra profissão e abandonam o esporte.

— A jogadora de futebol feminino no Brasil tem um tratamento equivalente ao de um jogador masculino da série C — acrescenta Kleiton.

Em 2010, Byanca jogou um torneio pelo Bangu e outro pelo Vasco. No início deste ano, foi anunciada como jogadora do novo time feminino adulto do Flamengo. Em abril, um mês após o anúncio, o projeto acabou adiado. Logo depois, as 25 jogadores que representariam a equipe rubro-negra foram negociadas num mesmo pacote com o Bangu. Byanca entre elas. Mas a estreia na categoria adulta do campeonato carioca acabou adiada também. A adolescente ainda não completou 16 anos, idade mínima exigida pela Federação de Futebol do Rio. Hoje, ela treina no Vasco, visando ao campeonatos das divisões de base.

O sonho de Átila é ver a filha convocada para as Olimpíadas de 2012, em Londres. Nos últimos anos, para acompanhar de perto a carreira da menina, ele abandonou emprego e passou a “viver de bicos”, como pedreiro ou cozinheiro. Na semana passada, estava feliz por ter conseguido um emprego no refeitório do Vasco. Assim, poderá ficar mais perto de Byanca, e vai ganhar R$ 600 por mês.

— Minha prioridade é ajudá-la a chegar a algum lugar. Esse ainda não é o sonho que sonhei para ela. Mas estamos no caminho — diz Átila, observado pela filha, que enfim abre um luminoso sorriso.




Fonte: Revista O Globo