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Dodô fala de sua saída e diz que torcida do Vasco é maravilhosa


Sexta-feira, 29/10/2010 - 14:17

Dodô já tentou combater a própria personalidade. Em uma bela tarde de sua longa carreira, o atacante comemorou um gol como um gladiador sedento de sangue. Pulou alambrados, sacudiu os braços com força, arregalou os olhos e proferiu gritos de guerra. Tentou repetir a coreografia, mas sentiu náuseas. Alheio às campanhas de autopromoção, tão difundidas entre as estrelas do futebol, Dodô, atualmente na Portuguesa, disse em entrevista ao UOL Esporte que não apoia jogadores marqueteiros e só não conquistou mais títulos por ser uma “pessoa muito azarada”.

A frieza demonstrada por Dodô em campo foi talvez sua maior inimiga. Apelidado de "Dodorminhoco" pelas torcidas paulistas, o atacante ganhou mais adversários do que fãs na capital paulista. "Não era fácil. Tinha que ter sangue frio. Eu mal entrava em campo e a torcida já gritava: 'Acorda Dodô, o jogo já começou!' Não era fácil suportar", disse o atacante, que considera a torcida do Palmeiras a mais chata que já conheceu.

No início de carreira, sob o comando de Telê Santana, o atacante viveu o encanto de ser considerado um dos jogadores mais promissores do futebol brasileiro, quando ainda defendia o São Paulo no final dos anos 1990. Em 97, chegou a ser convocado por Zagallo para defender a seleção brasileira. Porém, dez anos depois, atuando pelo Botafogo, viveu o maior drama de sua carreira, após ter sido flagrado no exame antidoping por ter utilizado a substância fenproporex (anfetamina) em partida contra o Vasco. Em 2008, a Corte Arbitral do Esporte acatou recurso da Fifa e da Wada (Agência Mundial Antidoping) e o suspendeu por dois anos dos campos.

“Fui utilizado como um exemplo”, disse. “Não tem como duvidar de uma coisa (um remédio) que o clube te passa, principalmente se esse clube é o Botafogo. Levei uma punição que nenhum jogador de futebol havia levado.”

Você já defendeu seis dos oito maiores clubes do eixo Rio-São Paulo. Qual a torcida mais chata que você teve que aguentar?

A do Palmeiras. Entrar no Palestra Itália era complicado. Se o time não correspondia, eles (os torcedores) vinham fortes, pegavam no pé. Você vê a torcida do Botafogo, do Vasco e Fluminense. Elas são maravilhosas. No Rio, acho que por ser uma cidade mais habituada com artistas, o trabalho é mais tranquilo. Em São Paulo, a cobrança, tanto da torcida quanto da imprensa, é mais rigorosa.

Mas na sua época de Palmeiras o time foi rebaixado...

Sou meio azarado, caraca meu.. O time do Palmeiras daquele tempo (em 2002) era razoável. Tinha jogadores como Zinho e Arce. No Bota, antes de chegar ao Palmeiras, eu estava numa fase espetacular. E estreei bem pelo Palmeiras. Ganhamos do São Caetano e pensei: ‘Agora vai. O time vai reagir’.Mas nada. Veio o Levir, e nada. E posso garantir que não tinha racha, não tinha briga. Um jogador motivava o outro: 'Vamos lá’!. Mas não tinha solução. Tem jogo que você martela, insiste e não adianta nada. Inexplicável.

Você sempre jogou em clube grande, mas não conquistou muitos títulos. Atribui isso ao fato de ser ‘azarado’ como disse?

Fico triste porque poderia ter ganhado. Ao mesmo tempo, eu não jogava sozinho. Cansei de ser artilheiro e ver meu time perder. Um Paulista e um Carioca é muito pouco para a minha carreira, para os times que eu joguei. Você olha minha carreira e percebe: tem muito vice-campeonato! O São Paulo de 1997 e 1998, na minha opinião, não se compara ao São Paulo de hoje, que ganhou tudo. Aquele time do São Paulo era melhor. O Santos do meu tempo era um timaço, mas não ganhava também.

Você nunca gostou de comemorar muito os gols. Não faltou um pouco de marketing?

Eu escutei muito isso. Já tentei fazer gol e subir no alambrado, mas aí você faz uma, duas vezes e cansa. Voltei ao normal. É coisa minha, prefiro dar crédito a quem passa a bola. Hoje tem marqueteiro demais. Já cheguei a clubes em que na reunião, antes de fechar o contrato, algumas pessoas falavam que eu tinha que ser marqueteiro, que faltava isso para mim, que tinha que fazer algo extra, além de jogar futebol. Mas ser marqueteiro e falar alguma mentira não são coisas para mim.

Você sempre pareceu muito calmo. É difícil ser tranquilo assim no futebol profissional?

Já vivi muita coisa no futebol e sei que não adianta se empolgar muito quando o momento está bom. Da mesma maneira, quando está ruim, você não pode se afogar. No futebol, você tem sempre um outro dia para mostrar o que você sabe fazer.

Você disputou cinco jogos e marcou dois gols na seleção. Por que não foi mais longe?

Fiz o que eu podia. Havia jogadores melhores do que eu na minha época. Talvez eu também não tivesse correspondido em alguma coisa. Lembro que eu estava muito bem, mas tinha Ronaldo, Romário, Edmundo e Rivaldo. Estava quase conseguindo uma brechinha, mas a concorrência era pesada. Em 98, tinha Ronaldo e Romário. Em 2002 estave em ótima fase, mas o Felipão fechou o grupo. Porém, posso garantir que não sofri demais por não ter tido mais chances na seleção. Nunca foi aquela coisa tipo: 'ai, meu Deus, a seleção’. Meu filho me pergunta se ainda não vou para Copa. Aí eu coloco meu videozinho com a camisa da seleção e está tudo certo.

Por que não jogou na Europa?

Tive muitas propostas. No São Paulo, o Denílson era o grande jogador do momento e saiu porque o clube recebeu uma proposta irrecusável. Tive ótimas propostas, mas o São Paulo falou: ‘Você vai ficar, a gente aumenta seu salário’. Naquele tempo, quem estava sob contrato não conseguir sair com facilidade. Eu fiquei tranquilo. Tinha 22, 23 anos e ganhava muito bem para quem atuava no Brasil. Quando defendi o Santos, tive proposta do Sevilla, mas o clube também naõ me liberou. Depois, com 26, 27 anos, ficou mais difícil.

Você teve seu grande momento no Botafogo. Pensa em encerrar a carreira lá?

Não tenho muitos títulos importantes, mas acho que a recompensa que tive da torcida do Botafogo poucos jogadores tiveram. A torcida foi maravilhosa comigo. Mas não quero terminar a carreira lá. O Botafogo passou, foi muito bom, mas passou. Quero terminar aqui na Portuguesa. Tive proposta de jogar Série A em outros clubes fora do eixo Rio-SP, mas não quis. Quano percebi que estava complicado ficar o Vasco, eu mesmo liguei para a Portuguesa e perguntei:: 'Vocês ainda estão interessados em me contratar?" E eles estavam.

Você prefere atuar no futebol de São Paulo ou do Rio de Janeiro?

Difícil dizer. Tem muitas coisas boas no Rio. Adorei a cidade. Já pensei em morar lá para o resto da minha vida. Mas aqui em São Paulo, estou perto do meu pai, da minha família. Meus amigos podem aparecer sempre no Canindé para acompanharem uma partida minha.

O que você pensa em fazer quando encerrar a carreira?

Está perto. Acho que posso jogar bem até 2011, depois não sei. Acho que seria um bom gerente de futebol, vi muita injustiça, coisa errada. Não vou mudar o futebol mundial, mas teria preparo para fazer as coisas certas. Quem sabe na Portuguesa, sem querer roubar emprego dos caras que estão aqui, claro né....

O que você já viu de errado?

No futebol tem que jogar o melhor. O treinador não pode estar propenso a fazer outras coisas. E diretor de futebol não pode privilegiar A ou B. Já vi jogador que não era melhor para a posição e ser beneficiado pelo clube. Tem bastantes coisas que acontecem. Acho que eu tenho olho bom para esse trabalho. Adquiri muita experiência durante esse anos.

Você foi idolatrado, mas também ganhou apelidos como o Dodominhoco. Como encarava isso?

Ficava puto. A torcida cantava ‘acorda Dodô, o jogo começou!’. O jogo nem tinha começado. Vida de jogador não é mole. Depois eu marcava um gol, dava 'bananas' e eles reclamavam. Tentava responder na bola. Nesses momentos eu tentava jogar, fazer alguma coisa boa em campo. A única solução era responder na bola.

Em quem você vai votar para presidente?

Meu título deu problema, não ficou pronto e não vou poder votar.

Mas caso você fosse votaria, escolheria quem?

Votaria no Serra. Tenho mais afinidade com ele do que com a outra. Mas sem campanha, pelo amor de Deus.

Quando não está treinando, o que costuma fazer no seu dia a dia?

Vou sair daqui e vou encontrar minha esposa na igreja porque hoje tem culto. As crianças estão em casa. Às vezes, saímos para jantar, vamos ao cinema, que ela gosta bastante, e teatro. Coisas assim, sempre com a família. A gente leva muito as crianças onde tem brinquedo. Também levo as crianças na escola. Sou super paizão.

E o que faz na concentração?

Vejo TV ou leio. Pego joguinho do meu filho escondido. Gostava muito de novela, mas ultimamente não estão tão boas. Mas adoro revista de fofoca. É coisa de muito tempo desde a época de São Paulo. Não assino mais, mas vou para os hotéis e peço pra pegarem Contigo, Caras, leio tudo.

Fonte: UOL