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Futebol Americano Feminino: Meninas do Vasco mostram sua força na praia


Domingo, 22/08/2010 - 15:05

Botafogo e Vasco entram em campo para mais um clássico. Virado do lado avesso, digamos. Os guerreiros, desta vez, são guerreiras. A partida acontece na areia, não na grama, e o futebol é americano. As regras, portanto, são um tanto diferentes das apitadas no gramado do Maracanã, por exemplo. Nove jogadoras se posicionam de cada lado do campo, enquanto oito árbitros observam a desenvoltura das moças. A bola tem efeito — mas não é uma jabulani — e pode ser lançada com os pés ou as mãos. No lugar de penteados como moicanos e trancinhas rastafári, simples rabos de cavalo. As meninas jogam descalças, vestem short ou legging pretos e camisas oficiais. Luvas e protetores bucais são opcionais.

É o primeiro confronto entre os times no Campeonato Carioca Feminino de Futebol Americano de Praia, o Carioca Bowl Feminino, que tem sua primeira edição este ano. A partida tem início às 10h, na Praia do Zumbi, na Ilha do Governador. Enquanto isso, nos vestiários, as equipes do Islanders e do Saquarema Big Riders aguardam a vez de jogar na terceira rodada do circuito.

À frente da equipe do Vasco está Deny Barbosa, de 24 anos, que é, praticamente, uma precursora da categoria feminina do futebol americano. Aos 17 anos, enquanto assistia a uma partida entre amigos da escola, foi convocada para jogar e logo virou queridinha. O desafio estava lançado.

Deny tinha que convencer as amigas a formar um time só de mulheres.

— A modalidade feminina nasceu como uma dissidência da masculina. Nós jogávamos no time deles, na categoria mista, até conseguir formar número suficiente para montar uma equipe de meninas.

Mas não adiantava ter um só time.

Sem adversário, não tem jogo. Eu cheguei a parar gente na rua para convidar para jogar — conta Deny, que batizou a equipe de Copacabana Eagles.

A conquista durou pouco tempo. Mesmo com o time escalado, não existiam jogadoras reservas. Se uma integrante faltasse ao treino, a equipe era desfalcada.

Depois do Copacabana Eagles, vieram o Star Linxs, o Soldiers, o Tatuís e o Coyote, que, este ano, virou Vasco. À medida que os times se desfaziam, Deny deixava o ataque para “jogar” no meio de campo e conseguir, como mediadora, administrar a falta de atletas, manter as mais persistentes e resgatar as desistentes. O tempo de vida das equipes era de, no máximo, três meses.

— Os times eram formados e, no primeiro treino, apareciam 30 meninas. No seguinte, o número caía pela metade — lamenta.

No Botafogo, quem comanda os treinos é Bruno Costa, de 27 anos. Assim como o Vasco, o time reuniu as jogadoras dos extintos Flames e Mamutes para formar uma equipe que está junta desde março.

— Jogava no time masculino do Botafogo e fui convidado para auxiliar as meninas.

Orientá-las sobre as regras do jogo, a movimentação em campo e o condicionamento físico é fácil. Difícil é entender a psicologia feminina — brinca o técnico. — Elas conversam muito. Sem falar que não tem uma que não chore quando machuca o dedo. A gente para o treino, bota gelo e volta a jogar. Já tive que interromper a partida porque uma das meninas quebrou a unha.

Em compensação, elas dão um retorno sobre os treinos que os meninos não dão.

Não é só Bruno que se queixa da postura “mulherzinha” em campo. Luiz Gustavo Calvet, técnico do Islanders, concorda com o concorrente: — Quando começa a frescura de cair na areia, paro o jogo. Tem meninas que fecham os olhos e acabam levando bolada na cara.

Elas admitem o comportamento.

— As mulheres levam tudo para o lado pessoal. Não é todo mundo que sabe separar esporte e sentimento — pondera Júlia Cohen, de 21 anos, do Botafogo.

A história dela é parecida com a de muitas meninas dessa turma: é mais uma sobrevivente de equipes que acabaram.

Júlia jogava handebol na escola e não conseguiu conciliar a modalidade com a faculdade. Até que, um dia, um grupo de amigos levou uma bola de futebol americano para a praia e... sobrou para ela.

— Eles lançaram a bola na minha direção e eu acertei o primeiro arremesso.

Naquele dia, os meninos me convenceram a treinar — conta Júlia.

Apelidos também não faltam nas equipes.

Priscila Freitas é “a rainha do deserto”.

Caroliny Machado, que era conhecida como “montanha”, virou “colina” depois que uma jogadora mais alta entrou no time. E por aí vai.

Apesar do viés violento — afinal, é um jogo de corpo a corpo — elas não penduram as chuteiras nem quando se machucam.

— Tive uma lesão e fiquei quatro meses sem poder jogar. Ainda sinto o joelho falhar, mas não consigo ficar longe do campo — conta Tainá Salsa, de 21 anos, também do Botafogo.

Cyntia Andrade, de 29 anos, do Vasco, está com um hematoma no olho.

— Tentei fazer uma jogada nova e não deu certo. Abaixei para pegar a bola e bati de cara na mão de outra jogadora — conta Cyntia, que chegou em casa de fininho para esconder o machucado dos pais. — Estavam todos dormindo. Lavei a camisa cheia de sangue e, no dia seguinte, contei o que tinha acontecido.

Contratempos à parte, todas concordam sobre um aspecto: o esporte é democrático.

— Preciso das mais gordinhas, que são essenciais na barreira, das magrinhas, que correm para o ataque, e das altas, que pegam a bola no alto. As delicadas sofrem para se adaptar, mas todo mundo encontra a sua posição — garante Deny.

Ao seu lado está Denise Emerson, de 27 anos, que cuida da parte burocrática do Vasco. Campeonato, patrocínio e divulgação são com ela.

— É um esporte apaixonante, que exige técnica e disciplina. Você tem que aprender as falhas do adversário para ultrapassar a barreira e desenhar o seu jogo.

Mas alguém tem que cuidar da parte administrativa, né? — diz Denise, que, às vezes, não resiste e entra em campo.

Os times treinam em diferentes pontos da orla. Durante a semana, os encontros são à noite; aos sábados, à tarde. Além dos cariocas, existem times de futebol americano feminino de praia em Cuiabá, São Paulo, Espírito Santo, Curitiba e João Pessoa.

Voltemos a Vasco x Botafogo. Final do jogo? Empate técnico. Por falta de condições no “campo”, as equipes resolveram, em comum acordo, mudar a partida para outra data, em outro lugar.

Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
 Treinos do time do Vasco na praia
Treinos do time do Vasco na praia
 


Fonte: Revista O Globo