Natação Paralímpica: Conheça Lucas Roberto, que teve a perna reimplantada e hoje se destaca no Vasco
Domingo, 11/02/2018 - 11:59
Sexta-feira, 10 de dezembro de 2010. Lucas Roberto era um menino de 10 anos, de férias escolares, certo dom para fazer arte, que gostava de jogar bola e andar de bicicleta, na rua. Para protegê-lo, a mãe Patrícia o manda antes do tempo para um lugar mais seguro, o sitio do avô em Xerém, onde ela, o marido e as duas irmãs mais velhas o encontrariam naquela noite. Um toque de telefone muda os planos da família. Foi preciso um ciclo interminável de banhos, que só acabaram quando a caixa d'água secou, para que Patrícia conseguisse ir para o Hospital de Saracuruna, e ver que a história surreal que o filho a tinha contando por telefone, de dentro da ambulância, era verdade. A sua vida da família tinha virado de cabeça para baixo e ela nem sabia.

— Eu tava brincando com os meus primos e amigos no portão, quando alguém me gritou: "Lucas, cuidado!". Só deu tempo de tirar uma perna, a outra o carro esmagou contra a árvore. Ai meu tio veio, chamou a ambulância e me levaram pro hospital. Na ambulância contei pra minha mãe o que tinha acontecido. Mas ela não acreditou — lembra Lucas que só dormiu quando entrou na sala de cirurgia.

Patrícia confirmou ter duvidado da versão do menino por não parecer real:

— Não acreditei mesmo. Como alguém que teve a perna amputada poderia falar no telefone comigo? Resolvi tomar banho para sair. Eu e o pai dele tomamos vários banhos, no automático. Quando a água acabou, fomos para lá. E era tudo verdade. Entrei em pânico. Ele já tinha sido operado e a perna reimplantada. E me disseram que alguém da família tinha autorizado isso, mas que ele não faria. Era arriscado e ele poderia morrer. Fique com raiva, mas esperei.

Lucas chegou ao Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, cerca de 40 minutos depois de ser atropelado por um carro feito com diferentes partes de antigos veículos (chassi de fusca, volante de caminhão, banco de madeira...). Em menos de 2h, o menino já estava na sala de cirurgia com os médicos do Programa de Reimplante da Secretaria Estadual de Saúde que faziam umas das operações mais desafiadoras das suas carreiras. O programa é referencia em reimplantes e coleciona casos de sucesso. Porém, a intervenção de Lucas é o orgulho da equipe.

— O Lucas teve uma amputação incompleta da perna direita acima do joelho. O membro chegou aqui muito sujo de terra. Foi um desafio, mas ele era muito novo e saudável. Valia a pena tentar. Os riscos eram baixos. A gente achou que dava para salvar o membro. Depois da primeira cirurgia, o levamos para o CTI e esperamos para ver se a perna dele ia pegar. Se ele não teria trombose... Depois fomos fazendo as cirurgias complementares com mais cuidado — explica o médico João Recalde, coordenador do programa de reimplante.

E foi aqui que começou a luta de Patrícia e que a equipe paralímpica do Vasco entra na vida de Lucas para transformá-lo em um atleta.

— Eu fiquei desesperada. Quando soube que ele não corria mais risco de vida, me lembro de gritar com o médico dizendo que tive um filho normal, saudável. Como eu ia criar uma criança especial? Mas é nessa hora que você que não sabe nada. O médico disse que ele poderia perder parte dos movimentos, mas que teria uma vida boa. Boa, não! Vai ter a melhor! Ele queria ser jogador de futebol. Eu tinha pensando num futuro para ele e para as irmãs. Não vou desistir disso. Por isso falo, se você estiver passando por isso, não pensa. Só age. Deixa o coração te levar. Porque o pensamento pode atrapalhar — aconselha Patrícia.

Como ajuda do Dr. Recalde, que chegou a custear parte do tratamento de Lucas quando eles precisaram, o menino deixou o hospital no dia 24 de janeiro, dia de seu aniversário. E, começou a fazer fisioterapia no Hospital Universitário Gaffrée Guinle, Tijuca. Em umas das sessões foi sugerido que ele fizesse hidroterapia.

Já no trem, voltando para Duque de Caxias, onde moram, Patrícia teve a ideia: "vamos no Vasco!". O clube é um dos únicos do Rio que tem uma equipe paralímpica de excelência.

O dia estava quente e eles não tinham dinheiro. Isso não era uma questão para Patrícia, que foi caminhando e levando o Lucas praticamente no colo da estação de trem de São Cristovão à São Januário. São quase 3km de caminhada.

Ao chegar lá, eles foram impedidos de entrar por um primeiro segurança. Sem pensar duas vezes, Patrícia fez um escândalo tão grande que foi parar na sala da presidência. Com calma, explicou a situação e Lucas fez um teste.

Sem nunca ter feito uma aula de natação, Lucas chamou a atenção dos treinadores do clube que viram um potencial enorme no jovem de 13 anos. Uma idade excelente e relativamente cedo para se entrar no esporte paralímpico.

Foi paixão a primeira vista. O desempenho de Lucas nas piscinas foi evoluindo junto com a sua reabilitação pós-cirúrgica.

— A recuperação dele foi incrível! E isso tem a ver com o envolvimento da família na recuperação e com a atividade quase profissional do Lucas na natação. Ele tem o movimento completo do joelho. Ele perdeu apenas um nervo que impede que ele levante o pé para cima. O que é mínimo. Isso permite a ele uma vida normal — explica Dr. Recalde.

Desde que entrou para a natação, Lucas — que compete na categoria S10, para atletas com pouca limitação motora — coleciona medalhas. Agora, com 18 anos, está em um treinamento da Seleção Paralímpica de Natação (Projeto Camping Escolar Paralímpico).

— O meu objetivo era esse. Precisava ir bem nos Jogos Escolares Palímpicos para ser chamado para essa pré-convocação da seleção. Eles vão me observar agora — conta Lucas falando dos seus sonhos futuros. — Eu sei que tenho que operar mais vez a perna, agora que fiz 18 anos e parei de crescer. Preciso consertar esse desnível entre uma perna e outra para não lesionar o meu quadril e minha coluna. Mas isso será no tempo certo. Agora, preciso focar nos treinamentos para diminuir meus tempos. Para ir ao parapan e aos Jogos Olímpicos. Conclui Lucas, que já aprendeu que mesmo para sonhar alto é preciso disciplina, apoio e força. E isso, ele e a família, têm de sobra.




Fonte: O Globo Online