Campeão pelo Vasco, ex-lateral Eduardo relembra carreira e revela mágoa com Edmundo
Sexta-feira, 17/11/2017 - 18:39
Os fios de cabelo branco mostram que o tempo passou para Eduardo e, mesmo assim, não foram suficientes para apagar as mágoas deixadas no passado. Histórias que não ficaram para trás e permanecem a cada dia vivas, como uma espécie de assombração na cabeça do ex-lateral do Fluminense no fim da década de 1980.

Lembranças que torturam a consciência de quem queria - e poderia - disputar uma Copa do Mundo, mas que tornou-se refém de si mesmo e dos seus próprios atos.

"Eu vinha sendo convocado. Na época da convocação para a Copa de 1990, eu fui cortado. Justamente por gostar de farra, noitada. Eu não joguei uma Copa do Mundo por isso", conta Eduardo.

Talento não faltava e nunca faltou a Jorge Eduardo Gomes de Souza. Tanto que, em 1986, despontou rapidamente no time campeão da Copa São Paulo de Juniores pelo Fluminense pouco tempo depois de ter deixado os campos de futebol amador em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos do Rio, sua terra natal.

Naquele mesmo ano, subiu ao time principal e assumiu a titularidade na equipe principal do Flu imediatamente após a saída de Branco para o Brescia, da Itália. Não deixou que a torcida tricolor sequer sentisse saudade do antigo dono da posição.

- Uns três ou quatro jogadores foram na diretoria e falaram que podia vender o Branco, porque já tinha um substituto. Na época, o Renato Martins era o reserva e, com o Branco saindo, ele seria o titular. O Branco foi vendido para o Brescia, da Itália, e em um jogo contra o Goytacaz, o Renato teve que jogar na lateral direita, e eu fui titular na esquerda. Fui o melhor em campo e não saí mais.

Entre 1986 e 1989, Eduardo dominou a lateral-esquerda do Fluminense naquele período em que o Tricolor contava, por exemplo, com Washington, Assis, Romerito, Ricardo Gomes e Delei. Orgulha-se de cada passo da trajetória com a camisa tricolor e até mesmo do elogio recebido de um ídolo rival.

- Imagina você no seu primeiro Fla-Flu, com 120 mil pessoas no Maracanã, contra um Flamengo que tinha Adílio, Andrade, ter o reconhecimento de um dos maiores jogadores de todos, como o Zico, vindo e falando que você seria o lateral da Seleção por anos? Acho que isso não é para qualquer um - recorda.

Em 1987, Eduardo começou a ser convocado para a seleção brasileira. Naquele ano, fez parte do título do Pré-Olímpico disputado na Bolívia. Mas se dentro das quatro linhas Eduardo era absoluto no Fluminense, fora delas, o ex-lateral sofria.

Os casos de indisciplina, os excessos na vida extracampo e os erros começaram a ser tornar comuns e acabaram comprometendo a relação do jogador com o clube.

- Eu não tinha ninguém para me ajudar. Não é igual a hoje. Eu gostava muito de bagunça, cara. Eu ia muito para noite, isso não vou negar. Mas eu chegava dentro das quatro linhas e rendia. Só que não era a mesma coisa - diz Eduardo, que só não foi parar no Benfica, de Portugal, em 1988, por conta do mau comportamento longe dos gramados.

- Na época, o Benfica veio para me contratar e também o Ricardo Gomes. Mas, quando eles viram a minha cartilha, perceberam que estava toda errada (risos). Aí levaram só o Ricardo Gomes, que ficou muitos anos na Europa e ganhou o dinheiro dele.

No ano de 1989, após ser titular em alguns amistosos com a Seleção principal, Eduardo deixou as Laranjeiras pela primeira vez e rumou ao Cruzeiro. Lá, viveria o ápice da frustração da carreira e um dos mais duros golpes da vida. Em1990, ficou de fora da lista final de convocados do então técnico do Brasil, Sebastião Lazaroni, para a Copa do Mundo da Itália.

Sem compreender a ausência àquela época, mesmo ciente dos exageros cometidos além da conta fora de campo, Eduardo lembra o quanto comemorou o gol da Argentina que eliminou o Brasil nas oitavas de final daquele Mundial.

- Estava no clube vendo o jogo, tudo lotado, e quiseram me bater. Quando o Caniggia fez o gol, o único que vibrou fui eu. O pessoal queria me matar (risos). Muita gente não sabia o motivo para eu ter feito aquilo. Mas os meus amigos e até a minha ex-esposa que estavam comigo na época sabiam o motivo. Fiz porque eu sabia que tinha condições de estar lá. Mas é aquilo, eu não tinha uma conduta de jogador de futebol.

Mais de 27 anos se passaram desde então, e Eduardo nunca se recuperou daquela ausência. Depois do Cruzeiro, rodou por Grêmio, Vasco, Botafogo, Santos e Ponte Preta. Lamenta ter errado tanto durante a trajetória, culpa a si mesmo e não esquece de outros decepções que sofreu a partir dali. Uma delas, com Edmundo, com quem havia atuado no Vasco entre 1991 e 1992.

- Vi o Edmundo começando. Cansei de dar carona para ele. Eu morava no Fonseca, ele morava perto. Cansei de levar ele para o Vasco. Mas às vezes é aquilo que eu digo, as pessoas não lembram muito das coisas que você já fez. Às vezes as pessoas sabem onde você está e, poxa, não te dão uma ligada para saber se o Eduardo está bem. Não é para falar, pedir nada. Mas sabe, era um cara que tomava café na minha casa, era um cara que não tinha nada. Ajudei muito e às vezes você fica triste com isso.

Hoje aos 52 anos, Eduardo leva a vida em Nova Friburgo, onde trabalha nas categorias de base do Friburguense, clube que o acolheu ainda como jogador no fim da década de 1990. Encontrou refúgio no time da Região Serrana do Rio após ver quase tudo o que construiu durante o auge ir por água abaixo.

Tem a missão de passar para os mais novos as lições aprendidas durante a vida, apesar de não se arrepender das decisões do passado.

"Eu vou ser sincero, não me arrependo de nada que eu fiz, não. Não adianta eu chegar e falar que não iria para noite, essas coisas. Não vou dizer que eu faria tudo de novo, mas não me arrependo das coisas que eu fiz. Só que hoje, se tivesse uma pessoa que pudesse me ajudar, seria diferente".

Confira outros trechos da entrevista com Eduardo:

Infância difícil

- O início foi complicado, porque eu venho de uma família humilde. Meu pai era caminhoneiro, minha mãe dona de casa. As dificuldades eram muito grandes. E, por incrível que pareça, eu jogava pelada em São Pedro da Aldeia. Eu era ponta esquerda. Meu pai na época tomava conta de um time de futebol amador em São Pedro, e eu jogava com eles lá. Com 15 anos eu tinha que trabalhar para ajudar. Já vendi camarão na Praia do Forte, em Cabo Frio, picolé, verdura, já trabalhei como enxugador de carro em Cabo Frio.

Início no Fluminense e na Seleção

- Nos juniores, eu fui campeão da Copa São Paulo (1986) e cheguei aos profissionais. Na época, o Fluminense era tricampeão do Carioca, campeão do Brasileiro. Tinha Assis, Washintgon, Romerito, Ricardo Gomes. Peguei essa galera toda. Na minha posição, tinha o Renato Martins e o Branco, da Seleção.

Em 86 para 87 fui convocado para a seleção brasileira pré-olímpica. Fomos campeões na Bolívia e depois fui para a seleção principal. Foi ali que eu tive seguimento na minha vida.

Os conselhos e a falta de apoio

- Eu era mais novo, eles me davam muito conselho, principalmente o Delei, que era o cara mais antigo. Mas, na época, eu era garoto. Chegava no Rio de Janeiro e tudo vinha rápido. Você não tinha empresário, assessor, nada. Sai de São Pedro da Aldeia, um município do interior, de uma família humilde, pobre, e hoje sei que faltou uma pessoa para ajudar, ter aquele carinho.

Nostalgia e saudade do Fluminense

- Eu tenho uma lembrança boa, tanto que sou tricolor até hoje. Foi o clube que me projetou. Foi o clube onde consegui chegar à Seleção, onde deixei muitos amigos. Muita gente já se foi... A gente fica triste às vezes lembrando das coisas boas, das coisas ruins. Quando a gente fica ai no clube às vezes sozinho, eu choro e tudo. Mas do Fluminense eu só tenho que falar bem e agradecer por tudo que fizeram por mim.

Livro do Eduardo?

- Um cara uma vez chegou para mim e falou que queria escrever um livro da minha vida. Mas eu falei que para escrever um livro da minha vida teria que contar tudo. Mas tem muita coisa que você não vai poder contar. Ai fica um negócio meio chato (risos).

Mágoa por ficar fora da Copa de 90

- Às vezes eu não sei se eu estou certo, se eu estou errado. Mas eu te falo que a mágoa tem, cara. Se for analisar certinho, se tem um cara que é mais correto, anda na linha, não faz as mesmas coisas que você, não é nem melhor do que você dentro das quatro linhas, mas isso vale para a comissão. Eu tenho mágoa.

As noitadas

- Hoje eu falo que antigamente você fazia noitada, bagunça, mas a maioria fazia. Então ficava tudo igual. Mas hoje não é assim. Se eu não me cuidar, outro vai jogar. A parte física vale muito. Antigamente não era desse jeito. Você saía de um Fla-Flu, quando o pau cantava, não tinha esse negócio de câmera. Era tapa na cara, soco na costela, mas quando acabava o jogo, você encontrava quatro, cinco, seis do Fla, do Vasco, do Botafogo na boate. Mas hoje se você não se cuidar não vai jogar. Falo isso para a garotada. Temos muitos exemplos disso.

A herança e os ensinamentos

- Hoje não vou dizer para você que eu não tenho nada, porque tenho dois filhos maravilhosos, tenho dois netos, um pai, um irmão. Mas levo a minha vidinha. De antigamente, das minhas amizades eu tinha, hoje você pode tirar dois. Quando você está bem, está todo mundo bem. Mas, quando você dá uma caída, pessoal já te abandona. Falo isso para garotada, cuidado com as amizades. Quando você está com dinheirinho no bolso, está com carrinho novo, tem mulherzinha pra caramba, essas coisas. Mas, quando você dá uma caída, te abandonam. Eu sou um cara para chegar e falar isso. Sou um exemplo disso.

Exemplo no Friburguense

- A molecada me respeita muito. Com uns você fala e o que você diz entra no ouvido e sai em outro. Mas muitos escutam. Os pais sabem da minha vida. Tem um ou outro que fala uma besteira. Mas aqui sou tranquilo. Quando tem que brincar, a gente brinca, quando é para dar esporro, eu dou esporro. Mas tudo com muito respeito.

Família Frizão

- Tenho um carinho grande pelo Friburguense. Tive um amigaço aqui que me ajudou pra caramba, o Siqueira (gerente de futebol do Frizão). Tenho um carinho muito grande por ele, pelo clube que me ajudou muito. Hoje sou um cara que vivo mais para o Friburguense do que para mim. Não me arrependo, não. Eu gosto. Não sabe como eu sofro. Hoje estamos nessa situação ai e vê uns caras que não honram a camisa. Estamos nessa situação de não subir, deu aquela caída. Mas fico chateado. Isso aqui virou minha casa, a minha família. Estou aqui há quase 20 anos, estou levando uma vida tranquila. Espero que eu viva muito tempo ainda.



Fonte: GloboEsporte.com