Supervisor Nilson Gonçalves: 'Na minha família todo mundo é sócio. Eu tenho 30 anos de clube'
Quinta-feira, 09/11/2017 - 10:08
Quatro tábuas retangulares, um assoalho e uma tampa com fenda no meio, tudo feito de madeira. Uma urna e, mais precisamente, o que existe dentro dela, é o que vão decidir quem será o presidente do Vasco nos próximos três anos. De terça para quarta-feira, o clube promoveu mais uma eleição que não terminou na contagem do último voto. A exemplo de 2006, caberá à Justiça analisar o conteúdo da urna da discórdia. Somente depois disso, Eurico Miranda ou Julio Brant poderão puxar o verdadeiro grito de "casaca". O que os candidatos entoaram após a apuração foi apenas para inglês ver — mesmo com o fato de a Assembleia Geral do clube, encabeçada pelo grupo político de Eurico, ter homologado a vitória do candidato. Se os votos depositados na urna forem considerados válidos, o atual presidente será reeleito, com uma vitória de 2.111 votos, contra 1.975 do adversário. Caso contrário, o candidato da oposição será o vencedor, com 1.933 votos contra 1.683.

As pessoas que votaram na já famosa urna 7 fazem parte de uma lista colocada sub judice pela oposição a Eurico. Na quarta-feira, a reportagem do GLOBO foi atrás de sócios do Vasco presentes na relação de 691 suspeitos de irregularidade. Um deles, que preferiu não se identificar, afirmou que não votou, mas que é sócio do clube de São Januário há dois anos, sem nunca ter pago nenhuma mensalidade. Alguns garantiram que votaram em outros candidatos, que não Eurico Miranda. Apareceram também parentes de nomes do futebol, inclusive de um funcionário do clube. Houve quem não quisesse falar a respeito. Enquanto isso, multiplicam-se nas redes sociais fotos de pessoas que seriam sócias do Vasco, mas torcedoras de outros clubes do Rio.

Em Cascadura, uma rua com endereços próximos reuniu sócios do Vasco com diferentes ideologias. Mas todos admitidos no clube ao fim de 2015 e integrantes da contestada urna sete. Thiago de Souza Azevedo é um dos poucos que admitem ter votado em Eurico Miranda:

— Fui votar. Meu nome está assinado lá. Sou sócio desde 1992. Eu tinha cancelado, voltei em 2015. Votei no Eurico.

Rodrigo Braz dos Santos garante que votou em Fernando Horta. Funcionário de uma oficina de carros na Rua do Amparo, lembra que os torcedores veem jogos no bar em frente ao local e que boa parte é simpatizante de Eurico.

Roberto Ferreira dos Santos e Paulo Roberto Ferreira dos Santos, irmãos que vivem na mesma casa, também na Rua do Amparo, não foram votar pois estavam com familiares doentes. Marcelo Gonçalves, 45, também disse que votou em Horta — candidato que recebeu apenas quatro votos na urna em questão.

— A gente vê os erros e não pode fazer nada. Só se tornar sócio e votar contra. Sou sócio desde 2015. Depois que o Eurico entrou, virei sócio para tirá-lo — explica.

Nomes do esporte surgem indiretamente

Três familiares do supervisor de futebol de base do Vasco, Nilson Gonçalves, aparecem na lista sub judice, com datas de associação na primeira quinzena de dezembro de 2015. O único telefone informado no cadastro é usado pelo próprio Nilson, aliado histórico de Eurico Miranda.

Segundo o dirigente, apenas um dos familiares na lista — sua sobrinha — foi a São Januário para votar na eleição presidencial.

— Na minha família, todo mundo é sócio. Eu tenho 30 anos de clube. Desde que estou no Vasco, o pessoal também tem que ser Vasco — afirmou o dirigente, que se irritou após a reportagem insistir no pedido para entrar em contato com a sobrinha.

— Vai dizer que por ser minha sobrinha ela não pode ser sócia? — questionou.

Outro nome conhecido no futebol que apareceu de forma indireta na lista é o do treinador Marcelo Cabo, que dirigiu o Atlético-GO este ano. Seu filho, Gabriel Cabo — que foi jogador profissional, mas se aposentou no ano passado, aos 22 anos — virou sócio do Vasco em dezembro de 2015, segundo a lista.

Desconhecidos, mas com mesmo telefone

Wescley Pereira da Silva ficou surpreso ao atender uma ligação da reportagem, que procurava um morador de São João de Meriti associado ao Vasco no fim de 2015.

— Nem conheço esse aí. Mas, já que você mencionou, sou sócio do Vasco — disse.

A surpresa cresceu quando foi informado que outros seis nomes associados ao clube em dezembro daquele ano — assim como o próprio Wescley, que ingressou perto do Natal — tinham o mesmo telefone cadastrado pelo Vasco. Quatro dessas pessoas moram no município da Baixada Fluminense, em rua próxima ao do endereço no cadastro de Wescley.

— Não conheço essa gente. Votei em Julio Brant e não sei por que me colocaram numa urna separada. Pago a mensalidade em dia, até adiantado — declarou o sócio vascaíno.

Outro eleitor de Brant, Achilles Nery disse que não se deu conta de sua presença na lista de sócios sub judice.

— Entrei com dois amigos. Eles foram direcionados para a esquerda, e eu fui para a urna do outro lado. Na hora, não achei nada demais — argumentou.

Maioria pró-Eurico Miranda

Uma vez clara a importância da urna, vale entender o que faz dela tão relevante. No começo do mês, Fernando Horta, candidato que saiu do pleito em favor de Brant na votação, entrou com uma ação e conseguiu que 691 sócios fossem colocados sob suspeita de irregularidade. A decisão da Justiça obrigou que todos eles votassem em uma urna separada, a urna 7. Na terça-feira, 474 compareceram, e a vitória na urna sub judice foi esmagadora de Eurico Miranda.

E por que esses sócios estariam em situação irregular? São 691 pessoas que entraram no quadro social em novembro e dezembro de 2015, uma quantidade bem acima da média de adesões mensais que o clube acumula. A oposição garante que não há comprovação de pagamento desses novos sócios. Eles teriam sido colocados no quadro do Vasco para votar em Eurico e garanti-lo no poder.

Os opositores ao atual presidente apostam em dois caminhos para que a Justiça fique convencida de que os votos são irregulares. Um deles é confrontar a entrada desses novos sócios com o fato de que o valor que deveria ter sido gerado não está registrado no balanço de 2015.

— Não tem como eles comprovarem que esses sócios estão regularizados, porque o pagamento não foi demonstrado no balanço do clube. Está claro que houve irregularidade. O Vasco não pode ficar passando por isso — disse Otto de Carvalho Júnior, presidente do Conselho Fiscal e opositor a Eurico.

Outro caminho que levaria à desconsideração da urna é a análise do disco rígido onde há toda a movimentação financeira do clube. O equipamento foi apreendido em agosto, e o Vasco, desde então, adia sua perícia na Justiça. O grupo de Brant, autor da ação que apreendeu o HD, aposta que os dados mostrarão que não houve entrada de dinheiro decorrente dos supostos novos sócios.

— A Justiça vai confirmar o resultado que vimos nas outras urnas. Estou certo de que serei presidente do Vasco — afirmou Brant, depois da eleição.

A tendência é que a questão comece a ser tratada pela Justiça ainda nesta semana. A situação garante estar tranquila de que os votos da urna serão validados e Eurico, reeleito. Procurado, o clube optou por não se manifestar, e agora espera o desenrolar do processo.

Fonte: O Globo Online