Há 10 anos, Romário marcava, em São Januário e com a camisa do Vasco, seu gol 1000
Sábado, 20/05/2017 - 01:35
Quem jamais sonhou em marcar um gol de verdade, com a camisa de seu time, em um estádio lotado, valendo por um jogo de campeonato, e de preferência, assegurando a conquista de uma taça importante? E quem jamais imaginou, ainda que por um segundo, em assinalar não só um, mas mil gols, atraindo sobre si os olhares e a admiração do mundo inteiro?

Que o digam homens que não precisaram tirar suas sandálias para pisar no altar dos craques, mas que, ao contrário, calçaram chuteiras para poder fazer isso... Casos do Rei Pelé, que marcou seu milésimo gol em 19 de novembro de 1969, no Maracanã, pelo Santos, nos 2 a 1 sobre o Vasco, pelo Roberto Gomes Pedrosa, o campeonato nacional da época; e de Romário, o gênio da grande área, que alcançou a marca de quatro dígitos também graças a um pênalti há exatamente dez anos, no dia 20 de maio de 2007, nos 3 a 1 sobre o Sport Recife, em São Januário, pelo Campeonato Brasileiro. O feito foi perenizado por meio de uma estátua atrás da baliza em que o artilheiro festejou este gol, na casa vascaína.

Faz dez anos que um baixinho de 1,69m, nascido no Jacarezinho, criado na Vila da Penha (Zona Norte do Rio), que iniciou carreira no Olaria e começou a aparecer para o futebol com a camisa do Vasco, antes de levar a seleção brasileira ao título da Copa do Mundo de 1994, nos EUA, e de ter brilhado com a maioria das camisas que vestiu no Brasil, na Holanda e na Espanha, entre outras terras, realizou o sonho do milésimo gol. Sonho que não foi apenas uma aspiração, mas pelo qual trabalhou muito para que se concretizasse.

Há dez anos, naquele 20 de maio, cercado por repórteres ainda no gramado, com a partida interrompida após o momento histórico do milésimo gol, o artilheiro não escondeu sua emoção:

- Quero agradecer ao Papai do Céu e às pessoas que sempre me ajudaram e estiveram a meu lado, meus pais, meus filhos, minha esposa, a todos vocês que estão aqui... Estou emocionado, é um momento muito lindo da minha vida. É importante chegar a essa marca histórica que apenas um, o maior de todos (Pelé) conseguiu atingir.

Romário recordou que ao começar aquele ano já contabilizava 987 gols. Faltavam 13 para o milhar. Doze vieram com facilidade, mas o milésimo surgiu apenas depois de muitas expectativas frustradas:

- Na hora do pênalti, um flash dos 999 anteriores passou pela minha cabeça em segundos. Sabia que era o fechamento de tudo isso. Peguei a bola mais nervoso do que em qualquer outro momento da minha vida - dizia ele, que ofereceu a camisa para sua mãe, dona Lita, e a bola ao filho Romarinho.

O feito do atacante teve repercussão na imprensa mundial. Maior jogador da história do futebol, Pelé, autor de 1.282 gols, se portou como se esperava de um Rei, apesar de ele e Romário também terem trocado farpas em algum momento:

- É mais um brasileiro a alcançar mil gols e a estar em destaque no cenário internacional - disse, antes de brincar.

- Ele é um bom aluno, viu? Foi lá, bateu o pênalti no lado direito como eu, pegou a bola, beijou a bola. Só faltou falar das crianças (risos). Quase tudo foi igual. A diferença é que não foi no Maracanã. Ele disse que ficou muito nervoso e eu também. Imagina mais de 100 mil pessoas gritando o nome do Pelé na hora do pênalti. A volta olímpica também foi parecida. Eu tirei a camisa do Santos e coloquei a do Vasco com o número 1.000. Tem um monte de coincidências. Agora faltam 282 gols! - brincou o Rei.

Romário contava 41 anos quando marcou o milésimo. Ele nascera a 29 de janeiro de 1966, um ano difícil na história do Rio de Janeiro e do extinto estado da Guanabara, onde um temporal ocasionou a morte de 250 pessoas e deixou mais de 50 mil desabrigados. Se hoje já não é mais tão raro encontrar rapazes com o nome do craque, alguns com cerca de 23 anos, nascidos na época da Copa do Mundo de 1994, seu Edevair e dona Manuela, mais conhecida como Lita, foram buscar na popularissima Rádio Nacional a inspiração para batizarem seu filho. À época, contava com grande audiência o programa do radialista César de Alencar, que incluía o quadro “Romário, o homem-dicionário”.

Tratava-se de um personagem que dizia saber tudo sobre tudo e que se propunha a tirar as dúvidas de quem estivesse no auditório. No quadro, as pessoas passavam uma semana pesquisando as palavras mais raras e menos usadas somente para o desafiarem. Caso o Romário da rádio não acertasse, o autor da pergunta levava um prêmio em dinheiro. O personagem, porém, não apenas topava os desafios, como sempre levava a melhor. Aliás como iria acontecer mais tarde com um certo baixinho cujo nome foi inspirado no dele.

Mil vezes o Romário do Jacarezinho, onde o garoto viveu seus três primeiros anos. Mil vezes o da Vila da Penha, cujo pai, seu Edevair, criou especialmente para ele um time infantil chamado Estrelinha. Estrela foi o que jamais faltou ao Baixinho, que só fez se agigantar ao longo da carreira, iniciada no Olaria. Depois, seguiu brilhando pelo Vasco; PSV; Barcelona; Flamengo, Valencia; Fluminense, Al Sadd (Emirados Árabes Unidos); Miami (EUA); Adelaide (Austrália); e, enfim, o América, clube de coração de seu pai, Edevair.

Em nenhum outro lugar o camisa 11 brilhou tanto, porém, quanto na Copa do Mundo dos EUA, em 1994, em que ele e Bebeto lideraram a seleção brasileira dirigida por Carlos Alberto Parreira rumo ao tetracampeonato mundial, pondo fim ao jejum de conquistas que já durava desde a mítica seleção de 1970, no México. No mesmo ano, graças ao desempenho na Copa, seria aclamado como o melhor jogador do mundo em eleição promovida pela Fifa

Herói da Copa de 1994, o número 11 lembrava que o meio-campo não era tão brilhante quanto os de 1982 ou 1986, mas a defesa era muito forte e garantia lá atrás, cabendo a ele e Bebeto corresponderem na frente. Tanto assim que ele chegava a considerar que ele e Bebeto formavam uma dupla ofensiva comparável ao trio de 1970, formado por Jairzinho, Tostão e Pelé. E, para ele, se em 1970 fossem apenas dois atacantes, ainda assim a parceria entre Bebeto e ele seria superior.

Verdade seja dita: o que o artilheiro não teme são comparações. Sem falsa modéstia, quando o site "esportepontofinal" lhe perguntou, por exemplo, quais os cinco melhores craques da história, relacionou: Pelé em primeiro; e ele próprio em segundo, antes de Maradona, Ronaldo Fenômeno e Zinedine Zidane.

- Com todo respeito aos demais jogadores, eu me coloco em segundo lugar. Só atrás de Pelé - declarou.

Mais recentemente, em abril, ao falar à ESPN sobre o momento atual do futebol, pôs Neymar em um patamar acima de Messi e de Cristiano Ronaldo. Mas se colocou acima do famoso trio.

- Na área, ainda hoje, sou melhor que eles - assegurou, taxativo.

Embora muitos o considerassem marrento ou baladeiro, quando ainda em atividade, poucos conhecem seu lado família, o apego aos seis filhos e sua luta, por exemplo, por crianças portadoras da sindrome de Down, como sua filha caçula, Ivy, um dos motivos que, segundo ele, o fizeram entrar na política, para se tornar senador.

Ainda em 1994, o craque, personalidade internacional, ídolo não se furtou a abraçar e saudar pelo nome a amigos de juventude, como quando atendeu a cerca de duas mil pessoas no Mello Tênis Clube, na Vila da Penha, em um sábado à noite pouco depois de ter voltado ao país após a campanha vitoriosa na Copa. Tão surpreendente fora de campo quanto nas quatro linhas, jamais foi de fugir de polêmicas, mesmo que do outro lado do debate estivessem o Rei Pelé, Zagallo, Zico ou Edmundo.

Confusões à parte, Romário é um verbete em qualquer enciclopédia de futebol. De acordo com historiadores, outros dois artilheiros superaram a barreira dos mil gols: o brasileiro Friedenreich, com 1.329, e o húngaro Puskas, com 1.171, embora, nenhum tenha tido o seu milésimo tão badalado quanto os de Pelé e do Baixinho. É também o quarto maior artilheiro com a camisa da seleção brasileira, com 56 gols, atrás de Pelé (95), de Ronaldo (67) e Zico (66).

Gols, polêmicas, frases, mulheres, carros esporte e lindas mulheres compõem mesmo o essencial da vida do craque. Quando ainda estava atuando, era alvo de críticas. Perguntado sobre os motivos, dizia que as elites não aceitavam que alguém vindo da favela como ele pudesse ser famoso como ele era, ter as belas mulheres que ele teve, além de comprar os carros fantásticos que ele compra.

Frasista, costuma sair com impagáveis tiradas, como: "Quem é ruim se destrói sozinho". Admirador declarado de Joel Santana e de Johan Cruyff, ele já chegou a dizer que técnico bom é o que não atrapalha. Nenhuma dessas frases, porém, parece mais acertada que a dita em 2003: "Quando eu nasci, Papai do Céu apontou o dedo e disse: 'Este é o cara.'"

Mas não é qualquer um. É alguém que nos gramados foi capaz de topar qualquer desafio e de chegar com a melhor solução, como o seu antigo xará do programa de rádio, Um homem de 51 anos, com cabelos brancos, integrou a melhor estirpe de craques produzida pelo futebol brasileiro e escreveu com seus pés 1.002 capítulos de uma história que ainda será contada por muitos anos. Baixinho, com seu 1,69m, ele foi um gigante nos cerca de 665 metros quadrados da grande área de um campo de futebol. Ou até mesmo em espaços muito menores, quando necessário.

- É um jogador único, capaz de transformar uma área do tamanho de um lenço num latifúndio. Ele é o gênio da grande área - resumia Johann Cruyff (morto em 2016), com a mesma precisão com que teria dado um passe para Romário marcar.

OS 1.002 GOLS DO BAIXINHO

SELEÇÃO BRASILEIRA - 71
VASCO - 326
FLAMENGO - 294
PSV - 165
BARCELONA - 53
FLUMINENSE - 48
MIAMI - 22
VALENCIA - 14
ADELAIDE (AUSTRÁLIA) - 1
DIVISÕES DE BASE - 77
AMISTOSOS FESTIVOS - 21

PRINCIPAIS TÍTULOS

OLARIA

Campeonato Carioca Sub-15 de 1979

VASCO

Taça Guanabara: 1986, 1987 e 2000
Campeonato Estadual: 1987 e 1988
Troféu Ramon de Carranza: 1987 e 1988
Taça Rio: 1988 e 2001
Copa Mercosul: 2000
Campeonato Brasileiro: 2000

PSV EINDHOVEN

Campeonato Holandês: 1988/1989, 1990/1991 e 1991/1992
Copa da Holanda: 1988/1989 e 1989/1990
Copa Johan Cruyff: 1992

BARCELONA

Campeonato Espanhol: 1993/1994
Supercopa da Espanha: 1994
Troféu Teresa Herrera: 1993

FLAMENGO

Taça Guanabara: 1995, 1996 e 1999
Copa Ouro: 1996
Campeonato Estadual: 1996 e 1999
Taça Rio: 1996
Copa Mercosul: 1999

VALENCIA

Troféu Agrupació de Penyes Valencianistes: 1997
Copa Fuji: 1997
Torneio Naranja: 1996
Troféu de la Generalitat Valenciana: 1996

AL SADD/QATAR

Liga das Estrelas do Qatar: 2003/2004
Copa do Príncipe da Coroa: 2003
Copa do Emir: 2003

AMÉRICA

Campeonato Estadual da Série B: 2009

SELEÇÃO BRASILEIRA

Taça Stanley Rous: 1987
Torneio Bicentenário da Austrália: 1988
Olimpíadas de Seul: medalha de prata em 1988
Copa do Mundo Fifa: 1994
Copa das Confederações: 1997
Copa América: 1989 e 1997





Fonte: Blog Memória EC - GloboEsporte.com (texto, vídeo), Site oficial do Vasco (foto)