Sem contrapartidas e com polêmica em colégio eleitoral, Profut faz 1 ano

Sexta-feira, 16/09/2016 - 03:22
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Foram dois anos de discussões e tramitação no Congresso. Em agosto de 2015, o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut) virou lei e solução para os endividados times do Brasil. No entanto, após mais de um ano da vigência da lei, os clubes se aproveitam do parcelamento previsto na norma para sanar suas finanças, mas não cumprem as contrapartidas. Não por negligência. Porque elas não são demandadas. E assim deve seguir após resolução do Ministério do Esporte que prorroga para 2018 o início da exigência dos critérios de regularidade fiscal e trabalhista para participarem dos campeonatos.

E tem mais. Dirigentes ainda brigam pelo cumprimento de algumas determinações da lei, como participação dos clubes no colégio eleitoral de federações e da CBF. A entidade quer derrubar o artigo – e também outros – que prevê a mudança. Desde a implantação do Profut, a CBF já realizou Assembleias Gerais e promoveu votações, mas não cumpriu o novo regulamento. Em audiência pública na Comissão de Esporte da Câmara dos Deputados nesta terça-feira, deputados e dirigentes discutiram a regra. Mas não entraram em acordo. Estiveram presentes representantes do Flamengo, Santos, Joinville, Grêmio, Tupi-MG, Figueirense, Goiás, Brasil de Pelotas, Fluminense, América-MG, Atlético-GO, Sport e Coritiba.

Mas não acaba por aí. Ao todo, 126 clubes aderiram ao Profut, segundo a Receita Federal. Na Série A, apenas Palmeiras, Sport e Chapecoense não se incluíram no programa e somente 15 se inscreveram após a primeira prorrogação do prazo de adesão. Na audiência pública desta terça, a chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos dos Torcedores, Lara Denger Videira, revelou que 25 clubes não tiveram o pagamento das parcelas das dívidas localizados. Em outras palavras, não cumpriram sua parte e devem ser excluídos. No entanto, os inadimplentes são equipes de menor expressão e representam um valor irrisório na dívida total com a União.

Rebaixamento só em 2018

Mesmo sem a adesão, as contrapartidas são exigências a qualquer clube. Elas foram incluídas na lei como alterações no Estatuto do Torcedor, que independe do sistema de parcelamento das dívidas. O primeiro prazo de adesão foi 30 de novembro de 2015. Após uma Medida Provisória aprovada no Congresso e sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff em março, a data foi estendida para 31 de julho de 2016. Em reunião no último dia 6, o Conselho Nacional do Esporte (CNE), grupo do Ministério do Esporte com vários representantes do setor, resolveu ampliar ainda mais a exigência das certidões que comprovam a regularidade fiscal e trabalhista dos clubes. Agora, o rebaixamento previsto por descumprimento à norma, só poderá ocorrer em 2018.

A ata da reunião foi publicada no Diário Oficial da União nesta terça, dia 13. Dentre os presentes no encontro, somente o ex-velejador Lars Grael, representante da Comissão Nacional de Atletas, questionou a prorrogação sob o argumento de que “a não aplicação da Lei já no exercício de dois mil e dezesseis e dois mil e dezessete pode gerar interpretação da perda de credibilidade da eficácia da Lei”, como relata a ata. Mas foi voto vencido. O diretor-executivo de Gestão, Rogério Caboclo, representou a CBF no evento. O secretário-geral da CBF, Walter Feldman, reforçou a necessidade, na visão da entidade, de se tomar tal atitude.

– O período dado para a apresentação das certidões era insuficiente. Mostrou-se inadequado, os campeonatos já tinham determinado decisões técnicas para suas composições. O CNE tomou uma decisão nominativa. O prazo tem que ser ampliado para adequação. Foi uma decisão unânime porque senão os clubes, federações, todos seriam prejudicados. Não houve manobra, o futebol brasileiro ficaria um caos. O CNE corrigiu um equívoco da presidente Dilma – declarou o dirigente.

O equívoco do qual Feldman se refere é o veto, por parte da ex-presidente Dilma, do artigo 4º da MP que ampliou o prazo para adesão ao Profut. O item em questão postergava a exigência das contrapartidas para as competições que iniciassem a partir do dia 1º de agosto de 2016. Em sua resolução, o CNE passou a data para 2018. Entretanto, o relator da MP do Futebol, que originou o Profut, o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), discorda da atitude do Ministério do Esporte.

– A Lei é clara. O prazo foi até dia 31 de julho (de 2016). As próximas competições têm que obedecer às regras, e os clubes devem provar que estão pagando. Eu vou querer que a Comissão (de Esporte) reivindique. Ainda não examinei o teor dessa resolução. O Conselho Nacional do Esporte não determina essa dilatação. Ele pode até sugerir, mas me parece estar havendo um equívoco – analisou Otávio.

O CNE se baseia no inciso III do art. 11 da Lei Pelé, que diz que o órgão pode “emitir pareceres e recomendações sobre questões desportivas nacionais”, para tomar tal atitude. De acordo com o ex-auditor do STJD, advogado especialista em direito desportivo e atual diretor de competições da Federação Mineira de Futebol, Paulo Bracks, o governo tem poder para isso.

– O governo pode fazer isso, e ninguém vai questionar. Os clubes não vão questionar, porque interessa a eles. Independente disso, a legislação realmente tem que ser paulatina. Se fosse exigido, não chegaríamos nem a 20 campeonatos estaduais no ano que vem. Acho que tem que ser gradativa. A Lei do Passe foi extinta em 1998, mas só foi valer em 2001 – avaliou.

Otávio Leite entende as justificativas apresentadas para a prorrogação, mas acredita que as contrapartidas já poderiam ser exigidas para clubes das Séries A e B, os maiores devedores, mas também mais organizados e estruturados para cumprir a norma.

– A Ideia com a primeira ampliação do prazo era alcançar os pequenos clubes, que tem retaguarda jurídica mais frágil. Mas não houve muitas adesões. No entanto, aos clubes das Séries A e B a lei lhes ofereceram essa saída do parcelamento dos débitos e estão mais tranquilos. Federações e CBF precisam respeitar também essa regra – opinou.

Polêmica sobre colégio eleitoral

Um artigo que não sofreu alterações é o 38, que altera vários itens da Lei Pelé. Dentre as alterações, está ampliação do colégio eleitoral das entidades de administração do esporte, ou seja, federações e CBF, no caso do futebol. O novo texto diz que “nas entidades nacionais de administração do desporto, o colégio eleitoral será integrado, no mínimo, pelos representantes das agremiações participantes da primeira e segunda divisões do campeonato de âmbito nacional”. Porém, em 2016, a CBF já realizou duas assembleias (relembre aqui e também aqui). Nas duas, apenas as federações tiveram voto. E os clubes reivindicam o direito.

– É uma conquista da lei, e a intenção do legislador era que os clubes pudessem participar das assembleias. Mas a CBF interpretou de forma diferente, de que os clubes poderiam participar só das eletivas – declarou o presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, após a audiência pública na Câmara, nesta terça-feira.

Em janeiro, o PHS (Partido Humanista da Solidariedade) e o Sindicato Nacioanl das Associações de Futebol Profissional entraram com pedido de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) – instrumento jurídico que questiona se uma lei é constitucional ou não – no Supremo Tribunal Federal contra oito artigos do Profut. Dentre eles, está justamente o que diz respeito à incorporação dos clubes no colégio eleitoral. O PHS é o partido do deputado federal por Minas Gerais Marcelo Aro, que também é diretor de ética e transparência da CBF. Outro parlamentar que integra o corpo diretivo da entidade máxima do futebol, Vicente Cândido (PT-SP) defendeu a queda do artigo.

– Aqui (Comissão do Esporte da Câmara) deveríamos defender nossa performance nas Olimpíadas e não definir para CBF ou outro time qual o seu colégio eleitoral. Isso não é função nossa, cheira a preconceito contra o futebol e a CBF – disse o deputado, também na audiência pública.

Relator do Profut e requerente do evento desta terça na Câmara, o deputado Otávio Leite discorda da interpretação dos colegas. Ele acredita, inclusive, que os clubes deveriam reivindicar juridicamente o direito a voto.

– O foco nosso foi a ampliação do colégio eleitoral da CBF. Não é algo novo. A CBF já fez duas assembleias e não convidou os clubes. O presidente da Comissão do Esporte (deputado César Halum, do PRB-TO) pediu para que fôssemos na CBF. Essa é uma última tentativa de encontrar uma solução dialogada. Os clubes têm direito pela lei de participar das assembleias. É um direito que está sendo cerceado e aí só resta a justiça – declarou.

Em resposta, o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, amenizou o impasse. Se limitou a dizer que a entidade está analisando o problema.

– Ficamos três horas em uma audiência pública. A CBF recebeu a documentação. Ponto. As conclusões vão vir depois de toda uma análise. Estamos vivendo um ótimo período, a CBF tem avançado nas normas de licenciamento, acho que está cumprido o papel. Não queremos criar nenhuma polêmica – declarou.

A CBF já contratou uma empresa que fará uma auditoria para implantar normas de licenciamento – uma espécie de adaptação ao Profut – aos clubes a partir de 2018. A nova lei instituiu a Autoridade Pública do Futebol (Apfut), que seria o órgão responsável por fiscalizar os clubes. No dia 9 de maio, o grupo foi apresentado pelo Ministério do Esporte, com César Dutra Carrijo, ex-advogado da Casa Civil, como presidente. Após três dias, Dilma Rousseff foi afastada do poder. No dia 2 de junho, toda a composição da Apfut – com exceção dos membros da sociedade civil – foram exonerados.

Apesar de ainda não ter seu nome publicado no Diário Oficial da União, o advogado Luiz André De Figueiredo Mello será o novo presidente do órgão. Os presidentes Eduardo Bandeira de Mello, do Flamengo, e Modesto Roma Júnior, do Santos, fazem parte da Apfut.

Fonte: GloboEsporte.com