Luan volta ao Colégio Vasco da Gama e comenta sobre participar das Olimpíadas

Segunda-feira, 18/07/2016 - 13:37
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Titular absoluto do Vasco, vice-artilheiro do time na Série B e convocado para a seleção olímpica que disputará os Jogos do Rio de Janeiro em 2016. Quem vê Luan atualmente pensa que o zagueiro cruz-maltino teve trajetória tranquila até aqui. Mas o defensor, sempre tratado como joia na base de São Januário, teve momentos de dúvida: precisou de uma conversa franca para que fosse promovido de vez ao elenco profissional, em 2012. Depois disso, engrenou no clube até conhecer um treinador com o qual se identificaria. Desde que foi capitão da seleção que disputou o Pan-Americano de 2015, Luan virou aluno de Rogério Micale.

- Foi diferente porque eu nunca tinha trabalhado com um treinador tão ousado quanto ele. Um cara que confia muito na sua equipe, no seu esquema. Independentemente de jogar contra Alemanha ou Argentina, ele vai manter o mesmo esquema. Ele não vai mudar. Eles que têm que mudar o esquema para jogar contra nós. Isso foi uma coisa nova para mim - contou o zagueiro.

Luan conversou com a reportagem do GloboEsporte.com numa sala de aula no Colégio Vasco da Gama, aonde chegou adolescente, vindo do Espírito Santo, há 10 anos. Lembrou momentos da carreira, a referência de grandes zagueiros do passado e do presente (de Dedé a Rodrigo, passando por Ricardo Gomes, Mauro Galvão e Adilson Batista) e contou o estilo técnico que conquistou a torcida do Vasco e o treinador Micale, fã de zagueiro que pensa o jogo. Respondeu até a cinco perguntas sobre o futebol masculino nos Jogos, e foi relativamente bem: acertou três das cinco questões (veja no vídeo e no gabarito ao final da entrevista).

Confira a entrevista na íntegra:

GloboEsporte.com: No seu segundo jogo como profissional, o Vasco sofreu goleada de 4 a 0 para o Bahia e você deixou o campo chorando. Olhando para trás e vendo essa chance que você tem hoje na olimpíada, o que passa pela sua cabeça?

Luan: Foi dentro de São Januário, o estádio não estava vazio e a gente tomou goleada. Foi um dos piores dias da minha vida no futebol, mas um dia que aprendi bastante. É legal ver que vida não é só vitória, não é só mar de rosas. Eu estava ali curtindo muito os primeiros momentos como profissional e logo tem um baque desse. Estava treinando muito bem. Lembro que o Cristóvão estava me elogiando nos treinos. O Eder Luis me chamou dias antes e falou: “Você tá treinando muito bem, continue assim que as coisas vão acontecer para você." Pensei: "Que legal que as pessoas estão vendo." O Cristóvão me chamou e falou: “Você vai jogar. Está muito bem, crescendo demais.” Estava feliz, super tranquilo, mas deu no que deu. A gente está tão confiante, e as coisas não saem como esperado. Não foi só eu que joguei mal, nosso time todo foi mal. Serviu de aprendizado, mas não foi uma experiência muito bacana.

Você só jogou de zagueiro na base? No profissional, chegou a jogar de lateral.

Eu jogava de zagueiro e volante na base. Mais zagueiro que volante. Subi e surgiu essa brecha no profissional. Cristóvão me chamou e falou que eu ia jogar de lateral. Como vou dizer não? Não tem como, fiquei muito feliz, era a maior oportunidade da minha vida. Entrei, fui bem e as pessoas viram que podiam contar comigo. De volante até hoje eu jogo, como contra o Londrina. Contra o Brasil de Pelotas eu ia jogar no segundo tempo, mas o Jorginho não conseguiu comunicar ao Zinho (Jorginho estava suspenso e o auxiliar ficou no banco de reservas).

Você faz lançamentos, sai jogando. Chegou a receber críticas na base por isso?

Sempre mesclei um pouco isso. Na hora que tenho que chegar duro, dar chutão, eu vou dar. Quando tenho condição de começar o jogo, construir a jogada, não vou abrir mão disso para devolver a bola para o adversário. Acho que isso é minha maior virtude, gosto de ficar com a bola, não de carregar, sou zagueiro e tenho que fazer a bola andar rápido. Mas não posso me desfazer da bola e sim devo tentar começar a criar as jogadas do nosso time.

Isso é algo que o Micale também preza muito.

Ele gosta dessa coisa do zagueiro iniciar o jogo, arriscar o passe, mas sempre com responsabilidade. O jogador brasileiro tem ginga, talento, a gente não pode desperdiçar isso. Ele fala: “Luan, você tem bom passe, está com a bola no seu pé. O que é mais fácil: você achar o companheiro em melhor posição ou devolver a bola para o adversário? É difícil demais ficar com a bola, então é muito melhor ter a bola do que correr atrás. É uma coisa que o Micale pensa, é legal. Essa coisa de jogar em linha alta, pressionar o tempo inteiro. É muito bom desde que os nossos atacantes pressionem. Se o adversário está em linha alta e os atacantes me deixam jogar, sendo que eu tenho Neymar, Gabriel Jesus, Gabigol, só vou levantar a bola nas costas da zaga deles. Depende muito de treinamento e de conceito, mas o que o Micale faz é isso. Nunca deixa nossa linha subir sem que nosso ataque não pressione. A gente vai ter tempo para treinar, conheço pouco dele, mas já deu para pegar. Eu já joguei contra o Micale na base também.

E como era enfrentá-lo na base?

Era chato, porque é uma coisa nova para o Brasil. Os treinadores brasileiros não trabalham assim. Jorginho é um cara mais esclarecido, não gosta que a gente (zaga) jogue com a bunda lá atrás, ele gosta que jogue no meio-campo com pressão, mas ninguém consegue jogar 90 minutos pressionando outra equipe, é muito difícil. Jogar contra o Micale é sempre muito difícil. Minha característica é conseguir jogar, e eu não conseguia, porque o atacante dele estava sempre em cima de mim. Para isso você tem que fazer movimentações para ficar sozinho, só que a gente (Vasco) não tinha isso.

Durante a preparação para o Pan-Americano de 2015 você trabalhou pela primeira vez com o Micale. Te surpreendeu?

Foi diferente porque eu nunca tinha trabalhado com um treinador tão ousado quanto ele é. Um cara que confia muito na sua equipe, no seu esquema. Independentemente de jogar contra Alemanha ou Argentina, ele vai manter o mesmo esquema de jogo. Ele não vai mudar. Eles que têm que mudar o esquema para jogar contra nós. Isso foi uma coisa nova para mim. Não é só no Vasco, em todos os lugares. Nunca tinha visto um treinador que trabalhava dessa forma, na Europa a gente vê muito isso, mas para conseguir fazer isso tem que estar muito bem fisicamente, seu time tem que estar alinhadinho, porque se um cara der mole... Mas não penso nisso comparando ao Vasco. Tudo que sei e aprendi, eu devo ao Vasco e às pessoas que trabalharam na base, mas quando você vai amadurecendo, aprende também. Quando fui para a seleção com o Ney Franco, aprendi demais, é um cara sensacional, gosta de jogador que joga, não é aquela coisa de “Luan, se a bola bater no seu pé, rebate do outro lado.” Já fui instruído assim aqui no Vasco outras vezes. Vamos supor, estamos jogando contra o Corinthians, time que pressiona bastante. (E diziam:) "A bola bateu no seu pé, faz a ligação direta para o nosso centroavante brigar lá na frente." Eu particularmente não concordo com isso. A gente não pode se acovardar na casa do adversário. Esse é meu pensamento.

Você talvez tenha demorado mais para jogar do que algumas pessoas apostavam. Uma delas, o Dedé, que foi ídolo no Vasco. Ele disse que você seria o sucessor...

Ele sempre gostou muito de mim, antes do meu futebol. A gente começou a se dar muito bem. Nas primeiras vezes que treinei no profissional era só pra completar, fiquei três dias seguidos treinando com ele. Ele não queria me deixar descer. O Dedé, cara! Tinha Juninho, Felipe, mas no momento ele era o maior ídolo. Ele estava fazendo a diferença. E o cara falou assim: "Deixa o moleque treinar, ele tem condições." Ele foi uma pessoa que me ajudou muito.

Você conviveu no Vasco com três grandes ex-zagueiros. Ricardo Gomes, Adilson Batista e Mauro Galvão, que foi seu diretor na base. O que deu para pegar de cada um?

O que acho que peguei deles foi esse instinto, essa coisa de lutar pela vitória. São três pessoas vitoriosas no futebol. Adilson campeão da Libertadores, Ricardo jogou Copa do Mundo, Mauro Galvão é um dos maiores ídolos do Vasco. Aprendi bastante e tentava desfrutar de tudo que eles falavam. Prestava atenção em cada detalhe. Adilson é um cara que gosta muito também de zagueiro que vira jogo, que faz jogo em diagonal, que mantém a bola, que não fica se desfazendo da bola. E é um cara que me cobrava muito para ter gosto de fazer gol. Antigamente eu ia para a área e pensava lá atrás, em voltar rápido para defender. Hoje em dia eu vou para a área para fazer gol. Ele sempre me cobrou muito isso. O Ricardo eu trabalhei muito pouco, não cheguei a jogar com ele, porque o time era uma máquina, não tinha espaço para jogar. Mas aprendi também, ele já me chamou para dizer “ó, você tem que ir por esse caminho, se não for por esse lado vai ser difícil você vingar”. Um cara muito sincero, muito correto.

São seis gols na temporada, quatro na Série B. Você aprendeu a ter gosto pelo gol, como você disse. Mas o que mudou recentemente para despertar ainda mais essa vocação?

Não sei (risos), os gols começam a sair naturalmente. A bola te procura. Na Série B fiz quatro gols. Gol um perto do outro, não tinha tanta distância entre um e outro. Já ano passado, não. Fiz cinco no Carioca, quatro, eu acho, depois não fiz mais nenhum. Espero fazer gol também na olimpíada. Aquela coisa que todo pai e mãe sonha. “Imagina a final, 0 a 0, você vai lá, avança e faz o gol”. Todo mundo imagina essas coisas, mas não sou obcecado por fazer gol, sou obcecado pela vitória. Não gosto de tomar gol. Fico p…. quando tomo gol. Mas claro que também é muito legal fazer gol e ajudar sua equipe.

Você comentou de vingar ou não, quando citou Ricardo Gomes. Até que momento da sua carreira você teve essa dúvida? Talvez naquele momento que levou o 4 a 0 com o Bahia.

Esse foi o momento mais difícil para mim, esse momento da transição. Da base para o profissional. Porque eu subi e desci por diversas vezes. Treinava aqui e ia lá (na base) jogar. Chegou um tempo em que treinava de segunda a sexta e jogava no sábado, tinha outro tempo que treinava seguna e terça e já descia na quarta (para a base). Estava difícil para mim. Eu falei, “pô, eu tenho que tomar uma atitude”, Cheguei no Sorato e falei: “Olha só, o que eu tinha que fazer aqui, cara, já fiz. Mesmo que não jogue lá, me deixa lá. Uma hora eu vou ter oportunidade. Não estou me desfazendo, dizendo que sou mais que ninguém. Mas quero mais oportunidades lá, porque na base já acabou. Já tive três anos de junior” E eu subi antes da galera. Quando chegou o Adilson eu já não estava descendo e eu me preocupava com isso. Vai que troca de treinador e você está nos juniores? O cara não vai saber quem é você. Adilson chegou, comecei a ter oportunidade, virou o ano ele continuou e aí sim as coisas começaram a clarear. Mas é difícil demais você se firmar e virar de verdade um jogador profissional.

Que lembrança você tem desse ambiente de escola, do teu crescimento aqui?

Todo mundo me pergunta isso (risos). Aqui, na escola, era um ambiente que a gente só sacaneava (risos). Brincava para caramba. Imagina isso aqui, estudamos na época que era eu, Marlone, Muralha, todos meninos, a gente jogava junto, era maior palhaçada o tempo inteiro. A gente brincando, depois na concentração. Morei sete anos aqui. Não tenho momento ruim para falar. Sinceramente, não tive. Só quando olhava a relação (de relacionados) e às vezes não estava, mas até falei antes. Peguei uma geração aqui que era 92 e 93. Eu sou 93. De 92 era Phillipe Coutinho, Willen (que era o Charuto), Belchior, que era muito bom. Então, como você vai jogar? Não tem como, não tinha oportunidade. Eles eram muito acima da média.

O fato do Micale não ser um treinador tão badalado, como foi antes com Zagallo, Mano, seria com o Dunga também, divide mais a responsabilidade para todos, não fica tão concentrado na figura do técnico?

Acho que a responsabilidade é muito grande dele assumir essa seleção, mas acho que tinha que ser ele mesmo. Ele vinha com esse trabalho há muito tempo. Eu respeito totalmente o Dunga, se tivesse que ser ele tudo bem, mas acho que o Micale conhece muito mais os jogadores do que qualquer um, ele que vinha trabalhando. Mas acho que a responsabilidade é de todos nós.

Você foi convocado para o Pan, depois não foi mais. Achou que tinha ficado para trás?

Sempre falei que tinha esse sonho, essa chama acesa dentro de mim, mas não era nada que me consumia, que tirasse meu sono. Se tiver que ser, vai ser. Assim que eu penso. Sempre confiei muito no meu futebol, tenho muita fé em Deus que as coisas vão acontecer para quem trabalha bem. Se a oportunidade cair no meu colo vou abraçar e tentar responder da melhor maneira possível, mas eu não podia ficar só pensando nisso. Se não eu teria frustração muito grande caso eu não entrasse na lista.

Por que acha que foi escolhido pelo Micale?

Acho que vivo bom momento no meu clube. Meu clube fez um grande início de temporada. Treinador me conhece, conhece minha pessoa, meu caráter, acho que tudo isso conta.

Ele falou muito da sua liderança também. Você foi capitão no Pan. Você já era capitão na base do Vasco também, né?

Já era sim. Sou um cara muito brincalhão, mas muito sério quando tem que ser no trabalho, acho que isso me ajuda. Mas existem diversos tipos de liderança, aquele cara que fala mais, aquele que é líder por ser destaque. O Neymar é um líder, ele é líder porque é um ícone do futebol brasileiro. Existe o líder que tem mais relação com os jogadores ou porque o cara tem uma postura… Não sei que tipo de líder eu sou. Acho que sou mais o cara articulado, que conversa com todos, que tem uma postura legal. Por isso que as pessoas me veem nesse papel de liderança.

Você tem a Olimpíada, depois pode voltar para o Vasco, mas vai ter muita visibilidade. Já se sente pronto para jogar na Europa?

Não sei se me sinto pronto. Mas que tenho vontade muito grande, eu tenho. Mas não posso falar mais nada, senão depois vão dizer que estou cavando para ir embora (risos). O que quero é fazer meu papel aqui. Se tiver uma coisa muito boa para o clube, muito boa para mim, vai estar na mão deles (dirigentes). Vontade é claro que eu tenho. Seria hipócrita se eu dissesse “não, quero ficar aqui minha vida inteira e não realizar meu sonho de jogar na Europa”. Isso é sonho de todo moleque. Mas a proposta, se chegar, vai ser para o clube, não para mim. Se eles avaliarem que é o momento de eu ir embora, eu vou embora com sensação de dever cumprido. Se eu tiver que ir embora agora depois dessa Olimpíada, eu vou com a certeza de que todas as partidas que eu fiz - joguei mais de 140 jogos com a camisa do Vasco - dei meu melhor.

Esses mercados alternativos te atraem?

Isso é muito complicado, tem que sentar com a família. Mas eu faço a mesma pergunta para vocês. Você recebe 10x, os caras te oferecem 1000x, como vai falar não? É difícil. Mas não tenho como responder isso hoje sem ter a noção do que viria de lá.

Gabarito para perguntas feitas a Luan:

Que ano o futebol masculino do Brasil disputou a primeira olimpíada? 1952.
Quantas medalhas o futebol masculino do Brasil ganhou em olimpíada? Quatro.
Qual time formou a base da seleção olímpica de futebol masculino em 1984? Internacional.
Quem era o técnico da seleção de prata em 1988? Carlos Alberto Silva.
Quem fez o gol que eliminou o Brasil em 1996? Kanu.



Fonte: GloboEsporte.com