Gilson Nunes relembra histórias da quebra do jejum em 1970

Sexta-feira, 01/05/2015 - 11:23
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Gilson é do tempo que para abraçar e comemorar com seus torcedores não era necessária escada dentro de estádio. Foi um ato intempestivo, confundido à época com uma promessa pelos 12 anos sem Carioca, que uniu um sonho de criança e uma brincadeira de adolescente que se transformou em premonição. Experiente técnico de futebol, Gilson Nunes, hoje com 68 anos, era vizinho, torcedor, sócio e frequentador das escolinhas de salão do Vasco desde os oito anos de idade. Com a canhota, o ponta-esquerda abriu o placar para os vascaínos na inesquecível noite de 17 de setembro de 1970 contra o Botafogo. A vitória por 2 a 1 deu uma taça que não ia para São Januário há 12 anos - o fim da seca, pelo mesmo período de 2003 a 2015, pode se repetir agora nos pés e nas mãos de outra geração. Naquele tempo, o título teve ares de profecia para Gilson, que morou quase 30 anos em ruas vizinhas ao estádio de São Januário.

- Eu dizia para um amigo meu já falecido, o Macário, que o Vasco só seria campeão no dia que me contratasse. Eu aprendi a gostar muito do Fluminense, como do América, onde também tive a minha história, mas era vascaíno, vivia no Vasco desde criança. E quis o destino que aquilo que eu falei para meu amigo fosse acontecer - lembra Gilson Nunes, que ano passado treinou o América na Segunda Divisão do futebol carioca.

Em entrevista no dia seguinte à vitória por 1 a 0 sobre o Botafogo - gol de Rafael Silva -, Gilson resgatou o uniforme daquele dia, que ainda tem até a sunga guardada e está muito bem conservado, e lembrou uma história pouco conhecida daquela final. Nos jornais da época, a corrida de 5 km do Maracanã até São Januário era colocada como uma promessa pela falta de título. O último havia sido em 1958, nos últimos suspiros do Expresso da Vitória, um dos times mais vitoriosos da história vascaína - campeão de tudo naquela época, inclusive Sul-Americano.

Mas, depois de perder grandes jogadores - Vavá foi vendido para o Atlético de Madri em 1959 e Almir Pernambuquinho para o Corinthians - e conviver com vacas magras e crise política no eterno caldeirão vascaíno - em 1969, Reinaldo Reis foi deposto em polêmica reunião do Conselho Deliberativo vascaíno, sendo substituído por Agathyrno Gomes da Silva -, Gilson, um filho da casa, teve que vir por empréstimo do Fluminense para ajudar o Vasco a sair do seu jejum de títulos estaduais - no período foram dois títulos: em 1965, o Vasco foi campeão da primeira Taça Guanabara, e em 1966, ao lado de Botafogo, Corinthians e Santos, campeão do Rio-São Paulo.

"Cemitério de técnicos" até Tim chegar

Faz muito tempo, mas Gilson se lembra bem. A falta cobrada de canhota foi parar no ângulo do goleiro Ubirajara. Depois, Walfrido ainda faria o segundo na vitória de 2 a 1. Nas arquibancadas, num jogo de meio de semana, os vascaínos iam ao delírio. Nas redondezas, portugueses donos de restaurantes distribuíam bolinhos de bacalhau numa festa que parou a cidade. Mas não parou Gilson Nunes. Aos 24 anos, com saúde para dar e vender, ele lembrou da dona Arlete - que faleceu precocemente aos 62 anos.

- Não fiz promessa. Foi uma coisa de momento mesmo, pela felicidade que era tão grande. Meu pai, meu irmão e meio tio estavam no estádio, mas minha mãe não. Eu usava uma chuteira de borracha e saí correndo do Maracanã. Deixei minha roupa com meu pai e fui… Quinta da Boa Vista, Largo da Cancela, rua São Januário, até chegar a General Argolo. Dei um abraço muito forte nela e nós dois choramos muito. Passaram 45 anos, mas é um momento marcante, inesquecível - conta Gilson, relembrando que foi, obviamente, reconhecido e seguido por muitos torcedores em trajeto de 5 km em pouco menos de 30 minutos.

- Uns vinham, tentavam me acompanhar, depois paravam e seguiam de novo. Vieram uns 30 no final. Depois fomos todos para São Januário festejar.

Naquele período de seca, o Vasco ficou conhecido como cemitério de técnicos. Passaram mais de 20 nomes em nove anos, entre eles Paulo Amaral, Otto Glória, Zezé Moreira e ex-jogadores como Ademir, Paulinho e Pinga. Para comandar a esperada conquista, Elba de Pádua Lima, o Tim, considerado um estrategista do futebol brasileiro. Mas Gilson lembra por outra virtude.

- Era muito inteligente, via o jogo muito bem. Mas também cozinhava bem demais. Fazia uma dobradinha que os jogadores gostavam muito - diverte-se o ex-jogador.

Com um time desacreditado no início da competição, jogadores como Andrada, Bugleaux, Silva, o Batuta, e Alcir Portela, o Vasco se apoiou numa nova organização no futebol e na raça de jovens jogadores, como Gilson e Walfrido, autores dos gols do título. Com nova seca inesperada, o Vasco pode repetir feito que emociona Nunes até hoje.

- Foi muito especial. Lembro que cheguei a ter mágoa do Vasco, porque fui preterido no início da minha carreira, tive que ir para o Bonsucesso, fiquei oito meses lá e depois passei anos no Fluminense, onde fui campeão. Podia ser de graça do Vasco e depois tiveram que pagar para meu empréstimo e para me comprar em 1971 - relata Gilson Nunes, que não arrisca o campeão, mas reconhece uma vantagem boa para o Vasco com o empate.



Após o jogo, sozinho, pai Santana carregava velas e fazia um trabalho no gramado do Maracanã. "Ele tinha a fé dele e levava um ou dois jogadores no terreiro de umbanda, mas era mais folclore, para causar trauma no adversário", conta Gilson.

Em 1970, a nova diretoria do Vasco vai a Lisboa para contratar o craque português Eusébio. Os jornais cariocas chegaram a noticiar o acerto, mas uma pedida acima dos limites do clube desfez o negócio. Silva, o Batuta, ex-Fla, veio e foi o destaque marcando nove gols e sendo artilheiro do time campeão

Fonte: GloboEsporte.com