Rubens Lopes fala sobre o Estadual e afirma que não deverá tentar reeleição na FFERJ

Terça-feira, 17/02/2015 - 02:20
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Documentos, borderôs, ofícios de clubes, cópias de matérias de jornais e 11 assessores. Foi com esta munição que o presidente da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj) se apresentou para falar ao GLOBO. Sua entourage incluía três assessores de imprensa, diretor de competições, diretor financeiro, procurador geral e vice-presidentes da entidade. Tudo isso para o caso de “precisar pedir ajuda aos universitários”, argumentou. Rubens Lopes revela que está em seu último mandato na Ferj e, em declarações duras contra Flamengo e Fluminense — em especial ao último—, exibe a face de um futebol rachado.

Num mundo global, há a sensação cada vez mais clara de que o Estadual desperta pouco interesse e é grande demais. Qual o tamanho ideal do campeonato?

Daqui a dois anos, estão previstos 12 clubes. O número ideal, ninguém sabe. Qualquer opinião é intuitiva. Ninguém tem dados ou embasamento. O problema não é o número. Neste ano, com oito ou dez, diante da dissidência, o número seria o de menos. Se todos quisessem colocar para cima, daria certo. Houve predisposição para criar dificuldade. Imaginamos, com 12 na fase principal, uma fase preliminar atraente. Vamos observar. O número 12, 14, é aleatório. Um ajuste para saber o ideal. Mas cada vez que você minguar o número de participantes, você reduz a geração de empregos, o surgimento de talentos. E provoca desinteresse. Em abril, encaminhamos documento aos clubes pedindo sugestões de formato. Ninguém enviou. Então, o que não pode é fazer malcriação: não me agradou, me jogo no chão, grito...

Por que a Ferj não fez o estudo?

Fizemos. E mostrou o preço do ingresso como maior razão para a redução do público. Defendo a regra de mercado, mas não dá para elitizar. É preciso escalonar. Como também não tem sentido o preço ser baixo para todo mundo. E outra coisa: quem é o ídolo, o artista do espetáculo? Se ele não atrai...

Clubes não deveriam ter o direito de decidir o preço dos seus jogos?

Eles estão atrelados a um estatuto e a um regulamento que eles fazem através do voto. O que não pode é: quando a decisão me favorecer, é ótima; quando for desfavorável, não serve e vou me insubordinar. Não adianta ir para a rua fazer panelaço. Foram 11 semanas num Fórum aqui debatendo o campeonato. Os clubes não compareceram, não se interessaram. Os representantes que vieram foram meros espectadores, não trouxeram qualquer contribuição. Quando o mesmo Conselho Arbitral tomou uma decisão sobre cotas de TV que equiparou os quatro grandes, beneficiando o Fluminense, ele achou ótimo. Foi a decisão mais sábia para ele.

Mas onde está escrito que o Arbitral define os preços?

No estatuto e no regulamento geral de competições. Há dois anos, a decisão dos preços agradou e ninguém reclamou. E este regulamento é aprovado ano a ano. E a aprovação foi unânime, todos votaram. Flamengo e Fluminense inclusive.

Os clubes sabiam o que estavam aprovando?

Tem presidente de clube que nunca participou de reunião nenhuma (novamente refere-se ao Fluminense). Mandam representantes como quem diz: "vai lá só para dizer que não foi ninguém". E chegam sem conhecimento algum. Há ausência, omissão, descaso... De repente, ficam sem condição de argumentar.

O preço de ingresso proposto para este ano pareceu um chute...

Não recebi nenhum estudo neste sentido. A ideia é que ficasse abaixo do ano passado. Alguns clubes se insurgiram e, depois, vendo que foi benéfico, pediram para reduzir (desta vez, refere-se ao Flamengo).

Mas houve um recuo na meia-entrada universal. O Ministério Público foi contra...

A questão da meia entrada universal foi um erro de comunicação. Um equívoco ao comunicar a ideia. Não havia meia entrada universal. Meia e inteira ia ter. Agora, a critério do clube, cada um poderia estender o benefício. Deixamos claro que nunca houve meia entrada universa.

O senhor é crítico dos projetos de sócio-torcedor dos clubes. Argumentou que se apropriam de receitas de outros clubes...

Sim. Se a renda do jogo é dividida, não se pode tomar algumas atitudes sem autorização. Há prejuízo de terceiros. Ou então você subsidia o ingresso e paga por isso. No Campeonato Brasileiro, com renda do mandante, faz o que quiser. Outra questão: a lei fixa quem tem direito à meia-entrada. É preciso ver se o projeto não está contornando a lei.

Não é estranho o senhor levantar suspeitas sobre projetos de filiados?

Não. O direito de um acaba onde começa o do outro.

O senhor se arrepende das ofensas ao presidente do Flamengo? Ele alega que o senhor xingou a mãe dele.

Não fui desrespeitoso. O Flamengo publicou uma nota (dizia que a Federação “se apropria de bens de seus filiados” e de “cotas de TV”) com graves calúnias e ofensas... O que é mais grave: as calúnias e ofensas por escrito, para o mundo ver, ou aquelas que ele diz ter sofrido? Nem conheço a mãe dele. Como vou xingá-la? Se fosse como ele diz, até acho que teria sido uma reação modesta diante da gravidade do documento. O presidente do Flamengo ofendeu a todos nós. Ofendeu a Federação, os outros clubes. Isso ele não disse nas entrevistas.

Num manifesto, Flamengo e Fluminense reclamaram de não participar da negociação com a TV.

Eles mentem. A Federação nunca negociou. O contrato atual foram os clubes que negociaram. A Federação é só anuente. E os quatro grandes têm peso decisivo.

E por que a Federação fica com 10% do contrato de TV e da renda bruta dos jogos?

É estatutário. Acontece em qualquer lugar do mundo. Na Champions League varia de 18% a 25% do contrato. O dinheiro passa por aqui e em 48h depois é repassado aos clubes. A Federação é responsável por recolher os 5% da Previdência Social. E nunca se fugiu à regra. O que é do clube é sagrado. Agora, há clubes que anteciparam. O Fluminense não tem nada a receber em 2015 porque antecipou. Nove Federações cobram 10% da renda bruta. Basta olhar os balanços: a taxa da Federação impacta 1% das despesas do futebol dos clubes.

Mas os clubes jogam com prejuízo. Mas a Federação nunca perde.

Os clubes também não perdem. Não é verdade que têm prejuízo em jogos. Prejuízo é quando a despesa é maior que a receita. As receitas ligadas ao evento são aquelas que não existiriam se não houvesse evento. Direito de TV, camarote, bar, estacionamento... Se dependesse só de bilheteria, nenhum evento aconteceria. O Rock in Rio não aconteceria. Então, todas as receitas têm que ser colocadas no borderô. No, Maracanã 50% das despesas é com o estádio. Então, não é a taxa da Federação o problema. E quem aprovou este modelo foram os clubes.

Colocar a receita de TV no borderô dos jogos não é maquiar o resultado financeiro?

Não. É para mostrar a realidade dos fatos. Ninguém pode dizer que o jogo dá prejuízo. Seria omitir receita. Os clubes vendem camarotes e não colocam borderô. Deviam colocar tudo: bar, estacionamento...

O que é feito com o dinheiro da Federação?

O valor não é tão significativo. Não dá para subsidiar todas as competições, ajudar todos os clubes. Está tudo no balanço. Temos despesas de patrimônio, como esta sede. Tem despesa de pessoal, imposto, débitos passados e aplicamos no fomento do futebol. Subsidiamos torneios amadores, campeonatos de ligas municipais, damos premiações, troféus, medalhas, material esportivo. Na Série C, por exemplo, a Federação não ganha nada. E subsidia. Deixamos os clubes pagarem em 60 vezes.

Não era para haver estádios e campos melhores, mais ajuda aos pequenos?

Não dá para tudo isso. Por três meses de campeonato, tem clube pequeno que recebe R$ 2 milhões. Quanto a estádios melhores, concordo. Mas, se formos rígidos, dificilmente teríamos campeonato. Tem clubes que sequer têm estádio. O Fluminense não tem. Os estádios do Rio são antigos, sem concepção moderna. A Federação recuperou gramados. Mas os clubes não conseguem manter: por dificuldade de gestão e por não ter onde treinar. Muitos treinam no mesmo campo em que jogam. Por lei, não podemos impedir um clube que vence a Segunda Divisão de subir. O Barra Mansa, por exemplo: qual o campo dele? Mas ele subiu.

Mas os clubes reclamam que, no balanço, 50% das despesas da Federação estão rubricadas como “despesas gerais”.

O balanço fica à disposição, com contas abertas. É discutido e apresentado. E eles aprovam. Todo balanço tem despesas gerais. É rubrica contábil.

Mas não é um percentual muito grande?

Não. Depende do que você inclui. (Neste momento, o diretor financeiro explica que a empresa de auditoria contratada pela Federação prefere incluir despesas administrativas como "despesas gerais" e afirma que tal valor corresponde a 60% das despesas gerais).

E o argumento de Flamengo e Fluminense de que não têm noção de onde foi parar parte importante do contrato de TV?

Claro que sabem. Eles mentem descaradamente. Devem ser filhos de pinóquio. Alguns nem vêm aqui. Outros que vêm têm problema auditivo e neurológico. Do contrato da TV, tira-se premiação e o restante vai 60% para os grandes e 40% para os demais. Todo mundo tem cópia do contrato. E para 2016, vai ser subsidiada a fase preliminar, para reduzir o número de clubes na fase final. Então, foi feita uma provisão. Mas todos tiveram aumento de cota.

O Maracanã se tornou inviável para o futebol do Rio?

Sim, tanto para o Estadual quanto para o Brasileiro. Conversei com o Sinval (Andrade, presidente do Consórcio Maracanã) e todos os argumentos dele me convenceram. O estádio foi feito para sete partidas na vida (Copa do Mundo) e não para competições estaduais e nacionais. É difícil reduzir custos em alguns jogos. Se só você, uma pessoa, for ao jogo, o Maracanã tem que deixar 15 mil lugares à disposição: cadeira perpétua e assentos de gratuidade. O ar condicionado é central. Liga-se tudo, mesmo sem usar. É caro. O estádio foi feito para, no mínimo, 40 mil pessoas. Como se todo dia tivesse Copa do Mundo, Libertadores... No modelo atual, dificilmente se atinge isso. E o Maracanã está em dificuldade. É bonito, moderno, mas fora da realidade para o mundo todo. Em quase todo lugar, o que se vê são estádios de porte médio. Pergunta se estão satisfeitos com o contrato do Fluminense? Pela vontade deles, o Fluminense não jogaria lá. O estádio abre às quartas-feiras só para ter prejuízo. Eu não pagaria 50% da minha renda para jogar no estádio. A concepção foi um equívoco.

Clubes e ligas amadoras recebem ajuda da Federação. Precisam de pouco para sobreviver e votam na eleição da Federação. Você concorda que, na atual estrutura de poder, o presidente da Federação só deixa o poder quando quiser?

Não. Só sai se eles quiserem. Não se mantém clube na rédea. O regime é democrático e com estatuto. Os dissidentes lutam pelo poder. Querem impor a vontade deles à maioria. Em todo lugar do mundo a decisão é no voto.

Quanto tempo mais o senhor ficará na Federação?

Acho que quando acabar este mandato, acabei. Pretendo sair. Já fiz muito pelo futebol desse estado. Bastante. Pode vir um outro. Quem sabe o Fluminense não se candidate? Não vai ganhar e depois vai dizer que desse jeito não dá.

O senhor pretende indicar um sucessor?

Os filiados vão escolher.

O senhor reconheceria uma liga?

Isso não vai acontecer. E quem precisa reconhecer é a CBF. Isso não sai.

Fonte: O Globo Online