Conheça a história do estádio Eustáquio Marques, que teve o Vasco na inauguração em 1992

Sábado, 28/06/2014 - 10:25
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Na história recente da parte glamourosa do futebol carioca, o estádio Eustáquio Marques, em Curicica, pode representar quase nada. Muitos torcedores de Botafogo, que passou por em maio, e do Vasco, que lá se prepara para voltar às competições, sequer ouviram falar do acanhado palco. Mas os 34 anos de trajetória do campo do "Taquinho", como é conhecido seu dono e responsável pelo batismo oficial, daria até um livro. Pelo menos é o que acredita o homem que ergueu com as próprias mãos a estrutura original. A região da cidade, afastada da bola, se orgulha da visita de nomes como Romário, Zico e Seedorf, e dos momentos com as celebridades da televisão.

Localizado a cerca de três quilômetros do Projac, central de produção de programas da Rede Globo, o campo ganhou fama nacional por servir de casa ao fictício "Divino FC", time emergente que protagonizou a novela Avenida Brasil, em 2012 (veja o vídeo). Maquiado com suas cores, foi alugado exclusivamente por mais de nove meses para os dramas de Adauto (vivido por Juliano Cazarré), o craque traumatizado, e a família Tufão (Murilo Benício e Cauã Reymond). Hoje, ainda mantém o escudo em sua parede para indicar o carinho e porque o passado ainda rende.

- É uma história que fica. Pensamos em tirar, mas tem que deixar aí porque tem muita gente que vêm e abrimos o portão só para tirarem uma foto - conta seu Eustáquio, que emenda com outra.

- Autorizei minha sobrinha a entrar para ver a cena e tirar fotos com os atores. Mas, hoje em dia, os jovens põem tudo no Facebook na hora, e no dia seguinte apareceram 200 sobrinhas minhas na entrada (risos). Tive que ir lá e explicar para o segurança que não podia liberar.

Mas o talento para atuar é antigo. O Casseta & Planeta gravou as esquetes do Tabajara Futebol Clube no estádio, assim como a novela Cara e Coroa, outra que tinha o futebol como um dos temas. Sem falar em Malhação. Isso tudo com o empréstimo de jogadores do clube para fazer figuração. O extinto Internacional, que jogou a Série C, aliás, foi um projeto que não decolou.

Mesmo assim, o arrependimento passa longe pelo fato de ter revelado profissionais que alcançaram um certo destaque, como Borçato, que defendeu Vasco e Sport, Fabinho, ex-Atlético-PR, André Ladaga, ex-Vasco e Fluminense, William, ex-Flamengo, e o principal deles: Válber, que passou pelos quatro grandes, pelo São Paulo e até Seleção.

- Todo garoto bom da região falavam: leva pro Taquinho. Eu sempre gostei de ajudar, acolhia, tinha o olho bom para saber se ia dar jogador e também fazia festa no Dia da Crianças, dava presente. Então, aqui é uma referência para a vizinhança de um lugar de confiança, que todo mundo gosta. E meus contatos com os clubes e com a federação cresceram muito com o tempo - explica.

INAUGURAÇÃO OFICIAL COM VASCO

Chefe de uma oficina mecânica na década de 70, o mineiro e cruzeirense Eustáquio comprou o terreno em 1980. Primeiro, um campinho de futebol que durou 12 anos e cujos muros, ressalta, levantou com o filho e mais alguns ajudantes. Até que o investimento deu um passo à frente e se tornou ambicioso. Em 1992, a arquibancada começou a ser construída. Três anos mais tarde, o Vasco, que hoje aluga o espaço por ter cedido São Januário à Fifa durante a Copa do Mundo, venceu por 3 a 0 um amistoso contra a equipe local para dar o pontapé inicial para o estádio.

Jogos oficiais da Copa Rio e da Série B do Rio de Janeiro foram disputados com frequência por lá até o fim da década de 90. Com a memória boa, o dono lembra do folclórico ídolo norte-americano Cobi Jones, que fracassou com a camisa cruz-maltina, do início de Felipe e Pedrinho e de Carlos Germano, que retorna agora como preparador de goleiros do clube.

- Meu gramado foi considerado o melhor do Rio. Hoje, precisa de melhorias, mas é o mesmo que o Palmeiras tinha no Parque Antarctica. Em estrutura, colocamos debaixo do braço esses estádios como o do Bonsucesso, Olaria... e fomos pioneiros na área Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio. Quase nenhum aí tem ar condicionado no vestiário, academia ampla e de qualidade. Por isso, na época, alguns dos grandes mandaram jogos aqui - recorda-se.

Em 1996, a região ficou debaixo d´água após uma grave enchente e muitas famílias perderam suas casas. A tragédia mobilizou os boleiros, que se reuniram no Taquinho para ajudar.

- O Romário veio, o Valber e o Ailton, aí reúne muita gente, não tem jeito. A arquibancada ficou lotada e recolhemos toneladas de alimentos e itens para doar para escolas carentes.

LOCAÇÕES, CALOTE E PLANOS

As categorias de base do Flamengo passaram um período no local até construir o Ninho do Urubu. De 2005 a 2008, foi a vez do Estácio de Sá, projeto do ex-zagueiro Gonçalves, exigir exclusividade. O holandês Seedorf também visitou o palco em seu estágio como técnico, e o Boavista foi outro a estabelecer um acordo. Todos, mesmo com eventual atraso, pagaram.

Neste meio tempo, surgiu o Esporte Clube Marinho, novato no futebol, que adotou o estádio como sua casa, mas causou uma dor de cabeça que Eustáquio nunca imaginou ter. Além de um calote de R$ 300 mil, de acordo com seus relatos, o responsável forjou documentos para tentar vender o terreno e sair de cena. A Polícia Federal foi notificada, e os envolvidos respondem a processo. Endividado, o clube, é claro, foi abolido antes mesmo de chegar à Série B.

- Fiz um BO (boletim de ocorrência), levei para o Rubinho (presidente da Ferj) e tive que entrar na Justiça. Foi lamentável, tive um prejuízo imenso que quase me quebrou. Agora, nunca mais entrego as chaves para ninguém. Quando está alugado, dou toda a privacidade, mas fico aqui e tudo passa pela minha supervisão - explicou.

É comum observar, inclusive, uma confusão sobre a propriedade atual do estádio. Desde 2010, o Marinho, de certa forma, o incorporou por meio de divulgação, mas não há ligação.

O sucesso com eventos e parcerias empolga Eustáquio, que pensa em ampliar a capacidade para 15 mil torcedores - hoje, jura que cabem cinco mil pessoas. Ele espera a finalização da Transolímpica, projeto de mobilidade urbana que deve realocar a vizinhança de baixa renda.

VASCAÍNOS: FICÇÃO E REALIDADE

Para os jogadores, estar no "Divino FC" é um misto de empolgação e curiosidade. O zagueiro Luan abriu um sorriso ao confirmar que assistiu à novela e que o grupo brinca sobre referências.

- Assisti, sim (risos). É uma novela que marcou, como tudo o que se fala de futebol na televisão. Não gosto muito, mas essa eu acompanhei e a gente brinca de vez em quando. É bom para relaxar, solta uma piadinha depois do trabalho, que está bem puxado - disse o camisa 21.

Fora a ficção, Luan, aliás, já experimentou um título real lá antes mesmo da fama do campo. Foi campeão na base pelo Vasco no Eustáquio Marques e lembrou que o gramado pesado é algo que está acostumado por ser parecido com o do CT de Itaguaí, onde a garotada treina.

O lateral-esquerdo Diego Renan admitiu que é noveleiro nato e aprovou o palco alternativo.

- A gente fica muito tempo concentrado, então acaba acompanhando algumas novelas. É muito legal estar aqui, conhecer o estádio que apareceu na TV. É mais ou menos o que parecia ser, mas lógico que tem todo o trabalho de ajuste para ter outra imagem maior. Mas o campo está bom, dá para trabalhar bem e estamos focados no Vasco - reforçou.

Quando o Botafogo treinou lá, o argentino Bolatti surpreendeu ao dizer que iria contar para os amigos que estava no Divino porque a novela estava fazendo muito sucesso em seu país.



Fonte: GloboEsporte.com