João Ernesto Ferreira, VP de relações especializadas, fala sobre a luta do Vasco da Gama contra a discriminação

Quinta-feira, 15/05/2014 - 09:37
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Uma das grandes conquistas do futebol brasileiro foi a integração de jogadores negros. O que hoje parece tão normal, não foi sempre assim. Há 90 anos, um time brasileiro deu exemplo contra a discriminação racial. Esse é o tema da segunda reportagem da série especial "O País do Futebol”.

O futebol é o esporte mais popular do país e, portanto, um reflexo genuíno da sociedade brasileira. A miscigenação de raças, culturas e credos está estampada na seleção e na arquibancada. Nos últimos meses, jogadores brasileiros têm sofrido com atitudes que não cabem, em nenhum momento, na história da humanidade.

Em abril, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) lançou a campanha “Somos Iguais” e divulgou um vídeo com a participação de atletas envolvidos em casos de racismo.

“O Brasil sempre foi um país racista. Não é de surpreender, portanto, essas manifestações que estão ocorrendo hoje. É como se, de repente, estivesse liberado. O brasileiro que tinha vergonha de ser racista, agora não tem mais vergonha. Ele grita, a plenos pulmões no estádio, contra um jogador negro. Mas isso sempre houve", aponta Joel Rufino, historiador e escritor.

No começo, no Brasil, o futebol era praticado apenas por quem podia pagar mensalidades de clubes de classe média alta. Para participar do jogo, o negro tinha que se disfarçar.

O dia 13 de maio de 1914 ficou marcado. O adversário era o América. Ainda no vestiário, Carlos Alberto usou pó de arroz para esconder a pele mulata, que contrastava demais com a camisa branca do Fluminense. Assim que entrou em campo, para provocar, os torcedores gritaram "Pó de arroz". Anos depois, esse acabou se tornando um dos símbolos do tricolor.

VASCO CONTRA O RACISMO

Mas foi o Vasco da Gama que desobedeceu completamente as normas sociais dentro de campo. Em 1923, montou um time com os considerados excluídos e ganhou o Campeonato Carioca. "Em um time que tinha um número considerável de atletas negros, mulatos, brancos, pobres, analfabetos. Não importa. E a conquista do Campeonato Carioca, em 1923, estabelece uma mudança de paradigma", conta João Ernesto, diretor do Centro de Memória Vascaína.

O escritor Mário Filho escreveu o tamanho do escândalo no livro "O Negro no Futebol Brasileiro": "Desaparecer a vantagem de ser de boa família, de ser estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o estudante, o branco tinha de competir em igualdade de condições com o pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e o preto, para ver quem jogava melhor. Era uma verdadeira revolução que se operava no futebol brasileiro".

"O papel do negro, não só no futebol, mas em todos os setores sociais, qual é? É de abrasileirar a coisa. Então, no futebol aconteceu isso", afirma o historiador Joel Rufino.

Os grandes clubes do Rio de Janeiro não aceitaram a vitória daquele time do Vasco. Em protesto, criaram uma outra federação para disputar o campeonato do ano seguinte: a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos. Até convidaram o Vasco da Gama, mas sob algumas exigências.

"De que o Vasco eliminasse dois atletas do seu elenco sob alegação de que eles tinham uma condição, uma conduta duvidosa. Eram negros, de uma condição social menos favorecida e os homens do Vasco, vendo que havia por detrás daquilo, uma discriminação racial e social grande, escrevem, em uma única página, a mais bela página que um clube poderia ter escrito", lembra João Ernesto, o diretor do Centro de Memória Vascaína.

Na resposta histórica de 1924, enviada à Associação Metropolitana de Esportes Atléticos, o Vasco da Gama, por unanimidade, não aceitou dispensar seus 12 jogadores. "Temos que entender, deve haver a consciência de que só existe uma raça: a humana", diz João Ernesto.

DISCRIMINAÇÃO ESTÁ PROIBIDA

Desde 2002, no futebol existe o Dia contra a Discriminação. Está lá no código disciplinar da FIFA: "a discriminação por palavras ou ações por causa da raça, cor da pele, língua, religião, origem ou qualquer outra razão é estritamente proibida e passível de punição".

Mas isso não é suficiente. O que aconteceu com Daniel Alves, por exemplo, não ficou impune e nada parecido será permitido no Mundial. Foi o que disse o presidente da FIFA, Joseph Blatter. "O que Daniel Alves teve de tolerar foi revoltante. Haverá uma política de tolerância zero na Copa do Mundo", disse Blatter.

Que seja assim. Já que a Copa do Mundo, ainda bem, tem o poder de unir as cores do planeta inteiro.

(Para assistir à reportagem, clique aqui.)

Fonte: G1