Filha adotiva de Barbosa conta como foram os últimos anos de vida do ídolo

Terça-feira, 08/04/2014 - 15:25
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‘Olha, filho. Aquele foi o homem que fez o Brasil chorar na Copa de 50’. A frase dita por uma mulher, após a perda do título para o Uruguai, sangrou por 50 anos o coração do goleiro Barbosa. Não foi a primeira nem a última vez em que foi apontado como o culpado pela perda do Mundial. Por meio século, carregou sua cruz com dignidade comovente. Em sua via-crúcis, sofreu só, em silêncio, sem nunca responsabilizar os companheiros pelo erro coletivo. Um dia após completar 14 anos de sua morte, O DIA preparou uma série de reportagens sobre a história de um dos maiores goleiros do futebol brasileiro. Dos tempos felizes no inesquecível Expresso da Vitória, aos dias de solidão, em Praia Grande, onde escolheu morrer em paz, quase no anonimato.

Cemitério Morada da Grande Planície, ala 23, Praia Grande. O túmulo 350 destoa no silencioso corredor da morte. Por uma estranha coincidência, nem em sua morada final, Barbosa conseguiu escapar do número que selou seu destino. Acima da placa fúnebre repousam a pequena imagem de Nossa Senhora de Fátima e muitas flores, levadas por Tereza Borba, sua filha do coração. Uma singela homenagem nos 14 anos de sua morte.

“O Barbosa era de um caráter tão grande e de uma bondade infinita. Ele nunca apontou o dedo para acusar ninguém. Foi sujeito homem, um herói”, diz Tereza, muito emocionada.

A filha, mais do que ninguém, testemunhou os últimos passos do goleiro, desde que ele resolveu trocar o Rio por Praia Grande. Barbosa não aguentava mais explicar o gol, que ofuscou sua gloriosa carreira no Vasco, clube pelo qual conquistou seis Cariocas e o Sul-Americano de 48, no inesquecível Expresso da Vitória. Não suportava lembrar do dia em que que fraturou a perna em um clássico com o Botafogo e perdeu a chance de se redimir na Copa de 54, na Suíça. Depois de se aposentar em 62, jogando pelo Campo Grande, o ex-goleiro ganhou novo fôlego ao voltar a trabalhar no estádio que o consagrou como ídolo.

“Ele dava aula de ginástica para idosas”, relembra o amigo Abel Correa. “Até Getúlio Vargas (presidente da República) era fã de Barbosa. Não tenho palavras para falar dele”, acrescentou.

Após se aposentar como funcionário da Suderj, Barbosa abriu uma loja de pesca, mas sofreu outra decepção.

“Uma enchente levou tudo e ele teve enorme prejuízo. Depois disso, aceitou o convite da cunhada para morar em Santos”, revela Tereza.

Ao tentar recomeçar a vida longe do Rio, Barbosa descobriu que a mulher tinha câncer. Para pagar o tratamento, gastou todas as economias com a venda da casa de Ramos. A morte de Clotilde, com quem foi casado por 56 anos, não foi o baque final. A cunhada vendeu o apartamento e ele ficou sem lugar para morar.

“Ofereci minha casa, mas ele não quis, pois era independente. Até os últimos dias, era o Eurico Miranda que mandava o dinheiro do aluguel, pois a aposentadoria dele era uma miséria. Para aumentar a renda, passou a ser corretor zoológico”, diz Tereza, numa referência bem-humorada ao trabalho de apontador do jogo do bicho.

Dez dias antes de morrer de um AVC, ele recebeu uma visita inesperada.

“Chorou quando me viu, estava bebendo muito”, lamenta o amigo Adalberto, ex-goleiro do Botafogo. Era o capítulo final.

“O Barbosa sofreu, pois tinha orgulho de ser vice-campeão mundial e as pessoas não entendiam. Nunca foi alcoólatra. Sua maior dor foi perder a mulher. Ele murchou”, conclui a filha.



Fonte: O Dia