Sucesso de público do Vasco atuando contra pequenos em 1924 obrigou a AMEA a 'engolir' o clube e aceitá-lo em 1925

Terça-feira, 08/04/2014 - 04:05
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Por que a AMEA se arqueou ao Vasco?

O torcedor cruzmaltino deve se perguntar, quando é relembrada a “Resposta Histórica”, a qual flagrou o preconceito social e racial de Flamengo, Fluminense, Botafogo, América e Bangu, alicerçado pela imprensa da época: Por que o Vasco foi “aceito” logo no ano seguinte (1925)?

A resposta, por muitas vezes, é evasiva, mas o fato inconteste não é terem percebido nossos adversários a força do Vasco, a grandeza do Vasco, mas sim o TAMANHO da TORCIDA do VASCO!

O campeonato da LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres), disputado entre Vasco e Andaraí, da primeira divisão do ano anterior (e não racistas), mais 21 outros clubes ditos pequenos, não foi de forma nenhuma esvaziado quando o assunto era Vasco.

São frequentes os comentários nos jornais da época falando que os campos, em jogos do Vasco, lotavam, ou transbordavam de gente.

Não é por mal que falamos, mas o Vasco está bancando o “coronel” na Liga… Todos os clubs almejam jogar com ele, porque só ele paga… Quando o Vasco tem um match e dá o campo, a sua renda é nulla, embora o ground se encha, transborde. Em compensação quando não é ele quem fornece campo, é um agrado ver no dia seguinte a “cara” do tesoureiro do club com quem jogou. A receita dá para pagar todos os “cadáveres” e ser certo outro crédito até… novo jogo com o Vasco. Nós estamos certos que os dirigentes do symphatico club da Cruz de Malta pouco ou quase nada se importam com o interesse mais ou menos pecuniário que os seus adversários possam ter. O Vasco concorre ao campeonato da Liga com objetivo sportivo: dentro do seu programa vae derrotando a todos e finalizará campeão… enquanto que os outros, reduzidos a zero, terminarão o campeonato banqueiros e… todos estarão satisfeitos…
O Imparcial – 27/08/1924


Um exemplo disso pode ser pinçado às vésperas da partida contra o Mangueira – a décima do Vasco no campeonato, válida pela 3ª rodada do returno em seu grupo – que seria realizada a 31 de agosto, na Rua Desembargador Izidro:

A directoria, attendendo a ansiedade com que é esperado o desfecho da partida, mandou construir archibancadas provisórias que possam accommodar confortavelmente a grande assistência que, por certo, acorrerá taxando as entradas ao preço único de 3$000, não havendo entradas de geral.
O Imparcial – 31/08/1924


O Vasco venceria o jogo por 3 x 0, tendo sido registrado pelo jornal “O Imparcial”, na edição seguinte ao espetáculo: “Grande foi a concorrencia que affluiu hontem ao campo da Rua Desembragador Izidro”.

Saliente-se que o Mangueira terminaria como penúltimo colocado do grupo (entre oito participantes) e até aquela rodada havia somado 8 pontos, contra 18 do Vasco (a vitória na época valia a soma de 2 pontos ganhos na tabela). Só se classificaria para o triangular final o vencedor de cada grupo, tornando evidente ser apenas a presença do Vasco o atrativo para a grande expectativa de público naquele encontro.

E o outro lado da moeda? Como ia o Campeonato da AMEA, sem o Vasco, contando com os “grandes” Flamengo, Fluminense, Botafogo e América?

O prejuízo era sensível a todos eles.

O Fluminense, campeão pela AMEA em 1924 (sem nenhum negro no time), teve que experimentar uma queda de 10% (8:042$500) em sua arrecadação, embora no ano anterior tenha chegado apenas na quarta posição, no certame vencido pelo Vasco.

Mesmo com o advento da radio-telephonia em jogos da AMEA, o público nas partidas da nova Liga decepcionaram. O Vasco afinal não estava lá.

A reaproximação com o Vasco mostrou-se uma necessidade dos outros clubes, que aceitaram o grêmio da Cruz de Malta, sem qualquer imposição para o campeonato do ano seguinte. Assim, a diferença de arrecadação se mostrou nítida no resultado de América, Botafogo, Flamengo e Fluminense, quando o mando de campo era deles. Veja abaixo:

América:
Renda total em 1924: 23:595$500
Renda Total em 1925: 54:205$000
Jogo contra o Vasco:11:745$000
Diferença: 30:609$500

Botafogo:
Renda total em 1924: 32:487$900
Renda Total em 1925: 42:321$900
Jogo contra o Vasco:18:445$000
Diferença: 9:834$000

Flamengo:
Renda total em 1924: 58:609$000
Renda Total em 1925: 99:745$000
Jogo contra o Vasco:37:664$000
Diferença: 41:136$000

Fluminense:
Renda total em 1924:65:937$500
Renda Total em 1925:96:302$000
Jogo contra o Vasco:34:670$800
Diferença: 30:364$500

Ressalte-se ter sido o Campeonato em 1925 disputado não por 8, mas sim por 10 clubes, fator responsável por um aumento já natural na arrecadação, deixando ainda mais óbvio que a presença do Vasco foi o diferencial para os lucros obtidos por todos os seus adversários.

Vale destacar também que o jogo com maior público do Campeonato da AMEA em 1924 registrou 13.576 pagantes nas Laranjeiras, enquanto a maior renda foi obtida no outro Fla-Flu do campeonato, realizado no campo do Flamengo, quando o público somou 11.485 pagantes e a renda 26:428$000.

Em 1925, o jogo de maior renda e público foi Vasco x Flamengo que levou ao estádio 24.289 pagantes, ou seja quase o somatório do público registrado nos dois clássicos Fla-Flu do ano anterior. A renda da partida chegou a 44:375$000.

O clube campeão de arrecadação com a venda de ingressos em 1925 foi o Vasco (140:932$000), 113% a mais, comparado ao Fluminense, primeiro no quesito em 1924. Lembre-se que o Vasco terminou o Campeonato Carioca de 1925 na terceira posição, enquanto o Fluminense em 1924 foi o vencedor do certame.

Se em 1924 os jogos do Fluminense fora de casa, somados, tiveram a presença de 33.226 pagantes – o Flu foi o campeão também neste quesito – em 1925 os jogos do Vasco fora de casa somaram 80.458 pagantes, quase 150% a mais que o adversário no ano anterior.

Já o Botafogo, para o seu jogo contra o Vasco, com mando de campo, em 1925, mandou construir arquibancadas provisórias para “melhor acomodar a grande assistência” que era esperada. O clube até abriu a exceção de alugar as cadeiras, privativas dos sócios, para torcedores daquele confronto, segundo informou o jornal “O Paiz” a 07 de maio.

A AMEA, em seu primeiro ano de existência (1924), somou entre os torcedores pagantes em toda a competição, o número de 170.677. Já em 1925, com a presença do Vasco, o número subiu para 394.120 torcedores pagantes, comprovando a importância para os adversários de ter a presença do Vasco na liga.

Diante do aqui exposto é importante aos vascaínos terem, com a ciência dos fatos, a consciência de que a Resposta História datada de 07 de abril de 1924 foi emblemática e inesquecível para o futebol brasileiro como um todo, mas que a resposta dada pelo torcedor vascaíno durante toda a temporada, abarrotando os acanhados estádios nos quais atuava e vencendo todos os adversários, sem um empate sequer (primeiro dos cinco campeonatos cariocas invictos conquistados pelo clube) foi a motivação para que preconceituosos e racistas engolissem negros e analfabetos em seus certames, a partir da aceitação do Vasco, como ele era e sem qualquer objeção.

A chamada “aceitação”, portanto, foi na marra!

Casaca!

Fontes da Pesquisa:
Jornal do Brasil
Jornal O Imparcial
Jornal O Paiz
Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação em História Econômica do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, escrita por João Manuel Malaia

Fonte: Casaca