Vasco prepara relançamento de programa de sócios com mesma empresa que dispensou há 4 anos e que terá que indenizar em R$ 1,3 milhão

Terça-feira, 30/04/2013 - 14:33

Depois de alguns adiamentos - a última data prevista era fim de março, agora é aguardado para a próxima semana -, o programa de sócios do Vasco chega finalmente à reta final para relançamento. O novo plano será administrado pelo próprio clube, com um sistema desenvolvido pela Microtag, empresa que pertence ao grupo SVI e Effect, que ganhou recentemente na Justiça uma indenização milionária dos vascaínos. O processo corria desde o fim de 2009 - quando as duas partes assinaram um contrato para a gestão do programa de sócios, que não foi colocado em prática porque o Vasco preferiu acertar com outra companhia, a Torcedor Afinidade - e foi definitivamente extinto em 12 de dezembro do ano passado. Conforme o acordo judicial, a credora e atual parceira vai receber R$ 1,324 milhão - sendo R$ 974 mil a serem divididos entre SVI e Effect, mais R$ 350 mil para a Microtag, que vai repassar ao escritório de advocacia Osório, Fernandes, Mariz e Assed, que representou o grupo no processo contra o Vasco.

A multa que irá para os cofres da SVI e Effect já começou a ser descontada na arrecadação do plano de sócios ainda em vigor no clube. Para colocar em vigor o acordo judicial, o Vasco também acertou pagamento de R$ 600 mil à Jeff Sports - ex-Torcedor Afinidade -, empresa que administrava o programa "O Vasco é meu" e tinha contrato com os vascaínos até maio deste ano. Procurado pela reportagem, o proprietário da Jeff Sports, Jefferson Mello, não quis conceder entrevista.

O GLOBOESPORTE.COM teve acesso ao processo que correu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A SVI e Effect, que realizou o programa de sócios do Internacional - considerado modelo de sucesso no Brasil -, voltou a trabalhar com o Vasco em novo contrato assinado em 22 de novembro de 2012, desta vez como terceirizada para desenvolver a publicidade, o atendimento e o sistema de informática do novo programa vascaíno, que ainda depende de aprovação do Conselho Deliberativo, entre outros ajustes, mas deve ter um hot site lançado na próxima semana, se não houver novos adiamentos.

Eduardo Machado, ex-vice-presidente de marketing cruz-maltino e um dos que participaram das negociações para o acordo entre Vasco e SVI e Effect, diz que houve “redução brutal” do valor que o clube deveria pagar. Segundo estimativas, entre perdas, danos e multas, até R$ 4 milhões poderiam sair dos cofres vascaínos para ressarcir a SVI.

- O novo contrato só foi feito com eles (SVI e Effect), porque eles ganharam tecnicamente entre as seis empresas que avaliamos. Conseguimos ainda tirar o valor (da multa) de um percentual da receita de arrecadação do programa, porque assim oneraria menos o Vasco - disse o ex-vice de marketing do clube.

A versão de Eduardo Machado é sustentada pelos atuais dirigentes do clube. Eles argumentam que a assinatura do novo contrato com a SVI e Effect não guarda qualquer relação com a multa acordada em juízo. Segundo os documentos do processo, que está na 12ª Vara Cível do TJ, a extinção da ação de cobrança de multa pela rescisão contratual de 2009 - com o consequente pagamento de R$ 1,324 milhão do Vasco às empresas credoras - foi assinada no mesmo dia 22 de novembro do novo contrato entre o clube e as empresas do programa de sócios.

“Fica estabelecido, portanto, que, após o recebimento de R$ 1.324.000,00 (um milhão e trezentos e vinte e quatro mil reais) pelas empresas autoras... fica totalmente adimplido o presente acordo judicial, o que não significa cumprimento do contrato”, ressaltava um trecho do contrato de 22 de novembro. Em outra parte, mais adiante, dizia-se que “a penalidade prevista neste instrumento de transação não se confunde com aquelas previstas no Contrato de Gestão do Programa de Sócio (CONTRATO), podendo ser cobrada indistinta e separadamente, sem qualquer prejuízo da propositura da ação para cobrança das multas e perdas e danos pela rescisão do contrato em si”.

Procurado para falar sobre a situação, Vinicius Izzo, da Microtag - filho de Sergio, sócio da SVI e da Effect -, disse que o acordo com o Vasco “foi muito tranquilo”. O advogado da ação das empresas, Alexandre Assed, afirmou que não podia comentar o caso por cláusula de confidencialidade com o cliente.

Segundo o contrato assinado entre as partes, a cada mensalidade paga pelo associado do programa atual, há um desconto de R$ 4,87 para a empresa. Esse valor será descontado até o limite de 200 mil mensalidades, chegando a R$ 947 mil, valor total de multa para a SVI e a Effect. Já o escritório de advocacia vai receber em oito parcelas de R$ 43.750,00 nos oito primeiros meses do faturamento do novo plano. Caso não complete os R$ 350 mil devidos no prazo de oito meses estipulado, o clube deve completar o valor pago aos advogados.

Reajuste no valor dos planos

Além da lentidão de processos burocráticos internos do Vasco - a proposta do novo programa ainda deve ser aprovado pelos diretores e pelo Conselho Deliberativo -, o clube estuda o adiamento do lançamento por causa do mau momento do time de futebol profissional. Outra questão envolve as penhoras constantes das receitas do Vasco por diversos processos, como o mais recente da Fazenda Nacional. Porém, é considerado certo que pelo menos três categorias devem sofrer reajuste de preços.

No plano ainda em vigor, o valor mais barato é de R$ 20. Esta opção mais popular deve permanecer, mas há uma proposta de reajuste para outras categorias. Hoje, para sócio geral, o torcedor paga R$ 35, e, para sócio proprietário, R$ 45, valores bem abaixo dos praticados na maioria dos clubes grandes - um exemplo recente é o novo plano do Flamengo, que cobra R$ 39,90 na categoria mais barata. A proposta do departamento de marketing é criar uma categoria a mais, com um valor bem acima: R$ 130.

O diretor de marketing do Vasco, Henry Canfield, que ocupa o cargo desde novembro, lembra que valores muito baixos podem prejudicar o clube, principalmente em razão da renda dos jogos em São Januário.

- Hoje, o torcedor paga R$ 20 por mês e ganha desconto de 50% no ingresso. Se ele compra dois ingressos, o clube é lesado, de certa forma. Na minha opinião, isso é inviável, mas tudo isso deve passar pela diretoria e pela votação do Conselho - diz Canfield, acrescentando que o preço para sócios não sofre qualquer mudança há quatro anos.

A intenção do departamento de marketing, que não tem um vice-presidente há mais de dois meses, era colocar o site no ar na semana retrasada. Mas ainda não foi possível. Canfield afirma que trabalhou durante todo esse período em cima de uma base de dados “muito danificada”, um dos motivos da demora do lançamento do plano.

- Até agora, o que mais fizemos foi essa migração de dados. Pegamos uma base podre, com falta de informações absurdas, gente que não sabíamos sequer como fazer a cobrança da mensalidade, mas ainda assim não deixamos de cadastrar novos sócios. Não vamos lançar nada sem estar 100% pronto e aprovado - diz o diretor de marketing do clube.

Sem garoto-propaganda

Além da proposta de reajuste, o novo programa de sócios terá um novo nome. A ideia é aposentar “O Vasco é meu”, que fez campanha para chegar a 100 mil sócios e chegou a ter 60 mil cadastrados, mas pouco mais de 20 mil adimplentes no auge do programa, em 2009. Hoje, o clube conta com cerca de 14 mil sócios, porém apenas 7 mil contribuem, uma vez que a outra metade é composta por remidos e outros títulos que são isentos de pagamento.

Outro problema enfrentado pelo marketing vascaíno diz respeito ao garoto-propaganda do programa. No início deste ano, o zagueiro Dedé participou da campanha da Ambev batizada "Movimento por um Futebol Melhor", no entanto ele foi vendido ao Cruzeiro na última semana.

- A Ambev nos pediu para usar o Dedé, mas, para o nosso programa, não temos um novo nome definido, nem sabemos se vai ter um jogador representando, um escolhido - garante Canfield.

Segundo orçamento de 2013, o Vasco planejava arrecadar este ano perto de R$ 6 milhões com o novo programa de sócios. Hoje, a arrecadação é de aproximadamente R$ 200 mil mensais. A estimativa prevista no orçamento era do ex-vice de marketing Eduardo Machado, que esperava crescimento constante na arrecadação, até chegar a R$ 1 milhão somente no mês de dezembro.

Antigos problemas, nova alternativa, outra dívida

Durante todo o contrato com o antigo plano "O Vasco é meu", o programa sofreu críticas do Conselho Fiscal, que pediu em relatório o cancelamento do contrato e a devolução do dinheiro que, no entendimento do órgão, o clube deixou de ganhar. Segundo a auditoria realizada pelo Conselho Fiscal, a receita do Vasco era descontada em mais de 40% - cerca de 20% referentes a impostos que a Jeff Sports pagava - o clube, como sociedade sem fins lucrativos, é isento dessa obrigação -, além de honorários pela prestação de serviços e até confecção de carteiras de sócios. No primeiro ano de programa, por exemplo, o clube recebeu R$ 2,6 milhões, embora a arrecadação total do "Vasco é meu" tenha passado de R$ 4,4 milhões.

A antiga empresa do "Vasco é meu" - a Torcedor Afinidade - era uma sociedade entre Jeferson Melo e Bruno Paes, primo do prefeito Eduardo Paes. Os percentuais de cobrança em cima da receita líquida arrecadada variavam entre 15% e 25%, bem superiores ao do primeiro contrato entre Vasco e SVI, assinado em 2009 pelo ex-vice-presidente de marketing José Henrique Coelho. Na ocasião, os descontos seriam retirados em percentuais de 3% a 5% do arrecadado. Na ação na Justiça, a SVI contestava a decisão vascaína de optar pela Torcedor Afinidade.

"Toda essa manobra foi politicamente orquestrada dentro do Vasco a fim de beneficiar uma outra empresa, que havia sido anteriormente desqualificada do processo de seleção para esse projeto, mas que em poucas horas foi contratada para substituir o projeto", dizia a ação da SVI, que falava ainda em "desfaçatez extrema" do clube na justificativa da época. O Vasco alegou que o programa estava demorando para ficar pronto e que havia sido abandonado pelas autoras.

"O Vasco, no final das contas, atropelou o contrato que tinha assinado com as apeladas e contratou a empresa Torcedor Afinidade, que não tinha metade do know-how daquelas, não forneceu metade dos benefícios e que cobrou, pasmem, 1.000% mais por um serviço infinitamente pior", avaliava outro trecho da ação.

O GLOBOESPORTE.COM procurou os advogados do Vasco para falar sobre o caso. Mas, até o fechamento da matéria, nesta terça-feira, não obteve retorno para comentar o assunto.

Agora, além dos valores de indenização da multa do contrato anterior, o novo plano vai descontar entre 7% e 14% da receita mensal bruta da arrecadação.

Nos últimos dias, uma iniciativa de torcedores vascaínos ganhou corpo nas redes sociais. Com menção à campanha dos dez mil, para erguimento de São Januário, a "Campanha dos 100 mil" (http://www.campanhadoscemmil.com.br/) já recebeu a adesão de 13 mil vascaínos cadastrados. A ideia é que, caso o projeto seja aprovado, a renda mínima de R$ 20 mensais de cada torcedor ajude o clube a pagar dívidas. O diretor geral Cristiano Koehler recebeu os idealizadores do projeto na última quarta-feira. O Vasco ainda estuda se vai absorver o projeto ao plano de sócios.

Trechos do novo contrato entre Vasco e SVI e Effect indicam os valores que o Vasco vai pagar, a partir do arrecadado no novo programa de sócios: ação estava na Justiça desde início de 2010


No mesmo dia 22 de novembro, as partes firmaram "composição amigável" e assinaram novo documento, com quatro empresas envolvidas - entre elas, o escritório de advocacia das autoras


Fonte: GloboEsporte.com