Em entrevista, Ricardo Gomes diz que volta em abril e agradece à torcida pela força

Sexta-feira, 10/02/2012 - 23:13

Um autógrafo, antes tão corriqueiro, já não vai para o papel com o esmero de antes. Por mais que Ricardo Gomes capriche na caligrafia, é um garrancho que sai de sua caneta. O técnico do Vasco ainda não recuperou a sensibilidade do lado direito do corpo, mas já começa a escrever as primeiras palavras desde o AVC de agosto. Em breve, planeja estar assinando de próprio punho um novo contrato com o Vasco. Sua meta está anotada na cabeça: é voltar a trabalhar como treinador ainda neste semestre.

O AVC roubou-lhe a sensibilidade e a boa dicção. A ética, porém, segue com a firmeza que Ricardo ainda busca para seus movimentos finos. Como não se sentia seguro em relação ao prazo para a volta ao trabalho, o treinador recusou a renovação de contrato que o Vasco lhe oferecera antes da temporada. Preocupado com a repercussão da notícia sobre o fim de seu vínculo com o Vasco, divulgada pelo site do Extra, Ricardo resolveu quebrar o silêncio para esclarecer a situação, num telefonema de 20 minutos:

— O Vasco é "ad aeternum"— disse ao Jogo Extra, recorrendo ao latim para autenticar a definitiva declaração de amor à torcida.

"Para todo o sempre" não é muito tempo na vida de quem esteve na sombra da morte e, batalha vencida, vem dedicando mais de 12 horas por dia à recuperação da saúde e de hábitos adquiridos desde a infância. Ricardo já consegue dirigir seu carro e voltou a andar sem apoio. Já reaprendeu a falar, embora embaralhe uma ou outra sílaba. Vai tentando melhorar a escrita, prejudicada pela falta de sensibilidade do lado direito, que pouca falta lhe faria para o chute, já que seu forte era a canhota nos tempos de zagueiro.

— Mas, para escrever, sempre fui destro. Por isso, ainda está difícil escrever — ressaltou, com a paciência de quem vai reconquistando todas as perdas, uma por uma, esquecidas pelo caminho de seu insensato destino.

Se a caligrafia ainda não é legível, seus pensamentos são. Os fonemas, cada vez mais claros e organizados em exaustivas sessões de fonoaudiologia, seguem transcritos nessa entrevista fiel ao estilo simples, profissional e objetivo de um guerreiro, Ricardo Gomes.

Depois de tanta comoção em 2011, você considera normal estar sem contrato?

Estou sem contrato, mas o Vasco foi correto comigo. Quando eu estiver bom, vou renovar. Estou com o Vasco. Para mim, é como se eu já estivesse com o contrato renovado, mas licenciado.

O que está faltando?

Falta eu me recuperar totalmente. Na última vez em que você me entrevistou, há uns quatro meses, falei que talvez voltasse em fevereiro. Isso não vai acontecer. Não vai dar. Ainda estou com alguma dificuldade na fala, que está sendo corrigida na fonoaudiologia. É o que está atrapalhando. Só isso.

Se sua volta é garantida, por que não renovou?

Não quero que o Vasco me pague salário de janeiro, fevereiro, março e abril sem que eu esteja trabalhando. Se bem que em abril eu devo voltar. Ah, eu acho que posso dizer que isso é quase certo. Volto em abril. Mas pode ser também que demore dez meses. Mas, não é que eu esteja sem fazer nada. Estou conversando o tempo todo com o Daniel (Freitas, diretor executivo) e o Cristóvão (técnico). Trocamos ideias. Estou de alguma forma trabalhando para o Vasco, mas sem receber.

Considera-se um exemplo raro de ética no futebol?

Não, não é que eu seja ético, não. Isso não é legal. O Vasco cumpriu tudo comigo. Foi muito correto. Por que eu não agiria da mesma forma?

Existe alguma possibilidade de assinar com outro clube que não seja o Vasco?

Não. A chance é zero. Pode botar aí que isso é zero. Não há nenhuma possibilidade. Só não renovo se o Vasco não me quiser mais. Mas, se o Vasco não me quiser, mesmo assim eu vou torcer para o Vasco.

A torcida chamou Cristóvão de "burro", na derrota para o Nacional. O que achou?

Isso faz parte. Também já me xingaram. Nosso time estava desfalcado e enfrentou um bom adversário. Mas vejo alguns problemas na defesa deles...

Qual é a maior dificuldade nessa fase de recuperação?

Estou muito bem. A única coisa que está faltando é melhorar a fala. A fonoaudiologia está resolvendo isso.

Mas, você está se expressando bem melhor do que na nossa última entrevista, em outubro. Seria impossível, hoje, passar do banco de reservas instruções para o time?

Exatamente. Se tiver que falar, eu me complico. Estou falando com você, mas não estou seguro para entrevista. Não estou pronto ainda.

Já consegue dar longas caminhadas sem muletas?

Estou conseguindo, sim. Ainda estou mancando um pouco, mas já ando sem apoio. Não dá para andar tanto todos os dias. Mas duas vezes por semana eu caminho um quilômetro. E cada vez mais vou aumentar a distância.

Caminha sozinho na rua?

Vou com minha fisioterapeuta. E não é só isso. Tenho ido também a um centro de reabilitação. Passo o dia inteiro fora de casa. E tenho um fisioterapeuta que é vascaíno doente, o Vicente (risos). Tinha que ser vascaíno, né? Só estou com profissionais de alto nível. Estou me dedicando 24 horas por dia à minha recuperação. Saio de casa às 8h e chego às 20h30.

Você estava visitando os jogadores na concentração, mas o time não vem se concentrando. Está com saudade?

Estou. Preciso voltar a frequentar os jogos. Talvez, eu vá ao próximo jogo do Vasco da Libertadores, em São Januário (dia 6 de março, contra o Alianza Lima).

O que acha de o time não se concentrar sempre?

Isso não está causando grandes problemas, mas a concentração é importante para o repouso dos jogadores. E para que eles tenham boa alimentação. Essa rotina tem que ser mantida. Não sou contra o fim da concentração, mas não acho que seja ainda o momento de acabar. Tomara que venha a ser a realidade do futebol um dia, mas ainda não é hora.

Mas, o salário atrasa...

É... A situação é delicada. Eles têm o direito. Os jogadores estão sendo profissionais. Com certeza, sinto muito orgulho desse grupo.

Você vai renovar até o fim do ano?

O Vasco é que manda.

Como você define a importância do Vasco na sua vida?

Tive uma ligação muito forte com os jogadores e a torcida. Ganhamos a Copa do Brasil e houve o meu problema de saúde. Isso tudo é marcante. Só tenho a agradecer a força que recebi dos torcedores. O Vasco não vai se apagar nunca dentro de mim. O Vasco é "ad aeternum".

Você já recuperou a sensibilidade?

Não, não recuperei a sensibilidade do lado direito.

Mas, você é canhoto, não? Consegue escrever?

Mas, para escrever, sempre fui destro. Por isso, está difícil. Já comecei a escrever, mas só saem garranchos (risos).

Recuperou o peso?

Estou gordo de novo (risos). Estou pesando entre 103 e 104 quilos.

Ricardo Gomes se exercita em uma academia na Barra da Tijuca


Fonte: Extra online