Um ano depois de eleito, Salgado mantém base aliada, mas vê oposição cada vez mais atuante
Domingo, 14/11/2021 - 09:54
A conturbada eleição do Vasco que elegeu Jorge Salgado completou um ano neste domingo. Depois de longas batalhas judiciais, a validação em caráter definitivo da mesma deu-se somente em 17 de dezembro de 2020, com a confirmação de Salgado como 45º presidente da história vascaína - venceu o inédito pleito virtual de 14 de novembro.

Desde então, o cenário político do clube foi de majoritária tranquilidade, o que não impediu mudanças. Se manteve a base aliada, Salgado viu a oposição aumentar e passou a enfrentar pedidos de renúncia, um ainda incipiente movimento que pede a sua destituição e uma tentativa de ser convocado para dar explicações no Conselho Deliberativo. Fruto, especialmente, do fracasso retumbante do departamento de futebol, afinal, o ano de 2022 será de mais uma Série B.

Futebol sem vice há nove meses e agora sem Pássaro e Diniz

Depois da permanência na Série B ser matematicamente confirmada, Salgado, enfim, anunciou as primeiras mudanças. Se manteve o comportamento de evitar entrevistas com jornalistas, o dirigente confirmou, por meio de nota oficial, o que era esperado: as saídas do diretor executivo de futebol Alexandre Pássaro e do treinador Fernando Diniz.

A dupla entregou os respectivos cargos após a goleada para o Botafogo, mas, com a forte pressão sobre Jorge Salgado por demissões pós-derrota por 3 a 0 para o Vitória, as partes entenderam que seria melhor encerrar a relação antes do fim da Série B e o fizeram em comum acordo na última quinta-feira.

Depois, em um pronunciamento em vídeo, em fala que durou 2min25s, o presidente prometeu uma profunda reformulação sem apresentar nenhuma detalhe do que faria e como faria.

Não há prazo para definir a nova estrutura do departamento, mas há uma tendência para o modelo apresentado ainda na campanha seja implementado - Salgado, por sinal, acumula promessas não cumpridas no futebol, como constante troca de técnicos (quatro treinaram o clube desde janeiro) e estrutura enxuta. Neste caso, um vice seria nomeado e um coordenador técnico seria contratado além do substituto de Pássaro.

A vice-presidência de futebol está vaga desde fevereiro, quando José Luis Moreira foi desligado da função. A verdade é que Moreira começou a ser esvaziado tão logo a transição de poder entre Alexandre Campello e Jorge Salgado começou a ser feita. Ele, porém, permaneceu no cargo até o rebaixamento ser consumado, em fevereiro.

Após a saída do antigo dirigente, nomes para a pasta foram cogitados, e o do 1º Vice Geral do Vasco, Carlos Roberto Osório, foi um dos mais falados externamente. Este, porém, negou sempre que fora perguntado a respeito da possibilidade.

Apenas com Pássaro e Salgado comandando o futebol, o Vasco foi quinto colocado no Carioca, caiu nas oitavas da Copa do Brasil e, em 35 rodadas da Série B, sequer ingressou no G-4. Nunca esteve na briga pelo acesso e atualmente ocupa a nona posição, com 47 pontos, 11 pontos distante do Goiás, o atual quarto colocado.

Sempre Vasco rompe de vez após coletiva de Salgado

Embora não tenham feito qualquer tipo de composição durante a corrida presidencial, a Mais Vasco de Jorge Salgado e a Sempre Vasco, grupo político liderado por Julio Brant, sempre falaram a mesma língua. A Sempre Vasco, dona de 30 cadeiras no Conselho Deliberativo, comprometeu-se após a derrota nas urnas eletrônicas a fazer uma oposição propositiva.

Alinhados no propósito de impedir a reeleição de Alexandre Campello ou a vitória de Luiz Roberto Leven Siano, visto por eles como principal representante do euriquismo, Salgado e Brant posaram para fotos durante o período eleitoral e ouviram de seus apoiadores que uma união entre as chapas seria o melhor caminho. Isto não ocorreu à exceção de uma composição para a eleição da Mesa Diretora do Conselho Deliberativo, que colocou o conselheiro Renato Brito, figura importante da Sempre Vasco, como vice-presidente de Carlos Fonseca, da Mais Vasco.

A boa relação, no entanto, não existe mais, e a Sempre Vasco assumiu de vez o papel de oposição, a ponto de pedir a renúncia de Salgado. A relação começou a estremecer logo no início da atual gestão, quando Julio Brant ofereceu ajuda a Salgado no futebol e não teve resposta. Pares do candidato da Sempre Vasco alegam que chegaram a levar patrocinadores para o clube, mas também foram ignorados.

O primeiro ato de rompimento ocorreu em agosto, quando Julio Brant, acompanhado de Renato Brito, protocolou uma carta na secretaria de São Januário questionando o início ruim na Série B e as promessas não cumpridas de Salgado, em especial o aporte de R$ 70 milhões de um fundo de investimentos. Em parte do texto, o grupo afirmou que era "inadmissível mentir". Não houve resposta.

A Sempre Vasco voltou a protocolar carta no clube em setembro, quando viu conflito de interesses na contratação do laboratório Villela Pedras como único credenciado para testes de Covid-19 antes do jogo contra o Cruzeiro. A empresa tem no seu corpo clínico o radiologista Rafael Cobo, vice-presidente médico. A Sempre Vasco pediu o afastamento do dirigente, mas o caso não foi adiante.

No último dia 5, o caldo entornou de vez. Na noite posterior à derrota por 1 a 0 sobre o Guarani, a Sempre Vasco emitiu longa nota acusando Jorge Salgado e Alexandre Pássaro de serem "responsáveis por imensos prejuízos" ao clube. O texto ainda tratou a renúncia de Salgado como medida "obrigatória".

Em relação ao movimento de outros grupos políticos que convocou sócios estatutários a firmarem um abaixo-assinado pela destituição de Salgado e de toda a Diretoria Administrativa do Vasco, a Sempre Vasco observa. Se o movimento for adiante e contar com grande adesão, a tendência é que o grupo seja favorável à realização da Assembleia Geral.

Confira o que disse o grupo abaixo:

"Jorge Salgado comanda e Alexandre Pássaro é o coadjuvante do que está para se tornar o maior desastre da história do Vasco: disputar mais uma Série B, em sequência. Uma humilhação para nós, torcedores vascaínos, que tanto torcemos e apoiamos o time.

A entrevista do Presidente Salgado (dia 03/11) mostrou a tônica desta gestão: apatia e atitude perdedora admitindo a derrota sem lutar até a última chance.

O vascaíno foi vítima de um estelionato eleitoral em que as promessas não foram cumpridas por falta de projeto e liderança.

Além dos vários alertas, toda ajuda oferecida por conselheiros e sócios foi desprezada, demonstração clara de que a preocupação com espaço político, a arrogância e a teimosia são mais valiosas do que o Vasco.

Jorge Salgado e Alexandre Pássaro são responsáveis por imensos prejuízos ao clube que vão desde de imagem até financeiros. Todos graves.

Sempre defendemos: quem causa prejuízo ao Vasco deve ser responsabilizado. A renúncia de Jorge Salgado é obrigatória, assim como a imediata demissão de Alexandre Pássaro.

O Vasco é um gigante de Série A pela sua torcida e pela sua história. Jorge Salgado é presidente de Série B".


Representantes dos dois lados, porém, esperam que tal ruptura não prejudique na reestruturação do Estatuto do Vasco, que vem sendo liderado por Renato Brito, vice-presidente do Conselho Deliberativo.

Mais Vasco não sofre rupturas apesar dos resultados

Embora o Vasco tenha acumulado vexames no futebol, sobretudo com a péssima campanha na Série B e a eliminação precoce no Carioca, Jorge Salgado não perdeu apoio de sua base aliada. A coalizão que formou a chapa Mais Vasco, composta pelos grupos políticos Ao Vasco Tudo, Confraria Vascaína, Desenvolve Vasco, PetroVasco, Resgata Vasco e Vasco do Povo, segue ao lado do presidente.

Dos seis grupos, cinco têm quadros importantes na Diretoria Administrativa. Do Ao Vasco Tudo, Danillo Bento e Otto Carvalho ocupam a vice-presidência de Comunicação e a presidência da Assembleia Geral, respectivamente.

Os VPs Maurício Corrêa (Relações Públicas) e Vitor Roma (Marketing) representam a Confraria Vascaína. Adriano Mendes (Finanças e Estratégia), da Desenvolve Vasco, é um dos pilares da Diretoria Administrativa. Embora avesso a posicionamentos e aparições, sempre é escalado para entrevistas coletivas. Bruno Iglesias, vice-presidente da Assembleia Geral, e Horácio Rodrigues Jr, VP de Responsabilidade Social e História, representam PetroVasco e Vasco do Povo, respectivamente.

Embora alguns conselheiros externem insatisfação pelos resultados esportivos bem distantes do que se projetava, não houve qualquer dissidência por parte dos seis grupos citados. É provável que alguns deles assinem o pedido de convocação de Salgado ao Conselho Deliberativo - a Sempre Vasco deseja que ele dê explicações sobre o futebol.

E a reforma do estatuto?

Na campanha, Salgado prometeu apoiar a reforma do estatuto do Vasco. Atribuição do Conselho Deliberativo, o trabalho começou em março, quando Carlos Fonseca, presidente do órgão, nomeou uma comissão para debater as mudanças. Ela é presidida por Renato Brito e tem representantes da Sempre Vasco e da Mais Vasco, os dois grupos com representação política no Conselho - Leven se retirou da eleição do dia 14 de novembro e, por isso, não elegeu nenhum representante do Somanos.

Há também a participação de beneméritos, como Luís Manuel Fernandes, que apoiou Leven na eleição, e da direção do clube, com Zeca Bulhões (vice jurídico) e Roberto Duque Estrada (segundo vice-presidente), e de Fernando Monfardini, como consultor externo. O debate está na reta final e, antes de ser remetido para apreciação do Conselho, passará por duas audiências públicas com sócios estatutários.

De acordo com Renato Brito, divergências políticas, afloradas pelo resultado do futebol, não dificultaram o trabalho da comissão. Ela se reúne semanalmente para tratar do tema.

A reforma proposta tem três pilares:

• organizar o processo eleitoral: definir claramente as datas da eleição e estabelecer uma junta eleitoral permanente, que irá acompanhar mensalmente a lista de sócios aptos a voto.

• democratizar o clube: como a eleição direta já existe, a ideia é dar direto a voto ao sócio torcedor (a depender da categoria), que poderia fazê-lo com três anos de associação. Não há mudança prevista nos critérios para sócios se candidatarem.

• melhorar governança e gestão: as regras de transparências previstas na legislação seriam incorporadas inclusive com responsabilização por má gestão de dirigente (patrimônio pessoal e inelegibilidade). Além disso, a ideia é aumentar o número de integrantes do Conselho Fiscal, que passaria a ser penalizado em caso de omissão. A reforma prevê a criação de comitês permanentes, como financeiro e jurídico, que acompanhariam temas sensíveis à administração, com possibilidade de analisar documentos e emitir parecer. A grande mudança seria na composição da Diretoria Administrativa. Passaria a existir o Conselho de Administração, o qual seria comandando pelo presidente do clube, e menos vice-presidências. Atualmente, são 14. Elas seriam reduzidas para oito (futebol e remo continuam). A direção teria de apresentar um plano de gestão ao Conselho Deliberativo.

Em 2020, a reforma do estatuto conduzida na administração de Roberto Monteiro teve muita polêmica no Conselho Deliberativo e foi suspensa em liminar judicial. Itens como punição por fraude eleitoral e proibição que conselheiro preste serviço, forneça produto ou seja contratado pela direção serão mantidos.

Em campanha para 2023, Leven Siano vira oposição mais ativa

Se Julio Brant foi o opositor mais atuante durante o último mandato de Eurico Miranda e o primeiro de Alexandre Campello, Luiz Roberto Leven Siano é de longe o mais ativo na atualidade. Com postagens quase que diárias nas redes sociais, o advogado não esconde estar em campanha visando o pleito de 2023. Na semana passada, foi filmado nos arredores de São Januário orientando torcedores a xingarem Jorge Salgado, a TV Globo e o Flamengo.

Leven entende que a atual direção é "ilegítima" e fruto de um "golpe". O advogado se considera prejudicado pois teve mais votos no pleito de 7 de novembro, que posteriormente foi anulado na Justiça. Sérgio Frias, do Casaca, que também concorreu em São Januário, tem o entendimento de que Leven foi o legítimo presidente eleito do clube.

A maior parte das críticas de Leven é direcionada ao futebol, mas o advogado também aponta o que entende ser problemático em outras áreas do clube. Recentemente, por exemplo, fez críticas ao acordo firmado com a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para redução da dívida tributária - defendeu que um eventual Refis poderia dar desconto maior.

Apoiado no pleito passado pelo Identidade Vasco de Roberto Monteiro e pelo tradicional Fuzarca, de origens euriquista, Leven segue com campanha maciça nas mídias sociais. No último dia 7, quando completou um ano do pleito em que ele foi o mais votado (este, porém, não teve validade aferida pela Justiça), fez longa postagem falando em "golpe".

Confira o que disse Leven Siano:

"Hoje completa 1 ANO DO GOLPE. Há exato 1 ano o irmão VASCAÍNO @tsenna imortalizou toda a sacanagem com essa foto no qual eu descansava de todo o stress no colo da @gabriellamcaldas. Era um dia lindo de sol em um sábado no Rio de Janeiro onde cerca de 3.500 VASCAÍNOS saíram de suas casas para votar. Um dia feliz de democracia, manchado por estratégias que matou o espírito e a esperança da torcida mais apaixonada do mundo. Teria sido o dia mais feliz da minha vida, um dia de reconhecimento para um baita esforço de 2 anos.

De lá para cá, fomos rebaixados, não fomos às semifinais do carioca e não ficamos sequer no G4 na série B. Nossos troféus foram sucateados, nossas sedes abandonadas, nossos esportes ignorados. Vivemos de Planilhas e Slides manipulados que fingem dizer o que não dizem e para muitos canais e a imprensa tradicional tudo está normal. 1 ANO de um golpe que me fez chorar muito sim, que me deprimiu e que me derrubou. Não tenho qualquer vergonha disso porque tudo que fiz, o fiz com paixão, emoção e amor.

Hoje estarei em São Januário torcendo pelo time, mas uma parte de mim não terá como esquecer que faz 1 ANO que uma liminar irregular foi comemorada e um vencedor não foi cumprimentado por seus adversários, que simplesmente fugiram covardemente de uma disputa que perderam do início ao fim do dia. A você que naquele dia mandou o rival para aquele lugar comigo, que me abraçou com carinho e que riu e chorou comigo, muito obrigado. Estou de pé ainda lutando por um VASCO forte, campeão e inspirador que respeite seus poderes e suas próprias regras. #somamos #vaidarvasco".


CORREÇÃO: o grupo político Casaca teve, sim, candidato na eleição do dia 7 de novembro. Foi Sérgio Frias. Diferentemente do informado inicialmente, portanto, o grupo não apoiou Leven no pleito.

Discreto, Campello afasta-se da política vascaína

Protagonista da eleição de 2017, que terminou com sua vitória após ruptura traumática com Julio Brant, Alexandre Campello pouco falou após deixar a presidência do Vasco. Evitou criticar Jorge Salgado e, desde que encerrou seu mandato, só postou imagens nas redes sociais com a família em momentos de lazer ou referentes à ortopedia, função que inclusive exerceu por décadas no Vasco.

Um de seus pares mais atuantes no momento é Carlos Leão, vice de finanças na reta final do mandato de Campello. Leão faz críticas constantes à postura de Jorge Salgado. Recentemente, classificou a atual diretoria como distante do torcedor, fria e desconexa com a realidade do clube.



Fonte: ge