E-Sports: Ex-dirigente faz acusação a players de Free Fire que hoje estão no Vasco; elenco, clube e Black Dragons respondem
Domingo, 07/11/2021 - 23:32
Um ex-dirigente de organização com atuação nas divisões de acesso da Liga Brasileira de Free Fire (LBFF), em entrevista exclusiva ao Blog, revelou um esquema ilegal que pode ter influenciado resultados de pelo menos duas edições da Série de Acesso para a Série A da competição. André Felipe Mota Costa, o AndréTV, ex-CEO da Alt Gamers, confessa que os times que tiveram seu comando utilizaram um esquema ilegal chamado de telamento, quando uma organização consegue um link de transmissão sem delay (atraso), possibilitando que sejam observadas as ações dos adversários antecipadamente e obtendo um favorecimento indevido.

- Assumo que fiz de tudo para subir para Série A, admito. Não via limites para isso. Tive meus dados vazados, inclusive bancários (como represália). Fiquei três anos no cenário. Eu não estou me fazendo de vítima, não vou chorar. Mas passei por situações muito difíceis. E chega até esse momento que decidi contar tudo - justificou AndréTV.

O ex-dirigente confessa que utilizou o esquema nas Séries de Acesso das LBFF 4 e 5, quando dirigia a Alt Gamers. Nas duas ocasiões, mesmo com o esquema ilegal, não conseguiu acesso para a elite. André desconfia até que outras equipes utilizavam o mesmo mecanismo. Inclusive, na LBFF 5, depois do fracasso na edição anterior, além do telamento, a Alt Gamers atuou em conluio com NewXGaming, combinando jogadas para favorecimento mútuo e ambas utilizando o recurso do telamento.

- Estávamos próximos (fisicamente) da NewXGaming. Os dirigentes não tinham conhecimento, mas houve um acordo com a comissão técnica do time. [...] Fizemos um acordo que a preferência de acesso era da Alt Gamers. Chegou o dia de acesso, novamente recebemos o link e colocamos para todos os jogadores assistirem. Inclusive, no dia da Série de Acesso, preparamos uma televisão. Orientava meus jogadores e estava em call com o Krota (técnico da NewXGaming). Mas não tivemos sucesso, acredito que pela falta de prática e pela confusão de gente falando. E, com a tabela que recebíamos antes, a gente planejava até quebra de call de quem poderia ser nosso adversário direto - contou.

Favorecimento era viabilizado por ex-caster da LBFF

AndréTV inclusive detalhou o esquema ilegal da Série B da LBFF. De acordo com o dirigente, o link da transmissão sem o delay, que permite o telamento, era enviado por um ex-caster oficial da LBFF, Marcos "Solotov". André e Solotov vislumbravam ser sócios caso a equipe conseguisse o acesso para a elite da LBFF. O caster repassava o link que era obtido em um grupo de WhatsApp com dezenas de membros da equipe de transmissão.

- Tinha proximidade com o caster da LBFF, o Marcos Paulo, Solotov. Através de um trabalho numa copa que organizei, esse contato ficou mais próximo. Foi quando me mudei para São Paulo e, com as transmissões remotas, nós tivemos conhecimento de um link sem delay, que era disponibilizado em todas as partidas da Série A da LBFF. O próprio Solotov comunicou a gente sobre isso. [...] Havia um vínculo muito forte de amizade. Nunca houve nenhuma venda deste link. Tinha um acordo verbal com Solotov que, caso conseguíssemos o acesso, iríamos melhorar para todo mundo, inclusive para que ele pudesse ganhar mais que na Garena - revelou o ex-dirigente.

Solotov foi afastado das transmissões da LBFF no dia 28 de agosto. Até hoje, a Garena não explicou publicamente o afastamento do caster. A desenvolvedora tomou a atitude após uma reunião justamente com AndréTV, em meados daquele mês. Naquela ocasião, o dirigente se reuniu com Vinícius Lima e Philipe Monteiro, o "PH Suman", dois altos executivos da Garena no Brasil, para denunciar o esquema e explicar a operação.

O ex-dirigente da Alt Gamers resolveu contar o esquema à Garena após se desentender com os jogadores da line-up que disputaram a LBFF 5 na organização. O grupo decidiu se transferir para o Vasco eSports. AndréTV diz que havia valores a receber em possível divisão de premiações com os jogadores que não foram honrados. Com isso, optou por revelar o esquema de forma sigilosa à desenvolvedora.

- Minha vida estava indo para o buraco. Mais dívida, mais estresse. Fiquei sabendo que a Garena estava investigando o telamento. O Kroata (ex-técnico da NewXGaming) me informou que tinha contado tudo. E decidi fazer o mesmo. Só pensava em proteger o Solotov, inclusive criei uma história para tirar a culpa dele. (Durante a reunião) percebi que havia uma tentativa de proteger os jogadores, que estavam agora no Vasco. Foram duas (reuniões), cada uma com quase 58 minutos. Assumi tudo, falei a verdade, exceto o caso do Solotov, que eu queria proteger, até pelo vínculo. E reconheci que merecia o banimento. Pedi somente que gostaria de manter projetos fora da LBFF, mas ainda com Free Fire - detalhou.

Garena não confessou problema

A reunião entre AndréTV e os dois executivos da Garena no Brasil ocorreu em julho com clima de tensão. Foram duas no mesmo dia, com duração de quase duas horas no total. A primeira, destinada às denúncias do ex-dirigente da Alt Gamers. A segunda teve maior participação dos executivos da desenvolvedora, que afirmavam que tinham conhecimento do problema e queriam punir os envolvidos.

Porém, dias após a reunião, Garena e André - junto com Kroata, ex-técnico da NewXGaming - acertaram um acordo para pôr fim na polêmica. Os dois seriam banidos do competitivo da LBFF, mas poderiam continuar seus negócios livremente com eventos de Free Fire. Os jogadores não seriam punidos. Além disso, o motivo do banimento não informaria de forma clara o esquema ilegal de telamento. Os integrantes da reunião resumiram a ação como uma "delação premiada".

- Eles me fizeram propostas que poderiam atender demandas minhas, mas tinham ciência que outras equipes tinham o mesmo recurso. E eu falei minhas suspeitas, falei que não havia sido a primeira vez. Vinícius Lima disse que os jogadores não seriam banidos porque seriam colocados como coagidos. E não houve coação nenhuma na questão do telamento. [...] A Garena também escondeu completamente até hoje o motivo da demissão do Solotov - criticou AndréTV.

Livres de punição, os jogadores da Alt Gamers se transferiram para o Vasco Esports, com o qual conquistaram, dias atrás, o título da Série B da LBFF 6. Não há provas de que o esquema de telamento foi utilizado nesta edição. A pergunta é: poderiam estar jogando?

O Blog entrou em contato com o Vasco eSports que, em nota, disse que, "enquanto jogadores da insituição, os jogadores jamais tiveram conduta ilegal. O clube jamais incentivaria ou permitiria que atletas sob contrato vigente adotassem tais posturas".

O grupo de jogadores, ex-Alt Gamers e agora sob contrato com o Vasco, informou coletivamente que "as denúncias foram feitas à Garena, que analisou toda a situação e tomou as medidas cabíveis, nos absolvendo".

A Black Dragons, que tem parceria com o Vasco eSports, também se manifestou dizendo que "não teve nenhuma participação no ocorrido durante a temporada 5 da LBFF". Em nota, o clube afirma que acolheu os jogadores - alguns menores de idade - após ameaças da Alt Gamers caso eles contassem as irregularidades. O documento reafirma que a Black Dragons recomendou a contratação dos players ao Vasco eSports após a absolvição dos jogadores. E termina dizendo que "não houve qualquer indício" de irregularidades na edição da qual o Vasco foi campeão e que vai procurar a Justiça para as devidas providências.

A aplicabilidade

Antes do início dos jogos das Séries de Acesso das LBFF 4 e 5, Solotov repassava o link de transmissão sem delay para AndréTV. O caster tinha acesso ao link no momento que era postado em um grupo de WhatsApp com dezenas de pessoas.

De posse do link da transmissão sem delay, a diretoria da Alt Gamers disponibilizava um monitor na sala de competição, visível para todos os jogadores. Com isso, time e comissão técnica poderiam traçar estratégias para antecipar os movimentos dos adversários. AndréTV confirma que tudo era feito em conjunto com os jogadores.

- Compramos um data-show e colocávamos num telão esse link sem delay. Não subimos (para Série A) por muito pouco. Havia nossa desconfiança que outras equipes também poderiam obter esse link. Ele era compartilhado num grupo com toda a equipe de transmissão, que também poderiam ter esse link facilitado - não era só eu que poderia conseguir. E fizemos uso deste link, com consentimento de todos do time, de comissão técnica a jogadores.

"Não há segurança", diz dirigente

O Blog ouviu outros dirigentes de organizações envolvidas nas últimas edições da Série B da LBFF. De acordo com a maioria dos relatos, o esquema era conhecido nos bastidores da competição. A suspeita é de que outras equipes também utilizaram o benefício, mas não há provas conclusivas.

- Este é um assunto antigo neste cenário. Qualquer pessoa que conheça minimamente de Free Fire conseguia observar rotações estranhas. É inacreditável que a Garena não tenha tomado uma posição transparente com os clubes - disse o dirigente de uma equipe, em condição de anonimato.

- Não tem juízes nos locais que os times estão. É liberado. Não há segurança nenhuma. Os técnicos inclusive, passam informações uns para os outros, inclusive na Série A - disse outro dirigente, também anônimo e que já teve experiência na elite.

Em decorrência da pandemia, as partidas da Série A da LBFF estão sendo disputadas de forma remota desde o ano passado. Ainda não há anúncio oficial de retorno das atividades para o presencial em todas as fases do torneio.

Liquid teve call quebrada com uso de recurso

André confessa ainda que utilizou o telamento para prejudicar a Team Liquid na Série de Acesso da LBFF 4. Adversária direta na briga pelo acesso, a Alt Gamers utilizou o telamento para antecipar as jogadas da Liquid e "quebrar a call" do adversário, termo utilizado no game quando você decide atuar diretamente pela eliminação de determinada equipe, descendo no mesmo local de queda dela no início de uma partida.

- A gente tinha que eliminar quem era um risco para gente na tabela. Numa determinada ocasião, era a Liquid, que depois acabou sendo rebaixada para a Série B. E foram com outras equipes também. Mas de fato acabaram prejudicadas - disse.

A motivação para a delação

André estava satisfeito com o acordo costurado com a Garena. O ex-dirigente mirava atuar no mercado de organização de torneios, junto com a equipe de Ronaldinho Gaúcho. E foi assim que virou um dos organizadores da Copa R10, realizada em setembro passado.

Longe da LBFF, André vislumbrou um ambiente menos conturbado. E chamou o amigo Solotov para o time de casting da Copa R10. No fim de agosto, na decisão do torneio, o ex-dirigente diz que a Garena ficou furiosa ao assistir Solotov no casting do evento. Ele relata que a desenvolvedora agiu para derrubar os servidores. André diz que a Copa R10 foi prejudicada, tendo diversos atrasos, e que, por isso, acabou sendo demitido.

Incomodado com a "quebra" do acordo, uma vez que entendeu que poderia continuar seus negócios no Free Fire, AndréTV decidiu delatar o esquema ao Blog. Ele reclama da falta de punições aos demais envolvidos.

Garena não nega problema, mas esquiva sobre explicações conclusivas

Procurada diversas vezes para entrevista com os responsáveis pela LBFF, a Garena negou todos os pedidos. Preferiu se manifestar por nota. Após uma sequência de perguntas enviadas, a desenvolvedora não negou a existência do esquema e resumiu sua resposta reafirmando punições a AndréTV e Kroata. Veja, na íntegra, abaixo o comunicado da empresa.

- A Garena não pode fazer comentários sobre o sigilo de contratos, tampouco expor envolvidos em investigações. Em agosto, identificamos irregularidades com alguns profissionais associados à Liga Brasileira de Free Fire (LBFF). As medidas cabíveis foram imediatamente tomadas para lidar com o assunto, uma vez descoberto. Todos os envolvidos foram identificados, desligados ou suspensos de qualquer ligação com a LBFF e responderão pelos seus atos em todas as esferas apropriadas. Não há espaço para más condutas no Free Fire. Nós nos esforçamos constantemente para aperfeiçoar a integridade competitiva de todos os torneios de Free Fire. Continuaremos a aprimorar nossas medidas de segurança e auditoria para garantir que os jogadores possam continuar a desfrutar de uma experiência competitiva de Free Fire justa no Brasil.

O que dizem os demais envolvidos

O ex-caster da LBFF André "Solotov" não quis comentar o assunto. Kroata também preferiu não se manifestar. Igualmente procurada, a NewXGaming não retornou aos pedidos de resposta feitos pelo Blog.



Fonte: Blog do Chandy - ge