Primeira pessoa trans a ter seu nome na carteirinha de sócia comenta ações do Vasco pela causa LGBTQIA+
Segunda-feira, 28/06/2021 - 13:58
Com o Vasco marcando sua trajetória desde os 10 anos de idade, Fabris Martins mal sabia que um dia seria ela a fazer história no clube de coração. Aos 42 anos, ela foi a primeira pessoa trans a ter seu nome social na carteirinha de sócia-torcedora do clube. Mas ela é muito mais que isso. Designer, podcaster, youtuber no canal "Rosalinas", colunista. Fã de cinema, de Fórmula 1 e de literatura. Plural. Fabris é muitas coisas, mas o que ela definitivamente não é, e nem quer ser, é monotemática.

- A gente não se limita à caixinha da nossa identidade de gênero. Pode se definir, mas sem se limitar. Acima de tudo, sou uma pessoa. Alguém que tem sentimentos, medos, que chora, que apenas quer ser respeitada - diz.

Na conversa com a reportagem, Fabris falou desde sua preferência por Piquet (respeita Senna, mas não gosta da ideia de herói "bonzinho") até Jornada nas Estrelas. E, é claro, sobre Vasco. Sem nenhum parente vascaíno, a brasiliense se apaixonou pelo clube no fim dos anos 1980, muito por conta da geração que viria a ser campeã brasileira em 1989.

E o Vasco se tornou praticamente sua religião. Ela já fez uma peregrinação de 16 quilômetros, contando ida e volta, para assistir a um Brasiliense x Vasco no Serejão, em 2009. Mas era pouco para professar sua fé. "Assim como todo muçulmano tem que ir a Meca, toda vascaína e todo vascaíno tem que ir a São Januário", brinca a torcedora. A oportunidade de conhecer sua terra sagrada veio em 2019, mas sem jogos, por conta da Copa América.

- Fui fazer o tour, conhecer o estádio. Não me interessou conhecer o Maracanã, São Januário me completou. Foi uma sensação de encantamento.

Na construção histórica de São Januário, Fabris viveu o êxtase de ver de perto troféus que tanto comemorou: Libertadores, Brasileiros, Copa do Brasil. No entanto, as taças não foram o que mais comoveu a torcedora.

- Me tocou a questão da "Resposta Histórica", quando o Vasco se posicionou contra os outros clubes pra ter negros e operários no time. Talvez o Vasco precise de uma nova resposta histórica para interceder pelas causas LGBTQIA+.

De fato, o Vasco vem demonstrando uma preocupação com as pessoas LGBTQIAPN+*. O nome social, com Fabris como pioneira, foi um passo. E quem sabe a nova resposta histórica não veio no último domingo? O clube publicou um manifesto "contra a homofobia e transfobia no esporte brasileiro", além de outras ações pelo Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+.

- O que o Vasco faz é gigante. Não apenas uma ação pontual, mas sistemática e a médio e longo prazo. Não creio em mudanças a curto prazo. Assim como não creio que ficar sem agir é opção, portanto, se quisermos uma evolução, devemos começar agora.

Apesar dos avanços, o caminho ainda é longo. Fabris, que começou a transição durante a pandemia, ainda não se sente segura para falar sobre o assunto no trabalho - apenas com os mais íntimos. A brasiliense tem na esposa, Lila Veiga, sua maior apoiadora em todo o processo. Elas começaram a namorar em 2006 e estão casadas há 12 anos.

- Ela fala que casou com uma pessoa, com a Fabris, comigo. Sem o apoio dela, acho que não estaria aqui. Não teria essa coragem.

Fabris destaca que "o medo é latente em quem faz transição". Medo da solidão, de perder emprego, de abandono. Além de uma rede de apoio, ela afirma que modelos de sucesso mostram que é possível cuidar da própria felicidade e ser você mesma, independentemente do que os outros pensam. Mesmo depois dos 40 anos.

"O que é pior, você ficar se apagando ou se arriscar? É como se você prendesse a respiração debaixo d'água. Uma hora você respira ou você sucumbe. Eu resolvi respirar."



Fonte: Blog Coisa do Gênero - ge