Saiba quem foi Cândido José de Araújo, o 1º presidente negro do Vasco
Sábado, 26/09/2020 - 13:03
Descoberta recentemente por um grupo de vascaínos e alugada para servir de exposição, a sede de fundação do Vasco já tem um nome escolhido em votação popular: Centro Cultural Cândido José de Araújo, uma homenagem ao primeiro presidente negro do Cruz-Maltino e de um clube esportivo no Brasil, segundo historiadores.

Candinho, como era conhecido entre os vascaínos, foi eleito em 7 de agosto de 1904, quando o futebol ainda não havia sido instituído no Vasco. Foi com ele que o clube conquistou seus dois primeiros títulos no remo, esporte tradicional da época. O bicampeonato foi fundamental para que o Cruz-Maltino aumentasse seu prestígio no cenário nacional.



Um ano antes de sua posse, foi o homem responsável por captar o maior número de sócios para o clube, feito que o fez receber como honraria uma medalha por sua contribuição ao Vasco.

Cândido José de Araújo, que era de uma família que ascendeu, se tornou o oitavo presidente do clube apenas 16 anos depois da abolição da escravatura, quando a sociedade carregava um extremo racismo.



Ano passado, completaram-se 115 anos da eleição de Candinho e o Vasco o homenageou com uma postagem no Twitter oficial do clube:



"Se relacionava bem com todos"

Historiador do Vasco e ex-diretor do Centro de Memória do clube, Henrique Hübner destacou a personalidade simpática de Candinho. Segundo ele, Cândido foi um presidente que se relacionava bem com todos.

"Era um sujeito afável, que se relacionava muito bem com todo mundo. Era educado, dava ouvido às pessoas... Era um sujeito legal. E esse jeito dele angariava, atraía, então, depois, quando entrou no Vasco, ele fez com que crescesse o quadro social, feito que o fez ganhar uma medalha do clube que correspondia à primeira colocação na quantidade de novos sócios indicados."

Antes de ser presidente, Candinho se tornou o primeiro tesoureiro da história do clube, em 1903.

Escrevente na Central do Brasil

No lado profissional, Candinho era escrevente. Por muito tempo, fez carreira na Central do Brasil, no Rio de Janeiro.

"Candinho era da Central do Brasil. Era um escrevente na época. Se aposentou como chefe de sessão, por volta de 1930, no setor de pensões da Central", destacou Hübner.

Além de escrevente, Cândido chegou a ser coronel da antiga Guarda Nacional, espécie de "força paralela" constituída por civis em defesa da pátria.

53% dos votos

A escolha pelo nome de Centro Cultural Cândido José de Araújo foi expressiva. Ao todo, 53,2% dos 2.786 votos optaram pelo ex-presidente. Em segundo ficou o Centro Cultural Vasco da Gama (26,9%), em terceiro, Sede de Fundação CRVG (10,4%), e em quarto, Casa 21 de agosto.

"Nosso grupo está pautado nisso, na parte social e na democracia. Então, sempre que pudermos dar voz à torcida, sempre que for possível, faremos a coisa mais democrática possível. Esse é o nosso objetivo. A gente brinca que pacificou o Vasco, porque unimos diferentes correntes políticas em prol do projeto", declarou ao UOL Esporte o integrante do Guardiões da Colina, Raphael Pulga.

A sede

A sede fica no Centro do Rio de Janeiro, na região da Gamboa, e serviu de local para a reunião da fundação do Club de Regatas Vasco da Gama, dia 21 de agosto de 1898.

Originalmente, ela se situava na Rua da Saúde, nº 293, mas com as mudanças na cidade, o endereço atual é Rua Sacadura Cabral, nº 345.



O grupo Guardiões da Colina tomou conhecimento de que o local estava para alugar e resolveu fazer um contrato de aluguel de seis meses com opção de compra ao final dele.

Líder dos Guardiões, Fábio Vare explicou ao UOL Esporte como surgiu a ideia de alugar o espaço:

"Já era um sonho antigo do nosso grupo. Temos algumas bandeiras, como a democratização do Vasco, valorização de suas sedes, recuperação da sua história... Finalmente a oportunidade apareceu, o imóvel estava para alugar e não pensamos duas vezes. Ali nasceu o Vasco. Visitamos o local e vimos um filme imaginando como, há 122 anos, ali aconteceu a reunião que gerou essa paixão que nos move até hoje".

Vare também detalhou os projetos para a sede, informando que a inauguração está próxima de acontecer.

"Vamos fazer uma inauguração em breve. Essa região foi muito afetada pela pandemia, que infelizmente ainda não acabou. Estamos organizando todos os protocolos para iniciar uma exposição de itens históricos do Vasco com entrada limitada, álcool, máscara... O Centro do Rio está voltando a funcionar aos poucos, os museus estão voltando, AquaRio... Nada mais animador que colocar o Vasco nesse roteiro e ainda ajudar a movimentar a região, os restaurantes, etc.", destacou.

"Pequena África"

O bairro da Gamboa, em que está a casa onde o Vasco nasceu, faz parte de uma localidade no Rio de Janeiro que ficou conhecida como Pequena África, que compreende ainda os bairros da Saúde, Santo Cristo e a zona portuária. Fica próxima ao Centro da cidade.

O nome de Pequena África foi dado pelo compositor Heitor dos Prazeres no começo do século 20 e já apareceu em algumas publicações, assim como músicas e enredos de Escola de Samba.

A região tem pontos como o Morro da Conceição, a Pedra do Sal, o Largo de São Francisco da Prainha, Cemitério dos Pretos Novos, o Jardim Suspenso do Valongo, e o Cais do Valongo, declarado Patrimônio da Humanidade em 2017, pelo Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

A localidade tem grande importância na história da cultura afro-brasileira. Inaugurado em 1811, o cais foi o principal ponto de desembarque de escravos africanos nas três Américas. Naquela área, que ainda não era urbanizada, eram feitos o trânsito e o comércio de escravos.

Após a proibição do comércio de escravos no Brasil, escravos libertos passaram a trabalhar na região. Na virada do século 19 para o século 20, negros de diversas partes do país foram para a região em busca de trabalho e acolhimento.

Atualmente, há roteiros de visita pelos diversos pontos da Pequena África. Apesar da revitalização de alguns lugares, muitos locais importantes ainda sofrem com os recursos escassos.

Exposições ajudarão a manter o espaço

O "Guardiões da Colina" fechou um contrato de aluguel semestral com o proprietário tendo a opção de compra. A ideia é que estes eventos e exposições banquem a manutenção do espaço. O objetivo é que em 2021, após a eleição presidencial, a nova diretoria incorpore o local como mais uma sede do Vasco.

"Vamos cobrar entrada e o sócio vai ter desconto. É um valor que será 100% empregado no imóvel. O grupo Raízes Vascaínas está com a gente nessa, pessoas próximas de outros grupos do Vasco, amigos, enfim... Há uma mobilização grande para ajudar. Qualquer vascaíno que quiser, pode ajudar, vamos disponibilizar uma conta no PicPay para doações. Nosso sonho é restaurar o imóvel todo até janeiro e, quem sabe no próximo ano, a nova diretoria que entrar não vê o interesse de oficializá-lo como sede do Vasco novamente. Seria fantástico", enfatizou Fábio Vare.

Doações

Ao cair no conhecimento do público a iniciativa dos Guardiões da Colina, o projeto passou a receber uma série de doações tanto de materiais de construção como também de material humano, com engenheiros, arquitetos e demais profissionais envolvidos com obras que estão prestando seus serviços de maneira solidária em prol do patrimônio vascaíno.

Proprietário negociava com uma lotérica

O local, que estava desativado, ficou próximo de se tornar uma lotérica. O proprietário já tinha conversas neste sentido quando recebeu a proposta do Guardiões da Colina. Ele revelou que outros grupos ligados ao Vasco já haviam o procurado a respeito, mas nunca fizeram, efetivamente, uma proposta de aluguel.

História confundiu local de fundação

Durante muito tempo, imaginou-se que o local de fundação do Vasco da Gama havia sido em outro lugar. Por conta da dificuldade de registros e documentos, acharam por décadas que a reunião que fundou o clube teria acontecido na sede da Sociedade Dramática Particular Filhos de Talma, importante reveladora de artistas amadores da época.

Um evento em 2011, com o presidente vascaíno da ocasião, Roberto Dinamite, aconteceu no local para celebrar o feito, inclusive.

Em 1958, houve também uma celebração pelos 60 anos da fundação, e até mesmo uma placa foi inaugurada na sede.

O verdadeiro local foi ser conhecido e revelado tempos depois com a ajuda do historiador vascaíno Henrique Hubner, que já fez parte do Centro de Memória do clube.



Fonte: UOL