Em nota, Mais Vasco se posiciona contra a reforma do estatuto
Sexta-feira, 31/07/2020 - 07:27
Mais Vasco contra a recente Reforma do Estatuto

Para comentar a proposta de reforma estatutária, antes é preciso entender sob quais lógicas deve se dar a criação de um estatuto que se pretenda moderno e adequado para o século XXI. Essa introdução é importante justamente porque é delas que serão lançadas as bases para, lá na frente, entendermos criticamente por que essa proposta é tão nociva ao Clube, embora às vezes não pareça.

Um estatuto que esteja à altura das ambições do Vasco precisa (i) acomodar boas regras de compliance; (ii) abrir as instituições à participação democrática; (iii) redistribuir equilibradamente poderes associativos, evitando a criação de órgãos moderadores "de si mesmos"; (iv) facilitar a entrada e participação de novos associados; (v) modernizar seu processo eleitoral; (vi) distinguir pessoas de instituições; (vii) responsabilizar adequadamente seus dirigentes; e, finalmente, (viii) lançar as bases atuariais e comerciais que permitam o desenvolvimento de um Clube amigável aos negócios, financeiramente responsável e transparente.

Pois numa perspectiva qualitativa, a proposta estatutária falha na maioria desses critérios. Há três grandes problemas espalhados pelo texto final da proposta que, a despeito de seus tímidos méritos, arruínam no todo seu escopo: (i) ele erra grosseiramente ao sistematizar o processo eleitoral, sendo, de muitas maneiras, um verdadeiro retrocesso; (ii) redistribui mal as competências institucionais, dando superpoderes ao Conselho Deliberativo e atrofiando tanto a Diretoria Administrativa quanto a Assembleia Geral, em total descompasso com as diretrizes de um estatuto inclusivo e moderno; e, por fim, (iii) a proposta estreita os acessos democráticos ao Clube, engessando seus mecanismos de participação, encarecendo os valores de entrada e isolando o voto.

É, de fato, uma proposta que possui tímidos avanços na área de controle institucional e compliance, mas tudo o que faz é reproduzir normas legais já em vigor e perfeitamente aplicáveis ao Clube, com ou sem estatuto. Portanto, nem para incorporar essas virtudes a proposta seria necessária, uma vez que é possível lançar mão da lei para fazer valer as regras de responsabilização, gestão temerária etc.

Dito isso, precisamos entender ponto a ponto por que razão essa proposta está muito aquém das necessidades do Vasco para os próximos anos.

(i) Onde ela é um retrocesso eleitoral

Artigos 10 e 14 – exclusão dos sócios geral e patrimonial.

Pelo rol de categorias do art. 10, é possível perceber que a proposta não contempla o sócio geral como membro institucional do novo regime estatutário. Essa proposta seria positiva se, como contrapartida, o novo estatuto conferisse ao Sócio Torcedor direito ao voto, o que ele não faz. Ao contrário pois, como veremos, o novo estatuto veda o exercício de direitos políticos ao Sócio Torcedor. Encarece uma das vias de entrada e desencoraja o acesso.

Artigos 12, 13, 18, 22 – não adoção de processos digitalizados

Artigo 12, ingresso ao quadro social; artigo 13, recadastramento; artigo 18, transferência de titularidade; artigo 22, § 3º, votação para outorga de Eméritos e Beneméritos

Art. 35, parágrafo 3º – uso da anistia como bloqueio de acesso político de curto prazo

Encurtamento das janelas de anistia não contribuem para um processo de abertura e participação democrática no Clube. Ao contrário.

Art. 132, item I, Parágrafo Primeiro – Elegibilidade Presidência

Exigir 6 anos de vida associativa e 35 anos de idade é excessivo.

Art. 140 – Voto presencial em cédulas: resistência à modernização do processo eleitoral e exclusão do colégio eleitoral Off-Rio

A ausência da possibilidade de se ter eleições não presenciais (online ou em sedes eleitorais constituídas em cidades com grande número de sócios) fecha o clube ao regionalismo local, mesmo sabendo que nossa torcida é, em sua grande maioria, nacional.

Art.162 – Ficam prorrogados os mandatos dos membros do presente Conselho Fiscal até 30/04/2021.

Previsão absolutamente descabida e inexplicável, enxertada nas disposições transitórias apenas para assegurar que o grupo hoje dominante continue a ter algum poder no próximo triênio. Mais uma vez, é um dispositivo que contraria a transitoriedade característica das modernas associações.

(ii) Onde ela blinda o Presidente do Conselho Deliberativo, redistribui mal os poderes e enfraquece o pacto associativo
Artigos 67 e 76 – necessidade de revisão

Ambos os dispositivos precisam ser revisados e, de preferência, reformatados para acomodar uma relação de poder mais equilibrada. O Conselho Deliberativo exerce controle sobre todos os Poderes, inclusive sobre si mesmo, numa espécie de autotutela não vigiada.

Art. 41 – A pena de suspensão atinge, unicamente, os direitos e não as obrigações do Sócio, sendo certo que, no caso de exclusão, qualquer que seja a causa, nenhuma indenização ou reembolso poderão ser reclamados pelo sócio excluído, exceto conforme descrito no Art. 42. Parágrafo Primeiro — A pena de suspensão imposta ao Sócio investido em qualquer dos Órgãos Estatutários, alcança as respectivas funções, não podendo o penalizado exercê-las durante o mesmo mandato.

No caso de aplicação de suspensão a membro da Diretoria Administrativa, tal sanção corresponderia à destituição de administrador, que é prerrogativa exclusiva da Assembleia Geral, conforme inciso I do artigo 59. Aqui, mais uma vez, o estatuto busca fortalecer o Conselho Deliberativo à revelia dos outros Poderes.

Art. 70 — As reuniões do Conselho Deliberativo serão convocadas exclusivamente por seu Presidente, por iniciativa sua ou solicitação do Presidente de quaisquer dos Órgãos Estatutários do CLUBE ou por membros do Conselho Deliberativo que representem, ao menos, 1/5 (um quinto) da totalidade dos seus membros, desde que nesses casos seja justificada a urgência da matéria e a conveniência da convocação.

Veja que, diferente dos outros Poderes que respeitam a legislação civil de convocação por 1/5 de seus membros, a reforma blinda o Conselho Deliberativo contra as mobilizações democráticas internas, pois condiciona a convocação específica do CD ao juízo que seu Presidente de ocasião fará das ideias de urgência e conveniência, impedindo o livre exercício político de seus membros.

Art. 76, item I – Inibição do direito da AG de se auto convocar para propor reforma do estatuto

O artigo prevê que as propostas para alteração do estatuto passem pelo CD e depois sejam encaminhadas a AG. Precisa deixar claro que a própria AG pode se autoconvocar para este fim, sem a necessidade de passar pelo CD.

Art. 79 — O Conselho de Beneméritos é Poder Moderador de caráter permanente, com função opinativa, consultiva e deliberativa composto por no mínimo 150 (cento e cinquenta), entre sócios Grandes Beneméritos e Beneméritos. Parágrafo Terceiro – Quando o número de Beneméritos atingir menos de 150 membros será obrigatório o envio de proposta de nome (s), fundamentada, em até 10 (dez) dias pelo Presidente do Clube para complemento do corpo do Conselho. Em não fazendo a proposta seguirá em igual prazo pelo Presidente do Conselho Deliberativo e, também não fazendo, sucessivamente, ao Presidente do Conselho de Beneméritos dos nomes a serem apreciados pelo Conselho de Beneméritos nos moldes do presente estatuto e do Regimento de Concessão de títulos honoríficos.

Além de tornar o Conselho de Beneméritos um superpoder, a proposta desnatura totalmente o sentido dado à benemerência. Ao exigir que em seus quadros constem sempre 150 membros, o dispositivo obriga uma permanente oxigenação de novos nomes, totalmente divorciada da natureza meritória dos títulos honoríficos. Ou seja, ao obrigar que o número seja sempre igual ou superior a 150 membros, o Presidente do Clube precisará lançar nomes ainda que eles não tenham dado efetiva contribuição à instituição. É medida para conservar núcleos eleitorais natos, sem mandato eletivo, contrariando a ideia de democracia associativa.

Art. 96. Parágrafo Único – usurpação de competências: ato de gestão é matéria típica da Diretoria Administrativa

O parágrafo único do art. 96 sujeita, mais uma vez, competência típica da Diretoria Administrativa à anuência do Conselho Deliberativo, medida que em nada se relaciona às suas prerrogativas institucionais. É outro exemplo de má distribuição de poderes e desarranjo político promovido por esta reforma.

Art. 128 — Na segunda quinzena do mês de agosto do ano previsto para a realização das eleições reunir-se-ão os Presidentes da Assembleia Geral, do Conselho de Beneméritos, do Conselho Deliberativo, Conselho Fiscal e da Diretoria Administrativa, para constituir uma Junta Eleitoral, a qual será presidida pelo Presidente da Assembleia Geral.

Parágrafo Primeiro – Compete à Junta Eleitoral revisar e apurar o número total de sócios votantes e elegíveis, quites com suas obrigações até o mês de agosto do ano eleitoral, agrupando-os conforme suas categorias, entre outras atribuições descritas neste Capítulo XVII.

Evidente usurpação de competências típicas da Diretoria Administrativa e do Presidente da Assembleia Administrativa. Mais uma tentativa de diluir competências de outros Poderes, ao tempo em que fortalece o Presidente do Conselho Deliberativo.

Art. 161 – O presente Estatuto entrará em vigor e será plenamente eficaz, excetuado o disposto no parágrafo primeiro, a partir do dia subsequente a sua aprovação pela Assembleia Geral convocada para este fim para o quadro social e após o seu registro no RCPJ para terceiros. Parágrafo Terceiro – As adaptações ou adequações do presente Estatuto a textos de lei ou correções de texto são de atribuição do Conselho Deliberativo e por ele serão aprovadas sem necessidade de submissão a Assembleia Geral, obedecido quórum estatutário.

Dispositivo ilegal. Não existe o instituto da adaptação ou da adequação estatutária. Isso é manobra para esvaziar as competências da Assembleia Geral e entregá-las ao Conselho Deliberativo. Foi uma criação ocasional para acomodar as regras do PROFUT no estatuto. Se altera o texto, é reforma e precisa ser referendada pela Assembleia Geral, sob pena de descumprimento ao art. 59, parágrafo único do Código Civil.

(iii) Onde ela é excludente e autoritária

Art. 38, Item IV – Proibição do sócio processar o clube

Dispositivo investe contra o direito e o acesso à Justiça. É previsão estatutária absolutamente ilegal, que pune o associado por buscar na Justiça a concretização de direitos que, no mais das vezes, é violado pelo próprio Clube.

Art. 156 — Estarão habilitados a votar e serem votados, compondo o quórum de instalação e deliberação da Assembleia Geral para todos os fins, os sócios de categorias extintas, a quem era atribuído direito de voto na última versão vigente do Estatuto do CLUBE.

Ao excluir o sócio geral e não atribuir direito à voto ao sócio torcedor, tudo o que a proposta fez foi fechar o acesso democrático às instâncias políticas do Clube. O novo estatuto asfixia os quadros associativos e dificulta sua renovação promovendo, de quebra, um engessamento dos núcleos mobilizados internamente. É prato cheio para tiranos.

Omissão – Falta de regulamentação sobre o procedimento de renúncia do Presidente da Diretoria Administrativa

Importante dedicar artigo para quando o Presidente da DA renunciar ao cargo. Nesse caso, recomenda-se a criação imediata de uma Comissão Transitória de Gestão e, caso tenham sido decorridos menos de 2/3 do mandato atual, promover-se-á novas eleições. Já se tiverem sido decorridos mais de 2/3 do mandato atual, promover-se-á a antecipação das eleições, sem perda de direitos dos sócios que votariam na próxima eleição.

Omissão – Ausência de regulamentação sobre Assembleia Geral Extraordinária

Neste aspecto, a proposta de reforma repete o equívoco do estatuto vigente ao esperar que o regimento interno decida matéria de competência institucional, tema de evidente natureza estatutária.

(iv) Onde ela não atrapalha, mas também não ajuda

CAPÍTULO XX – DA GESTÃO TEMERÁRIA – Artigos 151 a 155

Uma das maiores virtudes dessa proposta é, também, uma de suas maiores farsas. Todo o capítulo XX é constituído por normas reproduzidas diretamente da lei, sem NENHUM avanço que lhe possa ser atribuído exclusivamente. Ou seja, todas as regras de proteção institucional e responsabilização de gestores JÁ SÃO ATUALMENTE CONTEMPLADAS PELA LEI Nº 13.155/2015, que sujeita todos ao seu cumprimento imediato, fazendo da previsão estatutária apenas um mecanismo de narrativas eleitorais. É positivo? Sem dúvidas, mas é um avanço que já ocorre a despeito da reforma, e não por causa dela.

Por fim, e aqui a crítica é dirigida à proposta como um todo, não é politicamente razoável que uma proposta de alteração completa do estatuto social seja aprovada às vésperas do processo eleitoral. Isso contraria todos os valores da harmonia associativa e da vida democrática que pretendemos cultivar dentro do Vasco. Condena-se a futura e imediata composição do Conselho a normas não debatidas por quase a metade de seus membros, que serão obrigados a conviver com um novo regimento elaborado com o único fim de enfraquecer o Presidente de ocasião e, por seu turno, dar superpoderes ao seu maior algoz.

É uma proposta que não enfrenta os grandes problemas do Vasco, não contempla seus objetivos e está muito aquém de suas ambições. Queremos, sim(!), um novo estatuto que seja moderno, inclusivo, aberto e transparente; que puna severamente os maus dirigentes, mas que reconheça a importância do acesso ao voto e da participação democrática.

Por essas razões, opomo-nos ao Estatuto dentro do Conselho.

Saudações Vascaínas! #QuantoMaisVascoMelhor

Fonte: Mais Vasco