TV Globo quer Brasileiro durando o ano todo e Estaduais em datas alternativas
Terça-feira, 17/12/2019 - 09:32
Principal compradora de direitos do futebol brasileiro, a Globo entende que um Campeonato Brasileiro em temporada "plena" traria mais igualdade financeira entre os clubes brasileiro. Neste caso, uma opção seria disputar os Estaduais de forma simultânea com o Nacional, dando as melhores datas para a competição mais importante, inspirando-se no modelo da Inglaterra. É o que defende o diretor de direitos esportivos da Globo, Fernando Manuel Pinto, em entrevista ao blog.

Pelo calendário atual, perpetuado para 2020, os Estaduais se iniciam no meio de janeiro e vão até o final de abril. Com isso, o Brasileiro fica com sete meses para ser realizado, de maio ao início de dezembro.

Para Fernando Manuel, o calendário deveria levar em conta a importância de cada competição, dando as datas mais nobres para as mais relevantes como o Brasileiro. Assim, o Estadual, que o executivo não vê como vilão, poderia ser aumentado desde que encaixado em outras datas como é feito com a Copa da Inglaterra. E admite que "jogo demais também traz transtornos".

O executivo da Globo ainda defendeu o novo modelo de distribuição de recursos do contrato de televisão (implantado em 2019) como fator de maior "equilíbrio" e "meritocracia" entre os clubes. Ressaltou que dois terços do dinheiro são divididos por critérios por mérito e por igualdade.

Em relação à divisão do Pay-per-view, Fernando Manuel lembra que a divisão feita por pesquisa com assinantes "premia os clubes que contribuam mais para o aumento do bolo". Com essa distribuição, o Flamengo, que tem 18,9% dos assinantes segundo a última pesquisa, ganha mais, assim como o Corinthians por uma garantia mínima de contrato. O executivo da Globo reconheceu, porém, que sempre podem ser feitos ajustes e nenhum sistema é perfeito. Citou, por exemplo, que os times rebaixados deveriam ganhar cotas por posição.

Por fim, o executivo analisou que há mudanças no mercado de direitos de transmissão, e que a Globo está se adaptando a essas alterações. Entre elas, está a prioridade de produtos on demand como o pay-per-view, que acaba ficando com jogos que antes eram da TV Aberta.

Blog: Esse foi o primeiro ano do novo contrato do Brasileiro entre a Globo e os clubes. O novo sistema de divisão dos recursos entre clubes – 40%, 30%, 30% – tornou igualitária a distribuição em TV Aberta e Fechada. No pay-per-view a distribuição segue pelo número de assinantes aferido em pesquisa, o que gera diferenças significativas entre os clubes. Como a emissora avalia o novo sistema em seu primeiro ano? Houve maior equilíbrio na distribuição? Serão necessários ajustes neste sistema para 2020?

Fernando Manuel: Tendo mirado desde 2016 até agora não apenas a aquisição dos direitos mas também a implementação de um novo formato, mais coletivo e com viés de equilíbrio e meritocracia na distribuição, diria que estamos logrando êxito. É um processo contínuo. Temos negociações em andamento com clubes, inclusive.

O novo modelo é perfeito? Não, mas fruto de disciplina na implementação e contribuição dos clubes, sem dúvida um grande avanço em comparação ao regime anterior, por ser mais coletivo e permitir aprimoramentos futuros a partir desse novo patamar. Apenas como exemplo, avalio que a tabela de remuneração por performance possa já se aperfeiçoar: hoje restrita a pagamento das respectivas quantias do 1o ao 16o colocado, passando para uma distribuição que vá até o 20o. Agora, o que é positivo: nos cabe ouvir os clubes, estruturar em conjunto com eles, afinal o modelo hoje demanda isso para ajustes. Tenho estimulado que clubes tragam um olhar crítico, de forma geral. Diálogo gera evolução.

O modelo foi implementado em meio a uma notável disputa por direitos e com clubes negociando individualmente. Não é exatamente simples. Nos lançamos a tal discussão com clubes tendo inclusive alguns deles já contratados aqui e acolá, com a Turner sob outra formatação em determinada mídia, naquela ocasião. Ainda assim, dessa vez os acordos aqui caminharam para um modelo coletivo ao invés dos valores fixos por clube e limitado a 18 times. Vários rios enfim correndo para o mesmo mar.

O modelo em si você conhece, certo? Vamos aos efeitos práticos. Cerca de dois terços da verba total empregada pela Globo na Série A são distribuídos por critérios de igualdade e meritocracia esportiva e comercial, gerando bom equilíbrio: 40% de tal montante divididos igualmente entre os clubes, 30% conforme número de vezes que o clube é exibido independente da audiência em si, e 30% baseado no desempenho final do clube na competição, em formato no qual o maior remunerado recebe apenas 3 vezes mais do que o menos remunerado.

A quantia restante, estimada em um terço da quantia desse investimento dedicado a Série A, refere-se ao pay-per-view. Chega aos clubes um percentual da receita efetiva dos sócios desse modelo, que também possui um viés de meritocracia, premia os clubes que contribuam mais para o aumento do bolo e motivem, pelo desempenho em campo e comunicação de marketing, mais seus torcedores a seguir os jogos.

Efetivamente, a parcela da receita de PPV é ainda fator de diferenciação entre os clubes. Times mais populares tendem a vender mais, por exemplo. Entendo que, pela possibilidade de individualização de negociação e resultados, diante da disputa de direitos, alguns clubes miraram ali diferenciais que o restante do modelo não acomodaria.

Blog: A emissora passou a colocar mais jogos do Corinthians e Flamengo disponíveis apenas no pay-per-view, com redução da presença deles na TV Aberta. Qual o objetivo desta estratégia? Há uma intenção de aumentar receitas com pay-per-view?

Fernando Manuel: Quando se tem um produto tão grandioso como o Brasileirão, com relevância e volume de jogos, associado a um modelo de negócios que sugere diversificar a oferta para melhor atender tanto o público quanto os parceiros, como clubes, patrocinadores e distribuidores, é natural que se faça uma alocação estratégica dos jogos. Equilíbrio é a palavra-chave.

Veja o resultado: as ofertas da TV Aberta e TV Fechada foram fabulosas, estimularam o público durante todo o campeonato e todos os clubes foram bem exibidos, renderam excelentes audiências. Sem prejuízo disso, uma seleção de jogos com grande atratividade no Premiere, algo que é importante para Globo mas também para os clubes, sócios no resultado financeiro que são e para os torcedores, que tem lá a perspectiva de uma ampla cobertura do futebol brasileiro.

Penso que modelos de negócio precisam ser desenvolvidos de maneira sustentável e positiva para as partes envolvidas e para a indústria como um todo.

Blog: O Brasileiro teve um crescimento de média de público nos estádios nesta edição de 2019, atingindo mais de 21 mil de média. Como foi o desempenho dele na televisão, tanto comercialmente quanto em termos de audiência?

Fernando Manuel: Não comento dados específicos e tenho uma atuação mais na relação externa hoje em dia, com o futebol em si, mas avalio que o desempenho foi positivo também. Agora, é aquilo, quando as peças se encaixam cabe estar atento no que fazer para que a engrenagem se ajuste ainda mais e resultados futuros sejam ainda melhores. Creio que deva ser esse o foco.

Blog: Foi também o primeiro ano em que a Globo dividiu as transmissões em TV Fechada com um concorrente, no caso a Turner. Como isso impactou a estratégia de transmissão da Globo e da Sportv?

Fernando Manuel: Logicamente, o cenário restringiu de alguma maneira as escolhas de jogos na TV Fechada, mas seguiram chegando ao público jogos em quantidade e relevância significativas, tanto pelo Sportv quanto pela Turner, dentro do normal olhando anos anteriores. Pouco ou nada influenciou a oferta de TV Aberta e do Premiere, na minha visão. A CBF também acertou em cheio no desdobramento dos jogos nas datas, com horários diferenciados que atendem o público.

Blog: Apesar do sucesso do Brasileiro de público, a competição continua tendo problemas com calendário. Fica espremida entre o final de abril e o início de dezembro, o que vai se repetir em 2020. Como isso afeta o produto futebol comercialmente? Há soluções para esse problema? Quais?

Fernando Manuel: Creio que seja inequívoco que o Brasileirão, me refiro a todas as suas séries, constitui o principal produto esportivo do Brasil. É através dos campeonatos nacionais, realizados de forma recorrente, que se conecta esportiva e comercialmente os clubes, faz com que os torcedores de todos os times prestem atenção o tempo todo também nos demais independente do seu estado de origem pelo simples fato de estarem disputando as mesmas coisas, seja título, vagas em outros torneios, fuga do rebaixamento ou acesso à divisão superior e até via fantasy game, o Cartola! Financeiramente, somente quando os clubes disputarem um torneio nacional recorrente, de temporada plena, estarão disputando o mesmo 'pote de dinheiro' e afastando a influência que a diferença naturalmente gerada pelo desigual potencial comercial de cada torneio regional, com realização isolada, acaba proporcionando.

Costumo dizer que, antes de um grande produto de mídia, um campeonato tem que ser um excelente produto esportivo. Nesse sentido, o calendário é acima de tudo uma ferramenta para montagem desse produto esportivo e suas variações do modelo atual, o que creio você chame de melhorias, passa pelo diálogo das entidades de administração do futebol e os próprios clubes, claro! Vejo esforços da CBF nesse sentido com a interrupção nas datas-Fifa e uma consciência maior dos clubes sobre a relação causa-efeito de como o produto esportivo é montado. Não me refiro aqui apenas a direitos de TV, clubes possuem outros negócios, igualmente importantes e impactados pelo melhor aproveitamento das datas, como por exemplo bilheteria, sócio torcedor e mesmo gestão do elenco de atletas.

Blog: Ligas europeias têm duração que se estende por até dez meses com jogos primordialmente nos finais de semana. Esse seria um modelo possível no Brasil? Como mudaria a comercialização do produto pela televisão esse tipo de formato? Poderia ter aumento ou redução de receitas?

Fernando Manuel – Acho que as ligas europeias, em parte, miram aquilo que descrevi na resposta anterior… ocupar a prateleira e de forma regular, contínua, com as competições nacionais para plena atenção e retorno comercial, igualmente de forma nacional. E note que isso não impede que haja torneios concomitantes nos meios de semana mas que as vezes migram sim para o final de semana em datas de maior destaque. É o caso de fases finais da Copa da Inglaterra e Copa da Liga Inglesa, por exemplo. Conmebol também fez um belíssimo trabalho na minha visão em termos de calendário, fortaleceu suas competições.

Vejo essa equação do calendário, que essencialmente pertence aos clubes e entidades gestoras do Futebol, como complexa e merecedora de atenção. De certa forma, diria que funcionaria feito embarque de avião: elegendo prioridades para entrada e alocação nos principais assentos e vai ocupando sem perder de vista que tem lugares limitados, ninguém viaja de pé, de forma capenga. Jogo demais também traz transtornos.

Blog: Ao mesmo tempo em que vemos o crescente interesse pelo Brasileiro do público, há uma queda do interesse pelos Estaduais nos últimos anos com uma maioria dos jogos com públicos menores. Os Estaduais são produtos ainda interessantes para televisão e patrocinadores? É excessivo o período de três meses e meio pelo qual se estendem os Estaduais por 16 datas?

Fernando Manuel – Acho injusto olhar os Estaduais como vilões. A verdade é que possuem e alimentam tradição graças às rivalidades locais, perspectivas de múltiplos campeões Brasil afora e mata-mata, que rendem belos jogos. Vários estão na história, outros entrarão. Por outro lado, não é porque algo tem elementos históricos positivos que não se deve ter um olhar crítico nas transformações, bem como efeitos colaterais de cada aspecto no conjunto da obra, por exemplo o inevitável desequilíbrio de receitas entre clubes que gera durante o período sem Brasileiro, naturalmente, a partir do estado e torneio regional de origem.

Os Estaduais tem espaço esportiva e comercialmente, suas finais por exemplo têm grande público e audiência sim, além de movimentar centenas de clubes Brasil afora e isso é bem legal. Olhando lá na frente, diria, mera opinião pessoal, que poderiam durar até mais dando atividades a tantos clubes e atletas. Questão apenas de delimitar, dimensionar o quanto e como comprometer em termos de datas dos clubes das principais divisões nacionais, bem como avaliar qual a melhor posição no calendário, eventualmente coexistindo com nacionais e, sempre importante, com todos os jogos esportivamente valendo muito. Esporte como produto requer clareza e intensidade do início ao fim.

Blog: Além da Turner no Brasileiro, o mercado do futebol brasileiro teve um aumento do número de concorrentes por direitos de televisão pela entrada de players como o Facebook (Liga dos Campeões e Libertadores) e DAZN (Sul-Americana). A Globo espera que a concorrência pelos campeonatos aumente nos próximos anos com a entrada de outros players que não costumavam atuar neste mercado como Google?

Fernando Manuel: Não citaria aqui A ou B, mas olhando para o cenário geral, creio que a continuidade da concorrência seja a tendência pela relevância que o conteúdo esportivo tem, com seus incomparáveis atributos para quem agrega marcas, exibindo ou patrocinando eventos, gerados pelo 'ao vivo', todo o engajamento social e mobilização pela paixão todo dia, toda hora.

Mas acho que o esporte, generalizando aqui, deve estar atento aos desafios impostos pela transformação da mídia e dos hábitos de consumo, especialmente uma gestão mais sofisticada do ativo, dos direitos e sua exclusividade, bem como os impactos da crescente pirataria. Esse tipo de detalhe pode elevar ou mitigar o retorno potencial de quem investe no esporte.

Creio, ainda, que teremos respostas interessantes no futuro próximo nos EUA em função do término de longos acordos de direitos de algumas das principais ligas profissionais, dentre elas a NFL, em 2021. Vejamos quais serão as reações e ensinamentos do maduro e dinâmico mercado norte-americano.

Blog: A própria Globo em suas mudanças de estratégia criou um novo canal para assinantes por meio da internet, dissociado de operadoras de televisão a caso. Isso é uma estratégia para minimizar a queda de assinantes de TV Fechada? A longo prazo, a empresa entende que a maioria dos serviços vai migrar para produtos específicos on demand sem pacotes fechados?

Fernando Manuel: O mundo vive uma era de profundas transformações na mídia e no hábito das pessoas, o que inclui o consumo de conteúdo. Plataformas digitais para oferta-lo são, ao mesmo tempo, consequência da demanda do público e resposta para melhor atende-lo, com mobilidade e segmentação de produtos, dentre outras características.

Não seria diferente aqui e, ao distribuir o Premiere via internet, Globo atende também as expectativas dos clubes na ampliação da oferta do Brasileirão e, consequentemente, expectativas para geração de receitas hoje e no futuro. Os clubes são sócios do resultado do Premiere, via rateio das receitas com assinaturas do Brasileirão Série A.

Blog: O futebol brasileiro teve um crescimento do valor de mercado interno pelos direitos de transmissão. Mas, ao mesmo tempo, o Brasileiro não foi vendido para o exterior e a própria Globo não se interessou em ficar com esses direitos de forma exclusiva. Por que o Brasileiro vale tanto no mercado interno e tão pouco no mercado exterior?

Fernando Manuel: Não faria essa colocação, de que vale pouco. Mercado internacional é muito competitivo, de fato. Em tal cenário, é preciso trabalhar forte na construção do produto, sua imagem e embalagem para, com disciplina e provavelmente certa paciência, colher os frutos no futuro.

No atual ciclo, diante dos desafios apresentados na negociação e próprio apelo de alguns clubes para que se estruturassem e buscassem por lá negócios adicionais, a Globo deixou de adquirir determinadas propriedades, as placas de publicidade nos campos e os direitos internacionais em si. Preservamos, tão somente, a capacidade de exibir os jogos em português através das plataformas Globo lá fora.

Não me vejo em posição de comentar com detalhes o destino desses direitos internacionais para 2020 em diante, mas percebo esforços de alguns clubes e da CBF a respeito. Faço votos de sucesso e colaboramos sempre que cabe, claro. Visivelmente, aquele tipo de assunto merecedor de atenção estruturada pelos clubes, com viés coletivo, profissional e de longo prazo.

Fonte: Blog do Rodrigo Mattos - UOL